Uma carta inédita do Papa Francisco foi lida durante a abertura do II Congresso Internacional Laudato Si’ e Grandes Cidades, na Arquidiocese do Rio, quinta-feira 13, destacando a importância de três Rs – o respeito, a responsabilidade e a relação – para a convivência harmoniosa com o planeta. No encontro, religiosos e pesquisadores do Brasil e do exterior demonstraram preocupação em relação à falta de envolvimento da população urbana – que representa 52% da população mundial – nas questões ambientais.
“Não podemos ficar com os braços cruzados, quando advertimos uma grave diminuição da qualidade do ar ou o aumento da produção de resíduos que não são adequadamente tratados. Essas realidades são consequência de uma forma irresponsável de manipular a criação e nos chamam a exercer uma responsabilidade ativa para o bem de todos. Além disso, comprovamos uma indiferença diante da nossa casa comum e, lamentavelmente, diante de tantas tragédias e necessidades que golpeiam a nossos irmãos e irmãs. Essa passividade demostra a ‘perda daquele sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes sobre a qual se funda toda a sociedade civil’ (Laudato Si’, 25). Cada território e governo deveria incentivar modos de atuar responsáveis em seus cidadãos para que, com criatividade, possam atuar e favorecer a criação de uma casa mais habitável e mais saudável. Colocando cada um o pouco que lhe corresponde em sua responsabilidade, se estará ganhando muito”, escreveu o Papa.
O Reitor da PUC-Rio, padre Josafá Carlos de Siqueira, destacou que a encíclica Laudato Si’ é um chamamento a uma visão mais sistêmica da realidade, “em que as questões ambientais tocam nas questões sociais”:
– A encíclica chama isso de ecologia integrada. Temos que procurar mecanismos para superar os problemas, não só a partir de grandes ideias, mas também de coisas simples. Por exemplo, quem não pode reduzir gastos de energia? Apagar as luzes, desligar o ar-condicionado? Pode-se reciclar o lixo, dar carona às pessoas, plantar árvores. São gestos simples que, na sua pequenez, trazem consigo um potencial muito grande de mudança. Não podemos deixar as gerações futuras num mundo pior, é uma responsabilidade que nós temos. Se conseguirmos levar isso a sério, vamos revertendo as situações com atitudes simples que todos nós podemos fazer.
O Reitor da PUC ainda destacou o papel da universidade como agente no meio urbano:
– A universidade exerce um papel de pesquisa, reflexão e mediação entre a ciência e a cultura. A PUC tem divulgado a encíclica Laudato Si’, elaborou uma agenda ambiental, e existem muitos projetos na área socioambiental. Mas podemos fazer ainda mais – ponderou o Reitor.
O arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta, manifestou uma visão semelhante:
– As grandes cidades são formadas por pessoas e, sem que elas tomem consciência, as coisas não mudam. O que a conferência está fazendo é chamar atenção para o que acontece no mundo de hoje e para a responsabilidade de cada um.
Dom Orani acredita que as nações mais proeminentes no mundo precisam ser exemplos melhores de cuidado com o meio ambiente:
– Parece que sempre há um momento em que a ambição financeira fala mais alto. As questões econômicas estão cada vez mais superando a preocupação com o clima mundial. Eu creio que as nações maiores e que mais poluem têm maior responsabilidade quanto a isso. Os Estados Unidos têm que ser um exemplo melhor do que tem sido em relação à preservação do planeta.
O cardeal Lluís Martinez Sistach, arcebispo emérito de Barcelona e presidente da Fundação Antoni Gaudi para Grandes Cidades, que organiza o encontro, alertou para as consequências da saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris:
– A saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris terá consequências nefastas para o planeta; esse acordo foi o único que conseguiu de alguma forma conter os estragos que o homem faz ao planeta diariamente. As pessoas precisam saber que ser indiferentes a esses problemas agrava a situação.
De acordo com o cardeal Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo, “o acordo de Paris não salvou o mundo, mas salvou a possibilidade de salvá-lo”. Ele considera essencial que a sociedade civil se organize para pressionar os governos a se manterem nesse tipo de acordo.
– A mídia precisa dar mais destaque às questões ambientais; a Igreja reconhece que a sociedade civil tem um papel importante a cumprir pelo planeta e sempre de forma democrática e organizada, deve cobrar dos governos que tomem medidas de preservação e remediação do meio ambiente. É um debate que precisa estar mais presente.
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Para o presidente da Agência Nacional de Águas, Vicente Andreu Guillo, há um distanciamento das cidades em relação à questão ambiental.
– A população urbana não estava presente, por exemplo, na discussão sobre o Novo Código Florestal. As mudanças no código acarretam na desproteção das margens dos rios, e não há uma cultura de preservação dos rios, muito menos das margens. A minha geração acreditou que os rios suportavam qualquer coisa. Mesmo hoje, com recentes crises hídricas em todo o Sudeste, a população urbana não percebe o quão alterado está o ecossistema.
O Novo Código Florestal acabou com a obrigatoriedade de recomposição de mata ao redor de olhos d’água nas áreas de preservação permanente (APPs) ocupadas por atividades rurais, consolidadas até 2008, e com a de recompor a vegetação nativa em propriedades de agricultura familiar e em áreas privadas que tenham entre quatro e 500 hectares em torno de rios com largura maior que 10 metros. Para Guillo, é grave que a população ainda veja a crise hídrica pela qual o país passa como algo esporádico e passageiro:
– Em 2010, a represa da Cantareira atingiu o nível mais alto em 70 anos. Em 2014, chegou ao menor nível em 39 anos. Isso mostra como esse ciclo [da água] está desregulado. Mas assim que voltou a chover e a situação retornou à aparente normalidade, as pessoas se esqueceram do problema, que é crônico e só vai acabar com medidas de precaução e segurança hídrica.
O presidente da ANA criticou ainda a Medida Provisória nº 759, que altera as regras da regularização fundiária rural e urbana no país, que chamou de retrocesso. A MP ficou conhecida como “MP da Grilagem” porque permite regularizar ocupações de até 2.500 hectares, mas não prioriza a demarcação de terras indígenas ou quilombolas: “A ausência de garantia da demarcação dessas terras é um retrocesso na legislação ambiental, porque leva à perda de áreas de preservação na Amazônia”.