Impressões Concretas
05/03/2015 00:00
Alessandra Monnerat, Arthur Macedo, Julia Pimente, Letícia Gasparini, Rafael Chimelli e Tâmara Carvalho/ Foto: Gabriela Doria e Pedro Myguel Vieira

Quatro personagens de destaque na história política da cidade foram responsáveis por construir o Rio de hoje

Da colonização portuguesa e invasões estrangeiras, passando pela fundação em 1° de março de 1565, até os dias atuais, a cidade do Rio de Janeiro funciona como o espelho nacional. Considerado o segundo maior município do Brasil e a sexto da América, o Rio é também o 35º mais populoso do mundo. Grande parte de todo o prestígio e dos vários títulos recebidos é fruto de esforço e empenho de alguns benfeitores. Eles contribuíram, cada um, com um olhar diferente sobre o Rio. Na retrospectiva desses 450 anos, é possível observar as diferentes fases da Cidade Maravilhosa. Segundo o professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio Cesar Romero Jacob, as benfeitorias foram realizadas em consequência das circunstâncias históricas em que se encontrava cada benfeitor. Para descrever o que foi construído e conquistado na história do Rio, é necessário falar de quatro personalidades: Estácio de Sá, Dom João VI, Pereira Passos e Carlos Lacerda. Juntos eles conseguiram transformar a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro no que ela é hoje.

O Monumento a Estácio homenageia o fundador da cidade no Aterro do Flamengo

Estácio de Sá

O primeiro governador-geral da capitania do Rio de Janeiro viveria apenas dois anos na cidade que fundou. Em 28 de fevereiro de 1565, Estácio de Sá aportou com uma grande esquadra na Baía de Guanabara para entrar defi nitivamente na história da cidade que fundaria no dia seguinte, em uma pequena praia entre os morros Pão de Açúcar e Cara de Cão. Nome de bairro, de universidade e de escola de samba, Estácio garantiria a presença portuguesa no Rio de Janeiro e lançaria os primeiros fundamentos de uma das cidades mais importantes da colônia brasileira.

Em 1555, os ocupantes da região do Rio de Janeiro falavam outra língua: o francês. Foi na Ilha de Villegagnon, que um grupo de Huguenotes, protestantes da França, escolheu para fundar a colônia da França Antártica. A região era de importância para corsários franceses em razão do lucrativo comércio de pau-brasil. Aliada aos índios tamoios que viviam na área, a colônia da França Antártica ameaçava os interesses portugueses. Segundo o professor Cesar Romero Jacob, houve um confl ito de caráter político na história da fundação do Rio de Janeiro.

- Há uma disputa geopolítica entre França e Portugal pelo território que pertencia à colônia portuguesa. O nome Brasil veio muito tempo depois.

O terceiro governador-geral do Brasil, Mem de Sá, tio de Estácio, foi à região da França Antártica com o intuito de expulsar os invasores. Porém, a parceria com os índios locais ajudou a resistência francesa. Foi só em 15 de março de 1560 que Mem de Sá conseguiu atacar o Forte Coligny, na Ilha de Villegagnon, núcleo da ocupação invasora. Mas os franceses se refugiaram com os índios no interior e depois voltaram ao forte, deixado praticamente desocupado pelos lusitanos.

A notícia chegou à Coroa Portuguesa, que enviou Estácio para expulsar defi nitivamente os invasores e estabelecer a paz com os índios. O português chegou a Salvador em 1563, então com 43 anos. Ele era conhecido em Portugal como um grande militar, mas só conseguiu reunir uma força de ataque sufi ciente para retomar o domínio português na Baía de Guanabara em 1565, com a ajuda da Capitania de São Vicente, ao norte do Rio de Janeiro, e da Companhia de Jesus. Os padres jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta tiveram um papel especial ao convencerem os índios tamoios a firmarem uma aliança com os portugueses.

A fundação da cidade foi no dia 1º de março, após um forte combate contra os invasores. A data foi celebrada com uma missa aos pés do Pão de Açúcar, em homenagem ao padroeiro da conquista, São Sebastião. O local de fundação serviu como base de operações para Estácio, que construiu um pequeno forte na área. Segundo o professor de história Bruno Werner, aquele era o melhor lugar para estabelecer um povoado.

- Existem várias teorias sobre o local de fundação do Rio de Janeiro. Muita gente diz que é ali entre os morros, onde há um descampado, porque dá para formar um povoado. Logo depois da expulsão dos franceses, esse lugar mudaria.

Nas primeiras batalhas, Estácio já obteve vitórias. Mas a guerra se prolongaria por outros dois anos. Em 20 de janeiro de 1567, uma esquadra capitaneada por Cristóvão de Barros chegou ao local da guerra, com reforços sob o comando de Mem de Sá. Foi nesse momento que ocorreram as batalhas-chave da conquista do Rio: a de Uruçu-Mirim, onde hoje é o Outeiro da Glória, e a da ilha de Paranapuã, atualmente Ilha do Governador.

