Reunidas pelo Jornal da PUC para uma conversa sobre os rumos da agenda ambiental no mundo, as professoras do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente da PUC-Rio (Nima) Deborah Danowski e Maria Fernanda Lemos ressaltam a importância do combate à desigualdade social e da inclusão de representantes da sociedade civil nos debates sobre meio ambiente. Segundo elas, os mais pobres serão os mais gravemente atingidos pelos eventos climáticos decorrentes do aumento da temperatura do planeta. Além disso, defendem a articulação de fóruns nos quais autoridades ouçam as demandas da sociedade.
Primeiro pacto global de combate à mudança climática, o Acordo de Paris foi assinado no fim de 2015 por 192 países e ratificado por 100, que representam 70% das emissões de carbono do mundo. Entre os compromissos assumidos por líderes mundiais está o de manter o aumento da temperatura média mundial abaixo de 2°C. Além disso, os países ricos investirão pelo menos US$ 100 bilhões por ano a projetos de combate às mudanças do clima e adaptação em nações em desenvolvimento a partir de 2020 e até 2025, no mínimo. A recente saída dos Estados Unidos do acordo deixou as especialistas pessimistas em relação à capacidade de articulação de um plano de combate à mudança climática em escala global – para o presidente americano, Donald Trump, o ser humano não tem responsabilidade sobre as alterações na temperatura do planeta. (leia também: Acordo de Paris: peso econômico favorece permanência dos EUA)
Contudo, outros líderes se manifestaram em favor de uma cooperação internacional para pôr em prática uma agenda ambiental. O presidente da França, Emmanuel Macron, disse que é preciso “tornar nosso planeta grande novamente”, em menção ao slogan da campanha de Trump à Presidência dos Estados Unidos: “tornar a América grande novamente”. O Papa Francisco, em sua encíclica Laudato Si’, faz um apelo aos líderes mundiais e à comunidade científica para que se voltem às questões ambientais. A postura do pontífice foi elogiada por Deborah e Maria Fernanda, que alertaram para a iminente extinção dos biomas, ponto para o qual Francisco atentou no manifesto.
Jornal da PUC: Quais os principais desafios para a agenda ambiental no mundo, tendo em vista a nova reordenação do mundo com a entrada de Donald Trump?
Deborah: O acordo de Paris foi importante e teve a entrada do ator novo: o Papa. E teve uma surpresa positiva, que foi o estabelecimento do limite de 1,5 grau para a elevação da temperatura da Terra. Mas, ao mesmo tempo, ele não é obrigatório, é apenas uma intenção. Cada país propôs suas próprias metas, e há uma espécie de fiscalização internacional. E, se analisarmos a propostas de cada país e somá-las, não é possível aumentar em apenas 1,5 grau a temperatura do planeta: aumentaria em 3 graus ou mais, se forem cumpridas as metas.
Jornal da PUC: Mas desde o fim dos anos 1990, quando se começou a debater com mais afinco as questões ambientais, os acordos firmados foram descumpridos por muitos países, não é?
Maria Fernanda: Eu estava na COP 21. Fui como delegada e acompanhei as discussões nas assembleias de lá. Alguns países deixaram para definir suas metas na última hora, porque essa discussão sobre sustentabilidade, adaptação, mudança climática e resiliência é essencialmente ética. Discute-se de quem é a culpa ou quem é mais vulnerável. Essa discussão é complicada e os impasses são muitos. O que nós chamamos de acordo é, na verdade, o desacordo mínimo reunido em um documento. Nas reuniões, o que acontece efetivamente é que há uma lista em que os países vão riscando os pontos com os quais eles não concordam, então é um mínimo de desacordo mesmo. É muito difícil conseguir uma meta única, como Deborah está falando, porque é um documento resultante do que não foi um desacordo absoluto. É difícil isso ter consistência e legitimidade, embora se tente. É um esforço imenso reunir tantos presidentes, ministros e ambientalistas em reuniões.
Deborah: os ambientalistas que são aceitos lá, não é? Porque os que não são admitidos nas reuniões ficam do lado de fora e reivindicam medidas mais radicais...
Maria Fernanda: É, exatamente. Aí há uma separação perversa, mas eu não imagino outra forma de organizar uma coisa como essa, porque tem os VIPs, que são os chefes de Estado, os ministros e os diplomatas; e tem os ambientalistas de fato, que ficam em um outro espaço do evento, localizado em outra área da cidade-sede.
Deborah: Mas há também os não oficiais, que vão para se manifestar e fazer pressão.
