Como preparar o Rio para as drásticas mudanças climáticas previstas nas próximas décadas? A pergunta de um milhão de dólares desperta respostas que convergem para ações coordenadas. Aumentar a resiliência da cidade; cuidar do meio ambiente e da saúde; abandonar o modelo de urbanização do século XX estão entre os caminhos apontados por especialistas reunidos no painel Mudança Climática e a Cidade do Rio de Janeiro, parte da XXIII Semana de Meio Ambiente da PUC-Rio e da Virada Sustentável Rio 2017. Participaram do encontro as professoras do Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU) Cecilia Herzog e Maria Fernanda Lemos; a coordenadora do Urban Climate Change Research Network (UCCRN), Martha Barata; e a coordenadora de Sustentabilidade e Resiliência da Prefeitura, Flávia Carloni.
À luz do recente desembarque dos Estados Unidos do Acordo de Paris, Flávia vê nas cidades o principal caminho para empreender as práticas sustentáveis necessárias ao controle do aquecimento global (pacto firmado por líderes globais em Paris, há dois anos, mira o teto de 2ºC para o aumento de temperatura neste século). Pois as cidades, lembra ela, "aproximam as pessoas e as comunidades". Enquanto as esferas nacionais se preocupam com questões diplomáticas, acrescenta Flávia, "os prefeitos têm a possibilidade de trocar experiências e compartilhar sucessos no âmbito das mudanças climáticas".
O intercâmbio é favorecido por plataformas como C40 Cidades e 100 Cidades Resilientes. As redes internacionais incluem centros – desenvolvidos e em desenvolvimento – centrados em diagnóstico e prevenção de alterações drásticas do clima. A adesão de 12 cidades americanas no C40, como Nova York e São Francisco, indica a dissidência municipal do desembarque dos EUA do Acordo de Paris, anunciado há duas semanas pelo presidente Donald Trump.
O último relatório elaborado pelo UCCRN indica que cidades costeiras como o Rio sofrerão, nos próximos cem anos, com o aumento de enchentes, deslizamentos e ilhas de calor. Além disso, áreas mais baixas ficarão castigadas pelo avanço do nível do mar. Esses fenômenos tendem a acarretar, ainda, uma escalada no índice de doenças tropicais, como a dengue. A previsão se agrava em regiões urbanas com carência de saneamento básico e solo amplamente impermeabilizados.
– É preciso retirar populações que vivem nessas áreas de risco, tirá-las da situação de estresse. É igualmente necesário diminuir as áreas impermeabilizadas por meio do aumento de áreas verdes e estender os serviços essenciais – propõe Flávia.
Já na avaliação de Martha Barata, para evitar que o prognóstico se confirme, deve-se investir na construção resiliente. Resiliência representa, simplificadamente, a capacidade de adaptação e superação de problemas. Na opinião da consultora do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente (Nima) da PUC-Rio, Maria Fernanda Lemos, mudanças na legislação revelam-se uma alternativa mais viável do que as soluções da "engenharia dura":
– A gente pode garantir que novas construções na cidade estejam alinhadas aos princípios ambientais. Não é fácil conscientizar a população, assim como não é fácil o poder público assumir determinadas posições quando a população não tem consciência (ambiental). Essa consciência é um processo longo. A gente, poder público junto com a sociedade, tem condições de definir quais são as regras para construir. O mínimo que uma gestão responsável deveria garantir é que o novo seja construído em um padrão adaptado e resiliente.
Ex-consultora de Desenvolvimento do Banco Mundial, Flávia Carloni considera que os projetos do gênero extrapolam as gestões de governos e se configuram como "projetos de Estado":
– Um dos primeiros paradigmas que a gente deve quebrar na administração pública é que tudo tem um selo do governante.
Ela defende, assim, e para usar uma palavra da moda, o empoderamento das ações locais para mitigar efeitos globais das mudanças climáticas:
– Na hora que um administrador público lida com um problema de transporte, por exemplo, e adota medidas para melhorar a dinâmica e diminuir o impacto ambiental, ele lida não só com os poluentes, mas com poluentes globais. Resolver o problema local significa contribuir para resolver o impacto global da emissão de gases de efeito estufa.
Gases causadores do efeito estufa têm impacto direto na saúde humana. Autora e coordenadora do capítulo sobre saúde urbana do relatório ARC3.2, feito pelo UCCRN, Martha Barata vê esse compromisso das cidades como um passo importante para integrar a saúde aos três pilares da sustentabilidade. Formado pelas dimensões sociais, econômicas e ambientais, o desenvolvimento sustentável relaciona-se diretamente com o bem-estar físico e mental.
A professora de Projeto de Paisagismo Cecilia Herzog aponta o "olhar da ecologia urbana" como uma ponte para compreender a sustentabilidade e a resiliência nos grandes centros. O tema observa como mudanças climáticas afetam relações dentro do conjunto urbano. Tomando como exemplo as fortes chuvas que afetaram a cidade do Rio em 2010, quando o abastecimento de verduras foi comprometido, Cecilia alerta para a necessidade de as cidades desenvolverem redes internas de abastecimento e relacionamentos com outros centros:
– É preciso ter redes dentro da cidade, de agricultura urbana, por exemplo, capazes de prover mercadorias que supram pelo menos parte da demanda.
Professoras parceiras na disciplina de Projeto Urbano, Maria Fernanda e Cecilia observam uma "insistência carioca" de construir em áreas afetadas pelo aumento no nível dos oceanos. Para Maria Fernanda, a construção com base em aterros de áreas alagáveis é símbolo do "modelo de urbanização do século passado".
– Já nas preparações para a Copa do Mundo de 2010 a África do Sul não investia um centavo em áreas que seriam atingidas por enchentes. É uma maneira de preservar a infraestrutura e aproveitar melhor investimentos gigantescos – compara Cecilia.