Estácio, porém, não sobreviveria para ver seu objetivo cumprido: ferido por uma flecha indígena na batalha de Uruçu-Mirim, o governador-geral da Capitania do Rio de Janeiro morreu pouco tempo depois, no dia 20 de fevereiro. Seria seu tio, Mem de Sá, que transferiria a ocupação para o Morro do Castelo, um lugar estrategicamente mais seguro, onde a cidade começaria a florescer.

Atualmente, o fundador da cidade é lembrado em um monumento no Parque do Flamengo, próximo ao Morro da Viúva, projetado em 1973 por Lúcio Costa. Dali, são vistas a Enseada de Botafogo e o morro do Pão de Açúcar, belezas naturais que Estácio ajudou a manter sob domínio português.

Dom João VI

Diz-se que, quando Carlota Joaquina estava prestes a ir embora do Rio de Janeiro para retornar a Portugal, ela tirou as sandálias e bateu contra um dos canhões da amurada do navio, e disse: “Tirei o último grão de poeira do Brasil dos meus pés. Afi - nal, vou para terra de gente!”. O fato é que no período em que D. João VI esteve no Rio, de 1808 a 1821, a cidade ganhou cultura e infraestrutura, desenvolveu-se economicamente e rumou para se tornar uma metrópole.

O interesse do príncipe regente D. João VI por botânica propiciou a criação do Jardim Botânico

Ao chegar ao Rio, os portugueses se depararam com uma cidade atrasada e precária. D. João desejava criar uma corte com nobres e pessoas importantes na cidade. Era preciso estruturar o local para deixá-lo digno de ser sede da nova capital do reino, ou seja, transformá-lo em uma metrópole. O Rio passou a ser conhecido como Nova Lisboa.

Foram realizadas diversas construções durante o período em que a corte esteve aqui, como Jardim Botânico e Banco do Brasil. Ergueram-se escolas e fábricas e abriram-se estradas de ligação. Além disso, começou a ser construído o sistema de saneamento básico do Rio, e também se iniciou o acervo da atual Biblioteca Nacional com livros trazidos da Real Biblioteca de Lisboa.

O Paço Imperial foi a primeira residência da corte portuguesa no Rio. Depois, o Paço virou um prédio ligado à justiça do Reino, e D. João e a família foram morar na casa da Quinta da Boa vista. O Arquiteto Glauco Campello foi responsável pela mais recente reforma do Paço Imperial. Segundo ele, a novidade da obra foi o fato de o edifício, diante da estrutura original que oferece, ser o comandante da obra, e não o arquiteto.

-O edifício, nas qualidades que tem, rege o processo de reestruturação que vai se concretizar.

Segundo o cientista político e professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio Cesar Romero, as ações do príncipe regente foram feitas de acordo com circunstâncias históricas.

- Durante o tempo em que D. João fi cou aqui, o Rio passou por um processo de transformação, e ele preparou a cidade para ser a capital do Brasil. As obras do imperador português não ocorreram porque ele quis, mas, sim, diante das circunstâncias históricas que ele vivia naquele momento.

Mesmo que a Família Real tenha vindo por necessidade, o Brasil foi a moradia da corte por 12 anos. D. João viveu momentos importantes aqui. Inclusive, foi ele quem iniciou o hábito de frequentar as praias da cidade, naquela época, no morro da Urca. O legado deixado pelo Imperador de Portugal foi marcante. Ele conseguiu cumprir um dos objetivos da corte ao chegar aqui, transformar o Rio em uma metrópole.

Pereira Passos

Inspirado nos traços geométricos das ruas, nos jardins e parques charmosos de Paris, criados pela reforma promovida por Georges-Eugène Haussmann, o prefeito Francisco Pereira Passos planejou a transformação da cidade do Rio de Janeiro. O objetivo? Suplantar o passado colonial-escravista e mostrar ao mundo que existia na capital do país uma sociedade cosmopolita e moderna. Em apenas quatro anos, a metrópole, até então com feições do tempo do Império, se transformou.

O Theatro Municipal, de 1905, é uma das obras erguidas durante o Plano de Pereira Passos, na Cinelândia
Passos administrou o Rio de 1902 e 1906, nomeado pelo então presidente da República Rodrigues Alves. O convite, no entanto, só foi aceito com uma condição: plenos poderes para o prefeito. A ideia era acabar com a imagem de que o Rio de Janeiro era uma cidade de condições anti-higiênicas, formada por ruas estreitas, com um casario colonial rodeado de animais e carroças.

As obras tinham como meta tanto a melhoria de infraestrutura quanto uma reestruturação estética para transformar a cidade em uma grande capital, com ares europeus. Para o presidente do  Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Sérgio Magalhães, a reforma de Pereira Passos foi o início de uma mudança de mentalidade.

