Apresentada pelo Papa Francisco em 2015, a encíclica Laudato si foi escrita não só para os católicos, mas para todas as religiões. O caráter integrador e universal reforça o diálogo inter-religioso e a conjugação entre a doutrina e a vida cotidiana. Assim, tende a favorecer aplicações práticas para melhorar as condições socioambientais, acreditam especialistas reunidos, quinta-feira passada, numa das mesas do II Congresso Internacional Laudato Si e Grandes Cidades, no auditório do Edifício João Paulo II, Zona Sul do Rio.
Para os participantes do encontro, organizado pela Fundação Antonio Gaudi com o apoio da Arquidiocese do Rio, a Laudato si equivaleria a uma bússola, com diretrizes para conter ameaças ao meio ambiente, como o consumismo e o uso irresponsável dos recursos naturais. “Os conceitos transmitidos nessa encíclica formam uma agenda permanente para o presente e para o futuro”, observa o jornalista e professor da PUC-Rio Miguel Serpa Pereira, mediador do debate.
– Um dos maiores problemas que temos é olhar as ações humanas apenas pela crítica, mas não construtiva. A consciência que vamos desenvolvendo é fundamental para construir o mundo ecologicamente. Não somos os interventores, somos apenas indicadores de caminhos e possibilidades em relação ao planeta em que vivemos. Há o eu, o outro e o meio ambiente, as três coisas se ligam intrinsicamente – acrescenta Pereira, também coordenador do Comunicar.
O diálogo inter-religioso torna-se, portanto, um dos propulsores para o desenvolvimento de comprimissos e práticas socioambientais. Assim destacou o rabino argentino Abraham Skorka, um dos integrantes do debate, a quem o Papa Francisco chama de "irmão". Sorka lembrou o pensador espanhol José Ortega y Gasset para explicar o que considera o principal obstáculo à "conquista da vida fraterna e ecológica":
– A deformação espiritual, que resulta da convivência de grandes conglomerados humanos, é o eixo no qual o pensador espanhol José Ortega y Gasset desenvolveu sua crítica em A rebelião das massas (1929). A desumanização, ao lado da depredação da natureza, é uma constante na história das grandes cidades.
O desafio mundial de revestir de humanização as metrópoles e a expansão urbana exige, entre outros esforços, a abertura ao diálogo entre representantes de diferentes credos, ideologias, doutrinas políticas, correntes econômicas. Reiterado com frequência pelo Papa Francisco, o apelo ao diálogo não significa fragilizar identidades, ponderou o arcebispo do Rio de Janeiro, o cardeal Orani João Tempesta. "Olhar para o próximo", ressaltou Dom Orani, é um dos segredos para construir uma sociedade mais justa, humana, fraterna:
– Sem perder a nossa identidade, temos um diálogo muito bonito com os outros cristãos, com as outras religiões não cristãs e com quem não tem religião. É uma missão nossa, como Igreja, de passar aquilo que Cristo nos ensinou. Temos uma grande responsabilidade de nos relacionarmos com o próximo para trabalharmos melhor na sociedade.
Os representantes de diversas religiões que participaram do congresso convergiram sobre a importância de cultivar o diálogo também como uma vacina contra o fanatismo. Ao valorizar o debate e a reflexão profunda, a encíclica Laudato si alinha-se com uma visão de mundo integradora, fraterna. Assim é observado, por exemplo, nas conversas promovidas pelo Papa Francisco em diversos fóruns. Para o líder islâmico argentino Omar Abboud, é essencial manter o coração imune ao fanatismo, pois "no homem fanático, a energia da fé e do amor se transforma em rancor". Embora não tenha podido participar do encontro, ele alinhou-se, em carta, aos apelos humanistas: "Deus não muda o destino das pessoas se as pessoas não mudam o que tem no coração".
A aplicação da Laudato si supõe diversas outras frentes além do diálogo inter-religioso. Tanto em universidades, por exemplo, quanto em segmentos do mercado, salientaram os reitores universitários que integraram a mesa redonda sobre a encíclica papal, no sábado passado, que encerrou o congresso. Participaram do debate os reitores da PUC-Rio, Josafá Carlos de Siqueira, S.J.; da Universidade Católica da Costa Rica, Fernandes Felipe Sánchez Campos; e do Ateneu Universitário Sant Paciá, em Barcelona, Armand Puig Tárrech.
Para Sánchez, os compromissos socioambientais e humanistas precisam ser adotados de forma efetiva por indústrias como o turismo e o agronegócio. Ele acredita que o engajamento do empresariado seja facilitado por iniciativas que premiam procedimentos ecológicos. Caso, por exemplo, do programa Bandeira Azul Ecológica, criado na univeridade costa-riquenha: um selo anual recompensa o esforço em conciliar presenvação ambiental e desenvolvimento econômico. É concedido mediante práticas associadas à proteção dos recursos naturais, ao combate ao aquecimento global, à busca de melhores condições sanitárias naquele país.
Ainda de acordo com o reitor da Universidade Católica da Costa Rica, o programa deve ser ampliado neste ano. Passará a contemplar paróquias, universidades católicas e outras instituições do país.
Padre Josafá destacou também o papel crucial da academia no desenvolvimento e na aplicação de medidas para a preservação do meio ambiente. A muldisciplinaridade, reforçou ele, mostra-se fundamental para "unir os saberes em torno de soluções socioambientais". O reitor da PUC-Rio salientou, ainda, a importante de os gestores universitários amadurecerem uma agenda ambiental comum:
– A academia é o melhor lugar para estudar esses problemas, por estarem ali reunidos diversos conhecimentos que, juntos, constroem soluções.
Já Tárrech lembrou o papel importante do meio ambiente para "a construção espiritual de diversas crenças". Pois no mundo, “extensão da beleza de Deus, o homem precisa da natureza e vice-versa".