Caminhos do lixo eletroeletrônico no Rio até o correto descarte
24/06/2017 12:59
Dóris Duque e Gabriela de Vicq

Cidade tem apenas um posto de coleta. Geógrafo formado na PUC-Rio fundou empresa que recolhe equipamento em casa.

Obras produzida por estudantes cariocas com material proveniente de processos de reciclagem. Divulgação Espaço Cultural Furnas

Nos dias de hoje, praticamente dominado por aparelhos eletrônicos de uso cotidiano, muitos brasileiros não sabem o que fazer com pilhas e baterias velhas, computadores, cartuchos, celulares, MP3s, e acabam acumulando esse lixo eletrônico em caixas ou gavetas. Pior: a falta de informação faz com que muitas pessoas joguem fora seus equipamentos junto com o lixo normal, que é recolhido pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) e enviado para aterros sanitários.

É dever de empresas e governos oferecer e divulgar os meios corretos de descarte desses eletrônicos, de alto impacto no meio ambiente, o que não acontece na prática. Todas as indústrias são obrigadas a repassar às secretarias estaduais e municipais relatórios com a quantidade anual de resíduos sólidos descartados. Segundo o superintendente de Gestão de Resíduos Sólidos da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Ricardo Alves de Oliveira, entretanto, que não há equipe para conferir esses números. A falta de fiscalização abre brechas para que tais cuidados ambientais sejam negligenciados.

– Como não conseguimos fiscalizar, só agimos quando há uma denúncia de material jogado de forma incorreta no ambiente, ou de empresas descumprindo alguma lei. Aí emitimos uma ação judicial, ou até cobramos multas – diz o superintendente.

No Estado do Rio poucas são as iniciativas de cuidado com o lixo eletrônico. A Fábrica Verde, criada pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEA) em 2011, se tornou referência, consertando computadores usados e capacitando jovens profissionalmente para o trabalho. Mas o projeto foi interrompido em 2014, e desde então não há ações públicas relativas ao descarte do lixo eletrônico. Segundo Oliveira, a iniciativa, que era mantida com a verba de royalties do petróleo, foi interrompida devido à crise do estado e a queda do preço do barril. Há planos de retomar o programa Ambiente Solidário, responsável pela coleta seletiva durante os Jogos Olímpicos, a fim de contemplar também o lixo eletrônico, mas ainda sem previsão de sair do papel.

Luiz Ricardo Melca em sua loja Sixtosix Foto: Dóris Duque

Na falta de iniciativas públicas, algumas pessoas têm tomado a frente em busca de soluções. Foi o caso de Luiz Ricardo Melca, que há quatro anos inaugurou voluntariamente o primeiro e único ponto fixo de coleta de lixo eletrônico na cidade do Rio. Melca é dono da loja de eletrônicos Sixtosix, último estande no fundo da galeria-shopping InfoMix, na Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo. Sua motivação surgiu de uma experiência própria: ele próprio produz muito lixo eletrônico, já que trabalha com tecnologia e faz manutenção de aparelhos. Ao perceber que não havia local de descarte para consumidores comuns, passou a recolher resíduos em sua loja.

– Criei o posto porque queria ajudar um pouco, já que não tem ninguém fazendo isso no Rio. O governo seria obrigado, por lei, a dar destino aos eletrônicos, mas nem do lixo comum eles cuidam direito. A questão do lixo eletrônico é um problema educacional, e temos que educar as crianças desde pequenas. É difícil conscientizar as pessoas. Para elas, é muito mais fácil descartar em qualquer lixeira do que perder tempo pensando no destino das coisas – comenta o varejista.

Entre os eletrônicos descartados no posto, o que mais chega são celulares e monitores de tubo. Melca armazena o material em uma sala de cinco metros quadrados, totalmente esvaziada a cada duas semanas, quando encaminha para a reciclagem. A grande demanda, diz, só evidencia a carência de postos de coleta: “Toda a Zona Sul vem descartar aqui. Já recebi até gente que veio da Tijuca ou do Méier”.

Tótem de coleta num supermercado Foto: Gabriela de Vicq

A alguns metros do shopping de informática, uma filial da rede de supermercados Pão de Açúcar recebe pilhas e baterias usadas, que são alguns dos eletrônicos com maior potencial de dano ao meio ambiente. O totem destinado à coleta, entretanto, fica encostado em um canto, sem muita visibilidade. Na ocasião, estava abarrotado. O chefe de operações Ulisses Abreu explicou que quem faz a coleta é uma empresa terceirizada, que não aparecia lá para a retirada havia mais de dois meses.