- Desse conjunto de decisões de projetos da época de Pereira Passos, Rodrigues Alves e Lauro Muller, cuja alta qualidade arquitetônica é uma característica marcante, nasce uma condição nova para a cidade que passa a encantar todo mundo pela expressão do título de Cidade Maravilhosa - afirma.

Desde o início do mandato, Pereira Passos decretou diversos atos para acabar com antigos hábitos dos cariocas e iniciar uma nova disciplina na vida dos republicanos. Além das obras, estavam o veto às esmolas nas ruas, a extinção de cães abandonados, a proibição de quiosques e a venda de produtos por ambulantes.

Pereira Passos queria valorizar a região central da cidade com a demolição de imóveis e a consequente retirada da população de baixa renda que ali se concentrava - ação conhecida como Bota-Abaixo. Surgiu uma nova forma de habitação nessa época: as favelas. Com a demolição de um grande número de cortiços, a população pobre, que precisava viver perto do emprego, migrou para os morros, ocupando os morros da Providência, de Santo Antônio e de São Carlos.

Para garantir a conclusão das obras, em 1905, Pereira Passos tomou medidas repressivas, como mais desapropriações e demolições, além de criar um imposto para garantir a construção e manutenção de calçadas. No programa consta o uso de calçamento com asfalto, inexistente no país.

Dentre as obras mais importantes, Sérgio Magalhães destaca a construção da antiga Avenida Central, atual Avenida Rio Branco, que surgiu com o objetivo de reunir os principais equipamentos de representação nacional. Para isso, Pereira Passos iniciou as obras do Theatro Municipal, da Escola Nacional de Belas Artes e do edifício do Congresso Nacional. Posteriormente, a Avenida Rio Branco passou a reunir a Biblioteca Nacional, a Câmara dos Vereadores, o Superior Tribunal Federal, Clube Militar e Clube Naval.

Houve outra obra fundamental nesse período para o incremento da economia: a construção do porto e a abertura das avenidas de acesso - a Francisco Bicalho e a Rodrigues Alves, o que agilizou o processo de importação e exportação.

Pereira Passos também melhorou a acessibilidade da Zona Sul ao centro com a construção da Avenida Beira Mar e ainda contribuiu para mudar hábitos da população em relação ao mar, que, segundo Magalhães, era visto como algo sujo.

- A partir da consolidação das intervenções de Rodrigues Alves e Pereira Passos, é proibido restringir o acesso público ao mar no Brasil. A construção de rua entre o mar e as edifi cações é uma exigência legal brasileira. E isso não é algo singelo, é uma decisão que não ocorre em outros países, onde há muita praia privada - diz Sérgio Magalhães.

Carlos Lacerda

Nascido no Rio de Janeiro, em 1914, Carlos Lacerda destacou- se como governador do Estado da Guanabara de 1960 a 1965. Entre as principais contribuições de Lacerda para o desenvolvimento da cidade estão o Aterro do Flamengo, os túneis Rebouças e Santa Bárbara e a Estação de Tratamento de Água Guandu. Ele também universalizou o ensino primário e tornou o concurso público obrigatório, além de construir a Rodoviária Novo Rio. Nacionalmente, no entanto, não obteve o mesmo reconhecimento.

Aterro do Flamengo, de Lota Macedo e Burle Marx, é uma das grandes realizações de Carlos Lacerda
Nos anos 1930, enquanto jovem, Lacerda esteve ligado ao comunismo. Porém, nas décadas seguintes, ele se fi liou à União Democrática Nacional (UDN), e era admirado pela classe média.

Lacerda fundou o jornal Tribuna da Imprensa, e ganhou o apelido de O Corvo, devido aos ataques que fazia ao então presidente do país, Getúlio Vargas.

O doutor em História Carlos Teles diz que Lacerda iniciou a transformação da ex-capital em um local de oportunidades.

- Ele desenvolveu um projeto de zonas industriais (Zona da Leopoldina), comerciais e serviços (Centro e Zona Sul) e residenciais (zonas Norte e Oeste), criando um perfi l socioeconômico e estigmatizando essas áreas e seus moradores - relata Teles.

Para o professor Cesar Romero Jacob, o Rio de Janeiro precisava se reinventar.

- A cidade deixa de ser capital e precisava se renovar. Carlos Lacerda busca referências nos Estados Unidos, que é a potência da época - destaca Jacob.

A urbanista Maria Carlota Costallat de Macedo Soares, a Lota, e o paisagista Roberto Burle Marx foram convidados, em 1961, para desenvolver o projeto do Aterro do Flamengo. A área foi inaugurada em 1965 e recebeu o nome de Parque Brigadeiro Eduardo Gomes.

Para o historiador Hiran Hoedel, Carlos Lacerda desenvolveu projetos para a cidade que não atendiam aos pobres.

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