Uma paixão imortal
12/06/2008 18:30
Aurelio Amaral / Foto: Felipe Corrêa

Entrevista com a professora Cleonice Berardinelli, publicada em junho de 2008

Dona Cleo é candidata à Academia Brasileira de Letras

Aos 92 anos, Cleonice Berardinelli já recebeu muitas condecorações. Professora de literatura portuguesa da PUC há 45 anos e da URFJ há 64, Dona Cleo, como é conhecida pelos alunos, vai ser homenageada no Fundão, nos dias 17 e 18 de junho pelos 50 anos de sua tese sobre Fernando Pessôa. Desde o último dia 5, Dona Cleo é candidata à cadeira de Zélia Gattai na Academia Brasileira de Letras (ABL). Ela recebeu o JORNAL DA PUC em sua casa e falou sobre sua paixão por dar aulas, pelos alunos e por Portugal.

JORNAL DA PUC: Sua tese de doutorado está completando 50 anos...
Cleonice: Na verdade, não foi uma tese de doutorado. Defendi uma tese sobre Fernando Pessôa para o concurso de livre docência. Era um concurso muito complicado, com prova de títulos e prova escrita. O candidato também tinha que dar duas aulas para a banca... E por meio desse concurso, obtive também o doutorado. Por isso, meu título mais alto é o de livre docência, não o de doutorado.

JORNAL DA PUC: A senhora sempre quis ser professora?
Cleonice:
Sempre fui, porque sempre ensinei. Desde pequena, dava aula de matemática a meus irmãos. Mas o que eu queria era ser engenheira, principalmente para estudar matemática em alto nível. Comecei a faculdade de engenharia, mas acabei no caminho das letras e me apaixonei pela literatura portuguesa.

JORNAL DA PUC: Quem são seus autores favoritos?
Cleonice:
Tenho uma trindade predileta: Camões, Pessôa e Gil Vicente. Camões e Pessôa são os melhores, únicos. Gil Vicente me interessa muito por sua contribuição ao teatro português. Mesmo sendo do século XVI, ele é o maior nome do teatro lusitano, podendo ser comparado apenas a Garret.

JORNAL DA PUC: Como é sua relação com Portugal?
Cleonice:
O contato com o país começou por causa das letras. Desde que sou professora, dou aula de literatura portuguesa. As primeiras vezes que fui a Portugal foi para congressos. E comecei a criar um círculo de relações cada vez maior. Fiz muitos amigos, a maioria também do meio acadêmico das letras. Ganhei muitos prêmios do governo português. Em 2006, recebi uma das maiores condecorações de Portugal, a grã-cruz de Santiago da Espada. Não tenho família lá, mas minha origem é toda portuguesa. Herdei do meu pai o sobrenome Serôa. Seroar é um verbo português que significa fazer serão, trabalhar até de noite. É uma marca que se imprime na minha personalidade.

JORNAL DA PUC: O que motiva a senhora a dar aulas, mesmo depois de aposentada?
Cleonice:
Às vezes um ex-aluno de quarenta anos atrás me pára na rua e conta que se lembra como foi minha primeira aula, sobre que autor eu falei. É muito bom encontrar caras simpáticas e corações abertos. Não há nada melhor no mundo, não há dinheiro que pague essa resposta que se tem quando se é professor apaixonado como eu sou. Meus amigos de hoje foram todos meus alunos. Não quero parar de dar aula nunca. Gostaria de dizer: "quando parei de trabalhar, morri."

JORNAL DA PUC: Conte um pouco sobre a sua candidatura à ABL.
Cleonice:
Fiquei sabendo por um jornal da Bahia que já havia vários possíveis candidatos à cadeira da Zélia Gattai. E estava lá meu nome. Eu ri, achei graça. Alguns dias depois, um grande amigo meu, membro da ABL, me contou que estava fazendo um movimento pelo meu nome e pediu para que eu formalizasse a candidatura. Hesitei um pouco, mas aceitei. É a primeira vez que me candidato a alguma coisa. Não me sinto muito bem fazendo isso. Já recebi muitos prêmios e honrarias na minha vida. Mas sempre porque alguém achou que eu merecia. Por isso, vou cumprir apenas com as formalidades da candidatura. Se eu for eleita, vou ficar muito feliz. Mas não quero fazer campanha.

 

Edição 201