Empresário recolhe, conserta e revende

A empresa de reciclagem de eletrônicos Zyklus, que nasceu incubada no Instituto Gênesis da PUC, faz coleta de lixo eletrônico em domicílio em todo o Grande Rio, a partir de agendamento no site. A empresa recolhe aproximadamente duas toneladas por mês – o equivalente a cerca de 140 monitores de tubo. O fundador da empresa, o geógrafo Vitor Saboya, observa que as regiões que mais descartam são da Zona Sul, da Tijuca e de parte da Zona Oeste. “A impressão que temos é que há grupos com mais consciência ambiental e mais dispostos a ter ações além de jogar no lixo”, comenta. O custo de é de R$ 20, e uma taxa adicional é cobrada em casos de descarte de materiais perigosos: R$ 40 o monitor de tubo, R$ 10 até cinco quilos de pilha, R$ 10 até cinco quilos de disquetes e R$ 2 a unidade de cartucho e toner.

Formado em Geografia na PUC-Rio, Vitor idealizou a empresa durante o mestrado em Engenharia Urbana e Ambiental. Com apoio da incubadora da Universidade, fundou a Zyklus, licenciada em dezembro de 2016. A principal atividade é o recondicionamento de equipamentos, e seu reuso como instrumento de inclusão digital. A venda de produtos consertados representa 60% do faturamento; 25%, de serviços de manutenção; e apenas 15% são da venda de materiais reciclados como plástico, metal e cobre.

– Não encaramos nada como lixo. Aliás, evitamos chamar de lixo. Enxergamos tudo como aparelhos eletrônicos pós-consumo sem utilidade. Mais de 80% são reaproveitados na função original. Uma TV continua sendo TV, um monitor de computador continua sendo um monitor.

O processo de reciclagem começa quando os eletrônicos chegam ao galpão, em Bonsucesso. Após uma triagem, tudo o que pode ser consertado é encaminhado para o laboratório de informática para depois ser vendido na Tem Jeito, loja on-line da Zyklus, cuja proposta é recolocar esses produtos no mercado com preços populares, acessíveis a quem não têm dinheiro para comprar um aparelho novo.

– Uma pessoa que descarta o notebook com a gente poderia achar estranho vê-lo ser vendido na internet. Mas, para ela, aquilo é considerado lixo. Por que não tornar isso útil para outra pessoa? – explica Vitor.

Já o que não é aproveitável segue para a linha de desmontagem. É lá que se separam os materiais como plástico, metal, cabos e resíduos perigosos, como cartuchos, baterias e pilhas. Depois de fazer essa separação, a Zyklus vende os subprodutos para outras empresas especializadas em reciclagem.

Vitor Saboya no galpão da Zyclus Foto: Dóris Duque

Segundo o geógrafo, que mapeou a cadeia de reciclagem eletrônica no município do Rio em sua dissertação de mestrado, a maior parte das ações de reciclagem ocorre informalmente, sem licença ou conhecimento específico para lidar com eletrônicos:

– Catadores, sucateiros e cooperativas de reciclagem administram cerca de 90% dos resíduos. A maior parte do material acaba nesse ciclo. Nossa cidade é muito mal-acostumada. Pessoas acham que jogando nas ruas o problema está resolvido – diz Vitor.

A falta de fiscalização e a burocracia no licenciamento, para Vitor, levam empresas a atuar de forma irregular. A Zyklus, por exemplo, levou cerca de um ano para conseguir a licença. Além disso, como negócio formal, a reciclagem “dá muito trabalho e pouco retorno”:

– Se trabalhássemos apenas com reciclagem, sem aproveitamento, nossa empresa não seria viável no Rio. Quando desmontamos, o valor vira de matéria-prima, cai muito. Além disso, há o custo do pessoal, transporte e resíduo perigoso. O problema é que, fazendo as coisas direito, a reciclagem não se banca no Rio.

Trabalhadores no galpão da Zyclus Foto: Dóris Duque

O mercado de lixo eletrônico começou a se desenvolver com as placas de circuito, feitas com metais nobres. Dependendo da placa, o preço de reciclagem circulava em torno de R$15 a R$ 20 o quilo. Para os catadores, acostumados a receber cerca de R$ 2 pelo quilo de plástico e papelão recolhidos, a coleta de eletrônicos passou a ser vista como lucrativa e vantajosa. O que ocorre muitas vezes é que as pessoas do campo informal não estão preparadas para lidar com o risco do descarte e o impacto ambiental.