Jornal da PUC: E seria necessário trazer essas pessoas para dentro das reuniões para haver avanços mais significativos, ou vocês consideram as propostas irrealistas?
Maria Fernanda: Não acho que as propostas sejam irrealistas, só acho difícil de imaginar todas essas pessoas num mesmo ambiente. Isso não é viável. Os países levam representantes desses setores, mas sabe-se lá quem escolhe e como escolhe.
Deborah: Na Rio+20, puseram os chefes de Estado no Riocentro, lá longe, e o resto ficava no Aterro do Flamengo, onde havia milhares de pessoas de diversos países. E eu fui a manifestações muito grandes, que não foram mostradas pelos veículos de comunicação. E havia helicópteros da polícia sobrevoando. Ou seja, há uma exclusão explícita desse tipo de atores, que se reflete nas COPs. Essas pessoas fazem pressão e conseguem, por exemplo, incluir a meta de aumentar apenas 1,5 grau, mas não conseguem incluir nada sobre emissão de carbono ou sobre extração de petróleo.
Maria Fernanda: Esses são geralmente os pontos insolúveis que vão sendo retirados.
Jornal da PUC: Recentemente, o Papa Francisco exerceu um papel importante na reaproximação histórica entre Cuba e Estados Unidos. Ele escreveu uma encíclica defendendo metas bastante ambiciosas para o meio ambiente. Vocês acham que ele poderia ser decisivo nesses acordos, fazendo uma mediação?
Deborah: Ele certamente tem um peso, principalmente pela propagação dos ideais expressos na encíclica dentro da igreja, mas isso leva tempo para se refletir nas missas. Certamente foi importante, mas ainda não sabemos quanto. E não foi só o Papa Francisco; vários outros líderes religiosos se manifestaram a respeito.
Jornal da PUC: Quais são, hoje, as pautas prioritárias da agenda ambiental?
Maria Fernanda: Não dá para elencar prioridades. É preciso trabalhar nas principais frentes: a preservação dos recursos limitados que esses ambientes naturais oferecem. Porque quem vai dançar seremos nós.
Deborah: Os biomas também.
Maria Fernanda: É, mas eles se recuperam e a gente, não.
Deborah: Mais de 50% dos mamíferos já estão extintos. A vida do planeta continuará, só será outra.
Maria Fernanda: Outra frente é o combate à desigualdade social, porque não vai ser possível ser sustentável, resiliente, se não diminuirmos a desigualdade social e a pobreza. Não tem jeito, porque é o fator de vulnerabilidade mais importante. Não adianta fazer uma coisa separada da outra. A questão social é condicionante. E tem que resolver um problema que tem a ver com o nosso desenvolvimento econômico, que é, digamos assim, a base da nossa incapacidade de reduzir as emissões de carbono e gases do efeito estufa. Então, é preciso atuar nas três coisas ao mesmo tempo, eu não consigo priorizar. Você consegue, Deborah?
Deborah: Não, concordo. Não dá para dispensar nada, nem as COPs, nem os movimentos sociais ou qualquer outro tipo de resistência. As estatísticas são apavorantes: a elevação do nível do mar, a acidificação dos oceanos, a quantidade de lixo no mar, a elevação dos oceanos, poluição por dejetos. Tudo isso.
Maria Fernanda: Temos uma crise civilizatória. Nós vivemos de uma forma totalmente equivocada.
Deborah: E todos os modos de ação são válidos, eles não se anulam. Pelo contrário: eles se complementam.
Jornal da PUC: É possível mensurar a influência de Donald Trump nisso tudo? O discurso dele é de que o ser humano não tem participação nesses fenômenos. E há outro aspecto no discurso dele que é a retomada de uma dinâmica econômica voltada a setores para os quais os Estados Unidos já não se mobilizavam tanto, como indústria pesada e mineração.
Deborah: O Trump saiu do Acordo de Paris. Também se diz que há um aumento da produção de energia por métodos alternativos que ele não vai conseguir parar. Agora, eu acho curioso que no Brasil, à direita e à esquerda, dizem a mesma coisa que ele. Dizem que a agenda ambiental quer impedir o Brasil de se desenvolver. Ou seja, atacam o Trump com razão, mas não percebem que isso acontece aqui também.
Maria Fernanda: Eu acho que não deveríamos nos perder na discussão sobre a responsabilidade ou não dos seres humanos na mudança climática, porque as evidências que existem de desastres acontecendo após eventos climáticos extremos já é o bastante para pensarmos a nossa adaptação ao clima. As pessoas já estão morrendo, se afogando, perdendo seus bens, suas famílias. Mesmo que alguém duvide, nós não podemos esperar para acontecerem mais desastres e morrerem mais pessoas. O princípio da precaução obriga a tomar medidas agora. Para isso, não é preciso ter convicção na mudança climática.
