Rafael Simões e os irmãos Eduardo e Marcos Carvalho se conheceram sob o clima de protestos nas passeatas de 2013. Os três já se esbarravam, na verdade, pelos corredores e no bandejão da PUC-Rio, lembra Eduardo Carvalho, mas nada significativo. Levados pela postura engajada no debate público, os três se viram diante de afinidades políticas que, mais tarde, consagraram uma parceria de êxito. De lá para cá foram quatro projetos, que incluem o filme Calma, de Simões (2017), e Chico, dos irmãos Carvalho (2016), ambos premiados em festivais de porte expressivo, como o de Tiradentes e o de Brasília.
Do mesmo período no curso de Cinema, os três estavam de ressaca dos protestos e inquietos. Juntos decidiram fazer um cinema marcado pelo compromisso com o meio social, abordando conjunturas urbanas da desigualdade na cidade. Com uma linguagem própria, personagens favelados, negros e moradores de ocupação - alguns residentes locais contribuíram nas filmagens.
Com o tempo, os três se tornaram críticos às convenções sociais e à violência urbana. Entusiasmado pelo clima político de 2013, Simões percebeu, quando voltou à PUC-Rio, o quão limitado era o escopo representativo da produção cinematográfica.
- A gente teve todo esse contato político - as passeatas de 2013 - com as ruas e quando volta encontra um espaço muito fechado. O cinema que a gente quer fazer é esse? Em que 90% dos filmes se passam dentro de um apartamento, com a mesma classe sendo representada, nos quais você não dialoga com o mundo? Existem duas formas de fazer cinema, ou você se tranca numa sala e trabalha uma ideia, ou você abre a janela e deixa o mundo entrar no seu projeto.
Moradores do Morro do Salgueiro, Eduardo e Marcos cresceram em um ambiente limitado, no que diz respeito a consumo de filmes. As referências dos gêmeos eram as sessões de canais abertos e filmes passados em canais do ‘gato net’, quando as condições de transmissão eram boas, o que era raro. O primeiro roteiro da dupla surgiu aos sete anos, e os gêmeos regravaram Titanic, com um aporte de R$ 7, uma quantia impensável na época, lembra Marcos. Mas até se tornarem profissionais reconhecidos no circuito do cinema, tiveram que trilhar um caminho que começou como bolsistas em 2011 da PUC-Rio. Eduardo comenta que, incialmente, eles se sentiram acuados e correram atrás para acompanhar uma academia exigente em conteúdo e colegas com mais bagagem.
- Ficamos feliz de chegar aqui, mas quando olhávamos em volta, pensávamos: ‘Nossa, essas pessoas sabem muito. Já estão preparadas para sair daqui e serem sucesso’. Todos tinham uma cultura vasta e condições que nós não tínhamos, mas nós percebemos que não éramos da PUC que nem aquelas pessoas. A partir disso, passamos a olhar mais para nossas origens. Nós tivemos que entrar na PUC para se dar conta de que veio da favela.
O curta Boa noite, Charles (2013), um stop-motion de terror, foi o primeiro trabalho do trio recém reunido. O reconhecimento viria mais tarde com o drama Chico (2016), dos irmãos Carvalhos, e Calma (2017) de Simões, ambos resultados da disciplina Projeto 2, do Departamento de Cinema. Os dois curtas-metragens receberam prêmios, o mais recente foi para Calma, que ganhou o título de melhor curta-metragem pelo júri especializado no Festival de Tiradentes, em janeiro deste ano.
O próximo filme já está em produção e, conforme os planos dos irmãos Carvalho, o objetivo é terminar antes do próximo Festival de Brasília, que será em setembro. Terminada a produção, Simões vai iniciar outro projeto, e, em seguida, o trio volta a se reunir. Para Marcos, apesar de divergências artísticas, a convivência dos três no processo criativo é fundamental para o sucesso alcançado até agora.
- A gente se complementa no choque das coisas. Mas isso provoca a gente a pensar e justificar nossas escolhas. Eu coloco uma câmera em algum lugar e o Rafa pergunta ‘Por que essa câmera tá aí?’, me obrigando a pensar e esclarecer minhas decisões - explica Marcos com entusiasmo.