Para atuar recebendo e separando lixo eletrônico, as empresas precisam de um licenciamento concedido pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que permite a estocagem de resíduos perigosos ou não. O órgão analisa as condições do galpão e verifica se o processo gera algum tipo de impacto ambiental. Oficializada, a empresa ganha um certificado com cinco anos de validade, e estão sujeitos a fiscalizações surpresas da secretaria.

Uma das associações que vem fazendo esse trabalho no Rio de Janeiro é a Cooperativa Céu Azul, em Vigário Geral. O presidente, Luiz Cláudio Pinho, começou a ter contato com reciclagem aos 23 anos, quando catava lixo na rua. Acordava às 4h da manhã para vasculhar lixeiras antes dos caminhões de lixo. Pela manhã, depois de encher as bolsas com os resíduos, passava nos ferros-velhos para separar o material e vender o que era reciclável.

 – Foi nessa época que entendi o conceito de cooperativa. Quando comecei, ia enchendo a sacola de lixo e demorava muito. Se você catar sozinho, não cata. Em grupo, um separa o lixo e o outro vai enchendo a sacola, e o trabalho de todos rende muito mais. No início, enchia três sacolas. Depois, passei a encher 30 – explica Luiz, que era responsável por 26 ruas, de segunda a sexta-feira.

Luiz Cláudio Pinho no galpão da Cooperativa Céu Azul Foto: Dóris Duque

Luiz guarda marcas dos tempos de catador, como sequelas nos pés pelas longas distâncias percorridas todas as noites; uma operação na garganta e perda parcial de visão: “No escuro da noite, nunca sabemos o que tem dentro da lixeira. Às vezes abríamos e voava algo na nossa cara”, lembra. A renda era igualmente incerta: às vezes ganhava R$ 50, noutras conseguia até R$ 2 mil em uma semana, dependendo da sorte.

Nesta época, Luiz foi parar o lixão de Gramacho, onde não aguentou ficar mais de seis meses. “Era horrível, não tenho nem palavras para descrever. É a degradação do ser humano. Pessoas catando lixo, comendo comida velha e bichos misturados”.

Existem no país mais de 3 mil municípios com lixões, atingindo cerca de 80 milhões de pessoas. O jornalista especializado André Trigueiro, professor da disciplina Jornalismo Ambiental da PUC-Rio, explica que o aterro sanitário é, ou deveria ser, construído de forma a impermeabilizar o solo – e a manta utilizada para isso deveria ser capaz de manter os líquidos tóxicos provenientes das baterias e de outros componentes dos resíduos eletrônicos longe das aguas subterrâneas. Mas isso não é o que acontece.

– Essa situação gera riscos para a saúde, provoca a degradação do meio ambiente e o aumento de vetores que transmitem doenças. São 3.300 prefeitos criminosos, que estão desconsiderando leis – denuncia Trigueiro.

Depois dessa experiência, o catador trabalhou durante 11 anos com reciclagem no Aeroporto do Galeão. Foi lá que teve o primeiro contato com a reciclagem de eletrônicos.

 – A especialização do lixo eletrônico nasceu comigo, 10 anos atrás. Eu trabalhava no aeroporto e ganhei um contêiner da Receita Federal com nove toneladas de celulares. Disseram que tinham que ser destruídos. Eu não sabia o que fazer, e foi assim que aprendi a mexer com eletrônicos, na marra – conta ele, que assumiu a Céu Azul quando deixou o aeroporto.

Trabalhadores no galpão da Cooperativa Céu Azul Foto: Dóris Duque

A cooperativa, que atende clientes grandes como Ipiranga e Banco do Brasil, tem oito funcionários. Eles só recolhem resíduos com empresas – incluindo a Sixtosix, de Melca, em Botafogo. Um veículo autorizado da Céu Azul passa lá semanal ou quinzenalmente para recolher os eletrônicos descartados.

– A procura de descarte de eletrônicos está crescendo, agora que cada um é responsável pelo próprio lixo. Cerca de 150 pessoas ligam para cá todos os dias, querendo se informar sobre o que fazer – conta Luiz.

