No embalo do trem
05/03/2015 00:00

Reforma de Pereira Passos impulsiona a ocupação nas periferias. O crescimento do subúrbio gera nova identidade carioca

A Estação de Madureira é um símbolo de um dos bairros mais famosos da Zona Norte carioca

Informalidade é uma das marcas do subúrbio, onde é possível encontrar serviços ao ar livre

Linhas de trem que cortam o subúrbio tiveram papel importante no desenvolvimento da região

O revolucionário Bota-Abaixo, de Pereira Passos, no início do século XX, transformou a paisagem da cidade e impulsionou uma mudança na ocupação territorial. Houve um grande deslocamento da população para as áreas mais afastadas e o contraste entre o urbano e o suburbano fi cou evidenciado. No sentido contrário das paisagens privilegiadas do cartão postal, o subúrbio escrevia uma história ao longo das linhas de trem.

O processo de regeneração da região central propiciou o crescimento populacional nas favelas e a ampliação dos subúrbios ao longo da ferrovia. De acordo com o professor do Departamento de História da PUC-Rio Antônio Edmilson, no século XIX, os subúrbios já se desenvolviam no leito da estrada de ferro D. Pedro II, mas houve um acréscimo importante de ocupação na área após as reformas.

Para ele, quem migrou para as margens das linhas de trem não foram os moradores que trabalhavam no Centro, que permaneceram no local por conta da proximidade com o trabalho. E, por isso, surgiram as primeiras favelas do Rio, como os morros da Providência, da Conceição e do Pinto. Os proprietários, a maioria portugueses, foram para os subúrbios. Eles viam em cada estação de trem uma oportunidade de ganhar dinheiro, com armazéns, quitandas e padarias. O que, consequentemente, ampliou a capacidade de desenvolvimento das áreas residenciais e comerciais.

Segundo Edmilson, o perfi l comercial da região suburbana teve como base de constituição o extinto porto de Irajá, o de maior fl uxo na Baía de Guanabara na época, que ligava Campo Grande a Santa Cruz. A conexão era feita na grande Madureira, que também engloba bairros como Cascadura e Osvaldo Cruz. De acordo com o professor, este foi o eixo principal da formação do subúrbio.

- A estrada de ferro costuma ter um lado desenvolvido e o outro não. Em Madureira e Cascadura, por causa dos viadutos e até pela proximidade com a Avenida Suburbana, os dois lados são iguais. Então, criou-se uma área muito importante que acabou defi nindo as características básicas do subúrbio.

De acordo com historiador, a categoria subúrbio aparece após as reformas de Pereira Passos, antes a cidade era divida em zona urbana e zona rural. Ele explica que já existiam jornais intitulados como suburbanos, mas a designação de zonas suburbanas aparece a partir do século XX, inseridas no censo de 1906. Segundo Edmilson, com o adensamento da cidade houve a criação de bairros que foram chamados de subúrbio e uma transformação do conceito da palavra.

- No século XIX, Copacabana, Glória e Laranjeiras, por exemplo, eram subúrbios, no sentido de estar fora da cidade, eram arrabaldes. Depois foram incorporados à cidade e essa lógica mudou. Então, subúrbio virou aquilo que era mais longe da área mais desenvolvida da cidade e aí acabou virando pejorativo.

Para o professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio Renato Gomes, as modernizações foram excludentes e marcaram, mais claramente, o discurso de cidade partida. A antítese de civilização e barbárie, em comparação ao centro, reforçou a conotação específi ca que o subúrbio ganhou no Brasil. Segundo ele, em países como França e Estados Unidos, a oposição com a cidade se faz no estilo de vida, como é possível identifi car nos fi lmes que mostram casas com gramados e bairros menos barulhentos.

Por aqui, ele comenta, a palavra expressa o sentido literal de “sub-urbano”, que retrata o subúrbio como uma região marcada pela falta de serviços básicos, como saneamento e iluminação. De acordo com Renato, a expansão para a Zona Sul também colaborou com o conceito negativo e o contraste na cidade. Hoje, além das comparações com o Centro, os bairros localizados ao Sul servem de referências opositoras ao subdesenvolvimento das periferias.

- Por muito tempo, o subúrbio fi cou conhecido como lugar de gente pobre e cafona. Essa marca de oposição, que sustenta a conotação negativa, é do imaginário coletivo. Afi rmar que lá só moram pessoas de renda mais baixa é errado. A gente sabe que isso não é verdade. Hoje, os subúrbios têm serviços e problemas, como toda a cidade. São essas conotações que viram estereótipos - analisa.

 Renato afi rma que não existem diferenças entre a identidade urbana e suburbana. Para ele, as características atribuídas a quem mora no subúrbio também fazem parte do caráter de quem não mora. Por outro lado, a professora de Literatura Brasileira da Uerj Giovanna Dealtry acredita que muito do que é falado do carioca está ligado ao subúrbio. Segundo ela, a ideia do carioca festivo, aberto e que conversa com todo mundo está mais presente nas periferias.

 - A população criou a imagem do carioca que está ligada ao subúrbio, que tem uma informalidade. Na Zona Sul, se tem uma imagem do carioca mais bossa nova, ligado à praia, e no Centro da cidade se tem uma relação mais formal, ligada ao trabalho.

Embora ainda haja resquícios do conceito negativo, o professor Edmilson ressalta que, atualmente, ir ao subúrbio tornou-se um programa legal. Grande patrimônio cultural, a região é conhecida por ser o berço de escolas de samba como Portela, Império Serrano e Mocidade. Segundo ele, hoje, as áreas suburbanas foram incorporadas à cidade. Isso aliado à popularização da comida de boteco e às atividades típicas, como as feijoadas nas quadras das escolas, por exemplo, incentivam o passeio.

 - Tudo virou marketing, inclusive o subúrbio. As pessoas querem ir lá conhecer os bares, andar no trem do samba, comer a feijoada das escolas e voltar para a Zona Sul. Ainda não é um lugar para morar, é quase um passeio exótico.

 

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