Deborah: mas não há mais discussão na ciência...
Maria Fernanda: Eu concordo, mas acho que a discussão deveria cessar, porque já existem pessoas sofrendo com os eventos climáticos, porque as pessoas estão vulneráveis a eles.
Deborah: Eu também acho que a discussão deveria acabar, mas incrivelmente ela não acaba. Se pensássemos racionalmente e quiséssemos a verdade, optaríamos pela precaução, mas essa suposta dúvida sobre a responsabilidade humana sobre a mudança climática não é sincera. São pessoas interessadas no ramo do petróleo e gás, são professores que não querem sair da sua zona de conforto de suas pesquisas, porque admitir a teoria do aquecimento global mudaria tudo.
Maria Fernanda: É verdade. A aceitação da teoria joga por terra uma série de métodos, e muitos cientistas teriam que se desdobrar para adaptar suas pesquisas.
Deborah: Eu acho impressionante como ainda se fala pouco sobre esses assuntos nas universidades. E tudo vai piorando muito rápido. A Antártica não ia derreter tão cedo, agora já estão dizendo que é irreversível.
Maria Fernanda: O mar que ia subir um centímetro e meio em 50 anos já subiu em alguns lugares.
Deborah: Essa coisa da incerteza que a Maria Fernanda falou é importante. Nós, como universidade, temos que incorporar isso e contribuir para melhorar as coisas. Nós cientistas temos que incorporar isso nas nossas reflexões...
Maria Fernanda: E começar a construir o futuro, já que o presente já está construído.
Deborah: É, nós temos que deixar algum legado.
Maria Fernanda: Isso, formar pessoas que vão estar no mercado.
Jornal da PUC: Vocês falaram do discurso de Trump, segundo o qual os acordos climáticos são uma tentativa de frear a retomada da grandiosidade dos Estados Unidos, assim como líderes de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento também se dizem vítimas disso. Muito se fala de um potencial de liderança que não é exercido pelo Brasil nesse debate. Como vocês veem a participação do Brasil na agenda ambiental do mundo? Está realmente muito aquém do que poderia?
Maria Fernanda: O Brasil é muito relevante, por essa riqueza que nos foi dada de presente.
Deborah: O problema é que essa riqueza tem limite, e o Brasil a está usando como se não houvesse esse limite. A conta está chegando.
Maria Fernanda: O problema é o modelo de desenvolvimento. O Brasil continua reproduzindo um modelo de desenvolvimento...
Deborah: Continua devastando a Amazônia. Enquanto Brasília estava pegando fogo, o presidente Temer estava passando medida provisória para liberar terras da Amazônia. Desastroso.
Maria Fernanda: Como um país com as riquezas do Brasil poderia dar exemplo se está fazendo o que está fazendo na Amazônia ou no campo da exploração de petróleo? É líder de quê? De mau exemplo, só se for. É como eu vejo.
Jornal da PUC: Muitos agentes políticos do Brasil dizem que os países desenvolvidos já enriqueceram com seus recursos naturais e que seria injusto exigir dos países em desenvolvimento a preservação dessas reservas sem algum auxílio dos países desenvolvidos.
Maria Fernanda: Isso é coitadismo. É por isso que nenhum acordo internacional vai para frente. É preciso deixar essa discussão sobre de quem é a culpa. Tem que parar com essa história de “você poluiu primeiro, agora vem cá e paga minha adaptação”. Estamos todos no mesmo barco. O clima é completamente global.
Deborah: É há todo um discurso que exige dos países desenvolvidos essa compensação, como se eles tivessem que pagar aos outros países pelos déficits econômicos que uma agenda ambiental causaria. Mas concordo com a Fernanda, isso só atrapalha.
Jornal da PUC: Mas qual seria o caminho para isso? Porque muitos países têm na exploração do meio ambiente uma fonte de riqueza bastante considerável...
Maria Fernanda: No caso dos países menos ricos, o caminho passa por aumentar a capacidade adaptativa, que significa investir em capital social e humano, ou seja, educação, fortalecimento das redes sociais, dar voz e legitimidade às diferentes representações. E fazer investimentos físicos, porque não dá para focar imaginando que os [países] ricos pagarão a conta quando o mar subir, o esgoto começar a voltar pela casa de quem mora na praia. Não dá para fazer como a Holanda, que construiu um dique bilionário. Dá, sim, para parar de expandir as cidades para a costa; dá para mudar a legislação.