Diferentemente da Zyklus, do geógrafo Vitor, tudo que chega à Cooperativa Céu Azul é desmontado. Nada é consertado. “Pode chegar um Iphone 7 só com uma peça estragada, que vou desmontar e processar do mesmo jeito”, diz o presidente da associação. Os componentes são separados e vendidos para outras empresas, que reaproveitam as peças. São cerca de 160 toneladas de material reciclado por mês. Mas a crise econômica do país se reflete nas cooperativas. A queda nas vendas de eletrônicos consequentemente significa menos equipamentos descartados, e o volume das empresas de reciclagem também diminui. Essa incerteza também dificulta o crescimento de associações como a de Luiz.

Arte: Beatriz Meireles

Luiz refuta a má-fama do lixo eletrônico como grande inimigo do meio ambiente: “Tem mil coisas piores, como o plástico, o pneu do carro ou o vidro”. Sobre os resíduos perigosos, ele afirma que não há nada disso no galpão da Céu Azul. Explica que as peças são desmontadas e as partes que têm potencial de se tornarem perigosas são enviadas para empresas especializadas, onde têm o tratamento adequado. Eles recebem majoritariamente baterias de estabilizadores, celulares e notebooks que, segundo o presidente da cooperativa, são sólidas e não têm líquidos em sua composição.

Professor André Trigueiro Foto: Acervo Comunicar

Autor dos livros Mundo sustentável e Mundo sustentável 2, o jornalista André Trigueiro, explica que o lixo eletrônico é o tipo de resíduo que mais cresce no mundo, e não tem destinação final inteligente. Trigueiro menciona que as empresas produtoras, grandes responsáveis, não querem assumir esse custo. Para ele, quem deve resolver essa questão é o governo, tomando ações radicais como elevar os impostos.

– Ninguém parece preocupado com esse problema. Sofremos de um analfabetismo ambiental que predomina entre governantes e gestores políticos. Não há nenhum movimento na direção do problema: nem por parte do estado, nem do município.

Resíduos perigosos

O resíduo perigoso é um caso à parte. Em vez de ser vendido, como os outros materiais, esse tipo de resíduo precisa ser descartado com empresas específicas que são habilitadas para lidar com ele. As empresas que recebem os resíduos perigosos têm algumas formas de destiná-los, como aterros controlados ou os derretendo em um forno para gerar energia. Para isso, há um custo que as empresas e cooperativas como a Zyklus e a Céu Azul precisam pagar. Essa é uma grande preocupação: será que elas estão pagando para fazer esse descarte ambientalmente consciente?

– Não se sabe se as outras empresas destinam o perigoso de uma maneira certa e se os funcionários têm o controle de saúde de trabalho. O eletrônico tem uma porcentagem que é faturamento e uma porcentagem que é custo. Você tem que gastar para destinar o perigoso. O problema é só querer lucrar e tirar o que dá para faturar, jogando em um canto o que é perigoso, sem se importar com as questões ambientais. O pessoal que não tem esse compromisso no processo acaba que gera mais problema do que se o eletrônico ficasse quietinho em algum canto.  O nosso diferencial, e o das empresas licenciadas que estão tentando requalificar o mercado, é a segurança de que todo o material gerado vai ter o melhor destino possível – diz Vitor.

O monitor de tubo, antecessor das telas de plasma, é um dos eletrônicos que carregam resíduos perigosos. Dentro dele há uma peça lucrativa de cobre e um tubo de vidro no vácuo, onde ficam guardados materiais pesados como mercúrio chumbo, extremamente tóxicos. Do jeito que esses elementos ficam armazenados, não há contaminação. O perigo está no processo de reciclagem: se o monitor cai no chão e quebra, por exemplo, a contaminação é instantânea.

O professor André Trigueiro alerta que a simples acumulação de baterias ao longo do tempo gera, com a degradação do material, uma concentração de substâncias tóxicas e potencialmente cancerígenas – o suficiente para causar danos ao meio ambiente. “O descarte indiscriminado de eletrônicos como lixo comum é uma agressão ao meio ambiente e um desperdício”.

