José de Anchieta: um ícone da evangelização
10/06/2014 16:40
Padre Josafá Carlos de Siqueira - Reitor da PUC -Rio

A canonização de José de Anchieta é um reconhecimento histórico

A canonização do Padre São José de Anchieta, missionário jesuíta, feita recentemente pelo Papa Francisco, é um reconhecimento histórico de um homem que deu a sua vida pelos valores e princípios do Evangelho, tão importantes no início do processo de miscigenação cultural de nossa nação. A sua visão missionária vai além de seu tempo, deixando um legado religioso e cultural para a história do Brasil, ainda hoje reconhecido por muitos intelectuais e historiadores de nosso país. É difícil, em poucas palavras, expressar a riqueza desse legado, sobretudo quando este se estende desde o campo da literatura, da poesia, da antropologia e dramaturgia, chegando até mesmo aos primórdios da biogeografia brasileira.

Sem nenhuma intenção de proselitismo, não podemos deixar de reconhecer a grande contribuição deste homem, considerado um ícone da evangelização nos primórdios das raízes de nossa brasilidade. Estar ligado à fundação das duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, não é algo trivial, pois isto supõe capacidade de dialogar, de aceitar diferenças, de ser inovador, de romper barreiras religiosas e culturais, de integrar culturas distintas e, extraordinariamente, de entregar sua vida por uma causa mais nobre, sem pretensões de poder, benefício próprio ou ambições econômicas. A maneira como Anchieta viveu e morreu aqui em nosso país é um testemunho inquestionável de alguém que procurou trabalhar e gastar a sua vida com gratuidade e simplicidade, sempre defendendo aqueles que sofriam os efeitos nefastos do processo colonizador, como os povos indígenas na sua época.

Além deste árduo trabalho de inculturação da fé, a sua contribuição literária foi fundamental, lançando as bases da arte da poesia lírica e épica no Brasil, além dos sermões, cartas e uma gramática tupi-guarani, a língua mais falada naquela época na costa do país.

Junto com outros que procuraram narrar em cartas os aspectos etnológicos, etológicos e históricos no início do processo de colonização, como Pero Vaz de Caminha, Pedro Lopes de Souza, Hans Staden, André de Thevet, Jean de Lery, Pedro de Guimarães Gândavo, entre outros, a carta escrita por José de Anchieta em 1560, documento pouco conhecido pelos brasileiros, têm um papel relevante para os primórdios da chamada biogeografia brasileira. Neste relato pré-biogeográfico, aparece a riqueza e o uso da biodiversidade pelos povos nativos, revelando também aspectos etológicos de alguns animais. O que chama a atenção é a preocupação de Anchieta em mostrar a visão integradora do homem com a fauna e com a flora, agregando informações sobre os fenômenos climáticos. A sua maneira holística em olhar a realidade antropológica, etnológica, teológica e ambiental integradamente é, sem dúvida, uma referência para o nosso mundo atual, carente de uma visão mais sistêmica da realidade socioambiental.

Ao canonizar o Padre Anchieta, o Papa Francisco foi além dos milagres baseados apenas nas curas e nas graças alcançadas, mostrando que é preciso ver também o legado e a contribuição cultural que uma pessoa deixa na história de um país, sendo sempre estímulo às futuras gerações. Que o exemplo do Santo José de Anchieta nos estimule a buscar sempre a abertura e o diálogo com as diferentes culturas e religiões que fazem parte de nossa brasilidade, exercendo a solidariedade entre os povos, e mostrando o quanto temos que conhecer e aprender com esta rica biodiversidade de nosso país, mesmo sabendo que a mesma se encontra cada vez mais vulnerável pela exploração e destruição de nossos ecossistemas.

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