Deborah: Dá para deixar a floresta em pé, dá para incentivar a pequena agricultura familiar, que é responsável por colocar a comida na mesa das pessoas.
Maria Fernanda: Para isso, só é preciso uma gestão responsável.
Deborah: Mas desde o governo Lula até o Temer, principalmente o Temer, a agroindústria, que usa poluentes e agrotóxicos, foi privilegiada. Os trabalhadores rurais se envenenam, essa agroindústria desmata. É tudo de ruim.
Maria Fernanda: Não seria leviano dizer que não temos uma gestão que assuma a responsabilidade por um desenvolvimento sustentável. É óbvio que não. Do município até o mundo, isso não existe.
Deborah: E existe uma ideia de que o Brasil preserva suas florestas, que prioriza energias limpas, o que é mentira, porque as hidrelétricas liberam metano, além de derrubar a mata e dizimar populações ribeirinhas e indígenas. É para produzir energia para grandes indústrias poluentes.
Maria Fernanda: É uma propaganda esverdeada. A energia é hidrelétrica, mas é preciso discutir a matriz energética, que não é limpa, como muita gente pensa.
Deborah: E agora com a Lava-Jato nós já sabemos por que se constrói tanta hidrelétrica no Brasil: é para ter obra para essas grandes empresas. Com a Lava-Jato nós sabemos a quem interessa esse modelo de desenvolvimento de aumento do PIB, que devasta as florestas para criar gado. Então é preciso uma mudança na matriz econômica brasileira, hoje basicamente agrária, para que se produzam itens sem a necessidade de uma exploração tão intensa de recursos naturais.
Maria Fernanda: É preciso um tipo de planejamento que só virá a partir de uma tomada de consciência. As pessoas precisam entender, por exemplo, que não pode mais construir nada na beira do rio. Isso só vem com educação. Os riscos da mudança climática precisam chegar ao conhecimento das pessoas, para elas se prevenirem.
Deborah: É preciso incentivar certas iniciativas também. Por que não estimular a agricultura orgânica em detrimento da dos transgênicos? Incentivo financeiro mesmo, programas do governo.
Jornal da PUC: A balança comercial brasileira é sustentada, hoje, pelo agronegócio. Se o setor não fosse tão produtivo, o Brasil seria pobre. Ou seja, não é preciso mudar a matriz econômica, para que o Brasil possa ser sustentável e economicamente próspero ao mesmo tempo?
Deborah: Sim, mas para isso é preciso incentivar a agricultura familiar.
Maria Fernanda: Para mim, as prioridades são diminuir a desigualdade, proteger o que sobrou dos biomas e refletir sobre o nosso modelo de desenvolvimento. Isso passa pela responsabilização de cada nível de governo. Tem que mudar todo o planejamento e investir na educação.
Jornal da PUC: Um estudo do pesquisador Bernardo Strassburg prevê a extinção do Cerrado em 30 anos se nada for feito. É possível evitar que essa previsão se concretize, ou ela ocorrerá inevitavelmente?
Deborah: Bom, são muitas incertezas do que vai acontecer, não só com relação ao Cerrado, mas com relação à Amazônia, que em mais tempo pode virar uma savana. Eu sou muito pessimista... Também tem os casos das geleiras que abastecem de água vários países da América do Sul, da Ásia, e da Europa, e podem acabar. São milhões e milhões de pessoas que dependem dessa água sazonal.
Maria Fernanda: Nós não vamos resolver esse problema do Cerrado a tempo, porque não há cooperação entre os governos de esferas diferentes em nenhuma escala. Isso não quer dizer que não seja preciso fazer o que for possível, individualmente ou nas universidades, para mudar esse padrão.
Deborah: Eu concordo. Aumentar dois graus é uma coisa, aumentar três é outra; se aumentar quatro nós talvez não tenhamos mais essa civilização com a qual estamos acostumados; e se aumentar seis, aí pode dizer adeus. Então, qualquer coisa que a gente fizer ajuda. Tem que fazer tudo que for possível.
Maria Fernanda: Não é para jogar a toalha.
Deborah: O Cerrado me parece realmente um caso perdido, mas a Amazônia também está condenada. Nos últimos cinco anos houve secas imensas, que costumavam acontecer a cada 100 anos. Esses fenômenos são cada vez mais fortes e frequentes. Se aumentar o período de seca, aquele tipo de vegetação não sobrevive. E a Amazônia regula o clima do mundo todo. E se chegar uma seca mais rigorosa a uma cidade como São Paulo?