 Obsolescência programada

Diante da dificuldade de reciclar os eletrônicos, as empresas produtoras deveriam fabricá-los já pensando em uma futura reutilização. Segundo o fundador da Zyklus, infelizmente não é o que ocorre. A maioria das marcas produz aparelhos com vida útil equivalente ao dado pela garantia, obrigando o consumidor a comprar um produto da nova geração. É a chamada obsolescência programada. Trigueiro acrescenta que o próprio design dos produtos não colabora para o reaproveitamento:

– Quem fabrica e lança um aparelho no mercado sabe que, em três anos, ele vai colapsar. Seria mais inteligente se os eletrônicos fossem idealizados para que, quando quebrados, pudessem ter suas peças reutilizadas e reagrupadas em outros equipamentos, em vez de serem jogados fora. Mas não estão se importando com a destinação final do resíduo – afirma o professor.

Marcas como a Apple também impossibilitam o uso em longo prazo dos aparelhos por meio do constante avanço dos sistemas operacionais. Com as atualizações, aparelhos antigos se tornam inúteis. Assim, não é possível o download de novos aplicativos e, muitas vezes, são incapazes de rodar aqueles que já estavam baixados. Vitor dá um exemplo:

– Um funcionário estava tentando consertar um Playstation 3. Em cima da mesa havia três videogames, que pareciam idênticos, do mesmo modelo. Um estava com carregador quebrado, outro com a fonte, outro com o CD. Se juntasse tudo, dava para montar um só. Mas o mesmo drive, feitos em países diferentes, tem cabos ou placas distintas, que não se conectam. Às vezes as empresas fazem isso de propósito. Querem evitar que se montem um novo, para que as pessoas tenham que comprar outro.

Ainda segundo Trigueiro, os eletroeletrônicos são itens caros que, na maioria dos casos, deveriam ser consertados e reaproveitados:

– É um baita desperdício, porque estamos falando de materiais que têm uma riqueza em sua composição. Assim como temos uma linha de montagem, deveríamos ter uma linha de desmonte, para fazer a separação do plástico e dos metais, e reutilizar isso na indústria.

O que diz a legislação

Em 2010, foi aprovada a Lei 12.305/10, instituindo a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que regulamentou o armazenamento e o descarte de todos os resíduos sólidos. A lei determina cinco grupos de resíduos, sendo um deles o de eletroeletrônicos e seus componentes. Cada grupo exige um acordo setorial que estabelece as suas próprias demandas. O acordo sobre os eletrônicos, no entanto, está sendo discutido desde 2012 e ainda não foi fechado. Até que ele seja concluído, a legislação sobre esse tipo de lixo ainda é vaga.

A lei tem como base a logística reversa, que determina a importância da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Ou seja, o objetivo é transformar as empresas produtoras, importadoras, distribuidoras, comerciantes, além dos consumidores, em agentes incumbidos da destinação dos eletrônicos. O acordo setorial do lixo eletrônico, por sua vez, seria um contrato entre o poder público e os fabricantes – esses seriam obrigados a receber os resíduos dos consumidores, ou apoiarem financeiramente cooperativas que fazem a coleta.

Trigueiro lembra que são poucas as empresas que informam o que estão fazendo para minimizar o impacto de seus produtos no meio ambiente. Segundo ele, o certo seria se todas elas fossem pressionadas através de uma lei federal, já que existe um amplo repertório de medidas que podem ser tomadas para incentivar e cobrar essas atitudes. O especialista critica o pensamento limitado dos governantes que pensam apenas no período do mandato, em vez de trabalhar com pensando em soluções de longo prazo.

Para o consumidor, há também a possibilidade de descarte direto com o fabricante do produto. Mas o problema, segundo Vitor, é que na maioria das vezes as pessoas misturam aparelhos de diferentes marcas.

– Às vezes, uma pessoa tem uma tela da Dell, um mouse é da Samsung e o celular é da Motorola. Se cada consumidor tivesse que direcionar seus produtos para as empresas fabricantes seria muito complicado. As pessoas não telefonam nem para uma cooperativa de reciclagem, imagina para várias – diz ele.

Trigueiro acredita que esteja nas mãos da população exigir urgência na tomada dessas decisões públicas:

– É nosso dever. O cidadão comum tem que fazer abaixo assinado, ligar para os deputados e pedir uma posição. A cidadania ativa é feita cobrando. Democracia é panela de pressão. Esse acordo setorial não pode ficar indefinidamente sendo protelado. Se a maioria das pessoas não parece muito preocupada, as poucas que estão têm que se manifestar e fazer valer o seu direito de não ver o lixo descartado dessa maneira no meio ambiente.

Arte: Beatriz Meireles

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