Em uma sociedade flagelada pela violência urbana, uma polícia eficiente é a mais óbvia das respostas. Mas não é isso o que acontece no cenário brasileiro e, principalmente, no Rio de Janeiro. Marcada por tragédias em que a atuação policial está sempre envolvida, a capital carioca virou palco de um conflito armado entre o crime organizado e a polícia. Para entender melhor o problema, o Departamento de História, por meio do Laboratório de Conexões Atlânticas, organizou, entre os dias 26 e 29 de abril, o Seminário Internacional Polícia e Criminalidade no Mundo Atlântico. Para além do recorte brasileiro, o seminário também trouxe casos de outros países da América do Sul e Europa.
As palestras contaram com a presença de professores da Itália, México e Brasil, e com alunos de diversas instituições de ensino, que estiveram presentes para mostrar o resultado parcial ou total das pesquisas relacionadas à atuação das forças policiais em diferentes épocas. A coordenação ficou por conta dos professores Diego Galeano, do Departamento de História da PUC-Rio, e pesquisador do Laboratório de Conexões Atlânticas, e o mexicano Diego Pulido Esteva, do Centro de Estudios Historicos do Colegio de Mexico (COLMEX).
No dia 26, o seminário foi aberto com o lançamento do livro “Polícia e Sociedade na América Latina”, de autoria de Galeano e Pulido. Um dos palestrantes foi André Luiz Zulli, pesquisador da faculdade de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UNIRIO). Ele falou sobre o endurecimento da disciplina e o reforço da militarização no Corpo da Polícia da Corte entre os anos de 1842-1858. Ele enfatizou que, durante esse período, uma série de mudanças no alistamento, seleção e recrutamento fortaleceu a militarização da então Polícia da Corte, que viria a ser tornar a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Uma dessas mudanças diz respeito ao letramento básico dos aspirantes ao corpo policial em questão.
A pesquisadora em História do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHIS UFRJ) Gabriela Petrungaro trouxe um estudo baseado em análise de jornais da metade do século XX. Na época, o ex-tenente do Exército, Epitácio Timbaúba da Silva, se tornou diretor e perito criminal do Gabinete de Pesquisas Científicas da Polícia Civil carioca. O agente chegou a participar da perícia do corpo de Lampião e também da prisão de Luiz Carlos Prestes. Depois de anos atuando nas forças policiais, o ex-perito inaugurou uma coluna no jornal Diário Carioca, onde fazia análises de crimes e explicava de forma didática o que tinha acontecido para os leitores do periódico. A década de 1950 foi marcada por intensas transformações urbanas e sociais na cidade do Rio, e também como o período de maior produção textual de Epitácio, que se consolidou como autoridade na área da crônica policial.
Para fechar a mesa-redonda do dia, a aluna do Programa de Pós-Graduação em História (PPG PUC-Rio) e formada pela Universidade de San Andrés (Buenos Aires), Priscila Oliveira, mostrou os estudos da atuação de jornalistas argentinos nos presídios, no começo do século passado. Ela mostrou que havia uma relação próxima entre a imprensa e o sistema prisional. Os repórteres se tornaram correspondentes, que iam aos presídios e traziam para a sociedade a situação e as reivindicações dos detentos.
No dia 27, o historiador e professor da UFRJ Marcos Luiz Bretas, em parceria com o professor Diego Galeano, deu continuidade ao seminário de uma maneira inusitada: um passeio pelo Centro do Rio de Janeiro com direito a visitas a lugares onde crimes de grande repercussão nacional aconteceram, como a Chacina da Candelária.
No dia 29, à tarde, a mesa “Criminalidade econômica e circulações transnacionais na América Latina” teve a presença do professor Diego Galeano. Ele destacou um boom nos crimes de estelionato, em especial a falsificação da moeda brasileira, que assolaram a capital fluminense na década de 1920. Para se ter uma ideia, foram mais de dois mil julgamentos envolvendo a produção e a circulação desses ativos no Rio de Janeiro, segundo dados do Arquivo da Justiça Federal.
Na programação, a estudante do Departamento de História da PUC-Rio Amanda Tortato fez uma análise sobre os golpes praticados por “malandros” na primeira metade do século passado e como esses casos repercutiram na literatura. Para encerrar o Seminário, o professor Marcos Bretas fez observações dos pontos principais de todas as mesas. O docente é um dos pioneiros da história da polícia no Brasil com o livro “A guerra das ruas”, publicado em 1997.