Maria Fernanda: O retorno do esgoto para tudo que é lado, a ampliação das favelas... Quem mora na favela é que vai ser desabrigado ou morrer quando eventos climáticos ocorrerem com mais frequência, em decorrência das mudanças climáticas. Então, está tudo no mesmo pacote. Esse modelo de desenvolvimento que devasta a Amazônia é o mesmo que amplia as favelas. O social, o econômico e o ambiental: todos juntos. É preciso aumentar nossa capacidade de nos adaptar às novas condições, e isso pode ser feito aos poucos. Um pouco em casa, um pouco na universidade.
Deborah: Educação é importante, porque faltam informações às pessoas, mas elas sabem muitas coisas também. Existem várias tecnologias tradicionais, gente que inventa suas soluções. As pessoas que moram na favela, os índios têm muito a nos ensinar, então preciso parar de barrá-los nessas discussões.
Maria Fernanda: Deixar essas pessoas à margem é perverso: os acordos perdem em legitimidade, por não serem respaldados por grupos populares, e deixamos de aprender muitas coisas. A prioridade é acabar com a exclusão e a desigualdade. Combater esses males é um dos meios de solucionar os problemas ambientais.
Deborah: É fundamental entender que essa maneira de se viver não é mais viável. Não tem como dar certo uma sociedade que vive como nós vivemos. Na encíclica o Papa Francisco põe como prioridades acabar com a pobreza e preservar os ecossistemas, e equipara as causas desses dois fenômenos. Por isso, não é possível dissociar uma coisa da outra, porque quem mais vai sofrer com os efeitos da mudança climática serão os pobres.
Maria Fernanda: a agricultura não pode ser só fora dos centros urbanos, tem que ser dentro também. A pobreza hoje está concentrada nas cidades, e forma bolsões de vulnerabilidade social.
Jornal da PUC: Que medidas podem ser tomadas para combater a pobreza e os problemas ambientais nas cidades?
Maria Fernanda: Como urbanista, eu seria muito mais feliz se visse meus governantes investindo em transporte coletivo de qualidade. E tem que levar em conta as mudanças ambientais. O metrô de Nova York não era seguro no furacão Sandy. Se tivesse alguém lá embaixo morria. Derrubar a Perimetral, horrorosa, mas funcional, para construir mergulhão na Praça Mauá – que é bonito, mas vai encher quando chover e está perto do mar – é de morrer. A reforma da área portuária também é um desserviço. Se chover o mergulhão vai alagar, como já alagou. Além disso, o nível do mar vai aumentar e vai comprometer aquela área. As linhas de transporte têm que ser feitas em áreas seguras.
Deborah: O Museu do Amanhã vai ser a primeira área a ser alagada. Eles não pensaram nisso?
Maria Fernanda: Acho que não. Entendo a importância de ter um museu como esse para uma cidade, mas não no Rio, porque temos outras prioridades no planejamento urbano. A menção a um projeto de habitação no Centro já desencadeou conflito desde o início, e mesmo assim as pessoas foram tiradas de onde moravam. As decisões não tiveram muita participação. E fizeram o Museu do Amanhã, que é lindo e superinteressante, mas sucateamos vários outros museus e bibliotecas públicas da cidade, inclusive a Biblioteca Nacional. Ninguém vai dizer não a um equipamento cultural como o Museu do Amanhã, mas por que não se pegou um décimo desse dinheiro e se investiu numa reforma na Biblioteca Nacional, por exemplo? Eu acho um equívoco grosseiro em termos de planejamento urbano. O principal a se fazer nas cidades é combater os bolsões de pobreza e as distâncias. No Rio, uma pessoa sai do Morro do Alemão para trabalhar na Zona Sul.
Deborah: É preciso repensar a vida da cidade. Revitalizar o Centro, por exemplo, construir moradias lá, para as pessoas morarem mais perto do trabalho. Todo esse movimento dos grandes eventos tirou pessoas dos lugares onde moravam. Essas obras serviram às empreiteiras.
Jornal da PUC: A revitalização da Zona Portuária não contribui para atrair mais pessoas para morar lá?
Maria Fernanda: Poderia ter sido, mas não foi. Agora se começou a falar sobre isso. Isso saiu da pauta e agora, fizeram o que tinha que ser feito e agora voltou a se falar sobre isso. Mas esse deveria ser um projeto desde o início.
Deborah: A participação popular seria importante, e isso não existe. Esses projetos mirabolantes caem de cima e ninguém pode dizer nada. Não existe nem a tentativa de estimular um pensamento crítico da sociedade civil sobre a própria cidade. As pessoas conhecem a região onde vivem melhor do que o prefeito e o secretário no seu helicóptero, pensando em soluções bonitas e de marketing.