“O grande valor da modernidade é a ideia da juventude”. Assim a professora Cláudia Pereira, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC-Rio, resume o fio condutor de Culturas, consumo e representações midiáticas da juventude (Editora Attis). Organizado pela pesquisadora, o livro reúne 11 textos de alunos e ex-alunos da pós e será lançado nesta segunda-feira (21), às 19h, na Livraria Timbre do Shopping da Gávea. Publicitária de formação, com mestrado e doutorado em antropologia, Cláudia Pereira dedica-se, há mais de uma década, a pesquisas sobre juventude, em especial a representação dos jovens na mídia. Em entrevista ao Jornal da PUC, ela ressalta que a publicação, comemorativa dos "11 anos de casa", pretende contribuir para "uma reflexão mais densa" sobre temas como gênero, corpo, espacialidades e lugares, subculturas e sociabilidades.
Pano de fundo para as pesquisas reunidas no livro, a perspectiva de juventude relacionada à construção social e à publicidade decorre do conceito formado depois das duas guerras mundiais, quando emerge uma geração que não acredita mais nas gerações anteriores, observa a especialista. Com a ajuda dos meios de comunicação de massa, acrescenta Cláudia, a ideia do jovem como um agente social ganha força. "O jovem assume um protagonismo social. Hoje, ser jovem é valor central em nossa sociedade. Todos querem ser jovens. Velhos, adultos e crianças. Surge uma construção social, vista na publicidade, em que ser jovem é sinônimo de êxito. Ainda que a publicidade não seja dirigida aos jovens, há uma ideia juvenil por trás”, destaca.
Jornal da PUC – Como surgiu a ideia do livro?
Cláudia Pereira – Completo 11 anos de PUC-Rio em agosto. A ideia era que o livro saísse no ano passado, para comemorar os dez anos de casa, mas acabou demorando. Já tinha uma série de orientações de mestrado e de doutorado concluídas e resolvi convidar alguns alunos que já orientei para participarem do livro. Reuni estes trabalhos porque me dedico, há mais de 10 anos, a pesquisas sobre representações da juventude na mídia. Todos os 12 autores dos 11 textos foram meus orientandos. Os artigos mostram como o jovem está inserido nas questões culturais, políticas, de lazer, de tecnologia. Nos últimos anos, centrou-se muito na imagem do “jovem millenium”, mas existem vários tipos de juventude. As pessoas vivenciam esta fase da vida de forma muito diferente. Os artigos refletem bem essa diversidade, essa pluralidade na forma de se expressar dos jovens.
Quais as principais contribuições do livro?
Cláudia Pereira – O livro dá visibilidade a novas pesquisas, feitas com um olhar plural para os jovens. As pesquisas buscam entender diferentes práticas juvenis, em diferentes contextos, reforçando a ideia de juventude como uma construção social. Também buscam entender como a mídia contribui para tal construção. Há uma preocupação (nas pesquisas) em mostrar como a juventude não é uma só. Pelo contrário, é muito diversa e está se expressando de formas diferentes. Todos os trabalhos (do livro), de maneira geral, associam a relação da juventude com práticas de comunicação e de sociabilidade, e tentam fazer um retrato do que está acontecendo hoje. Há questões como selfie na publicidade e o novo gosto do jovem pela literatura, responsável pelo sucesso de escritoras como Thalita Rebouças e Paula Pimenta. Outros temas remetem aos hipsters, que têm aparecido bastante em trabalhos acadêmicos e na publicidade, à relação entre publicidade e clipes musicais e aos usos do Rio feitos pelos jovens no período dos megaeventos, como Copa e Olimpíada, na cidade. Há, ainda, estudos sobre a cena K-pop no Rio, jovens que se reúnem para ouvir música coreana ou usar camiseta do Ramones sem sequer conhecer a banda, e a prática da amizade com as novas tecnologias. O livro traz trabalhos que olham para os jovens nas práticas de comunicação, seja na cidade ou na internet.
Apesar dessas, digamos, "diferentes juventudes", pode-se dizer que alguns traços dos jovens se mantêm ao longo do tempo?
Cláudia Pereira – Sim, com certeza. Defendo muito esta ideia. Os jovens têm muitas continuidades das gerações anteriores. Por exemplo, fala-se muito que o jovem de hoje faz tudo ao mesmo tempo, por estar conectado. Mas o jovem faz muitas coisas ao mesmo tempo porque tem muita informação à disposição e quer “abraçar o mundo de uma vez só”. Mas, quando eu era jovem, por exemplo, também fazia várias coisas ao mesmo tempo. Podia estudar matemática, ouvir música e falar ao telefone, com a televisão ligada. O que eu não tinha era um smartphone. Existem muitas características que são construídas culturalmente, como a ideia de juventude e as práticas juvenis. A juventude é uma construção. Há sociedades em que não existe a adolescência. Hoje mesmo, ainda há lugares onde não existe juventude. Se visitarmos o Haiti, provavelmente a maior parte dos adolescentes ali não vivenciam o que nós chamamos de adolescência. Essa ideia construída de juventude ao longo do tempo vai se associando a outras ideias que não necessariamente são inerentes ao jovem, como a de que o “jovem deve mudar o mundo“. Isso foi inventado em algum momento e fomos acreditando nisso. Esta ideia é vendida nas nossas conversas, na publicidade. Decidi, então, me debruçar na publicidade para entender a ideia de juventude. A associação entre juventude e mudança do mundo acontece no início do século XX. Antes disso, não havia essa articulação, hoje normal. Tenho ouvido muito que os jovens devem consertar o que foi feito de errado no mundo pelos mais velhos. Por que o jovem deve fazer isso?
É possível fazer um retrato da juventude de hoje?
Cláudia Pereira – Não sei dizer qual é o retrato da juventude porque ele é muito plural. Existem muitas continuidades, mas há também rupturas. A internet traz muita coisa nova, que vai fazer do jovem de hoje um jovem único ou um jovem que consegue estabelecer uma relação diferente com determinadas coisas. Por exemplo, uma coisa que assustou muito foram as Jornadas de Julho, em 2013, quando os jovens “saíram do Facebook e foram para a rua “. Ninguém entendeu nada, e surgiram vários discursos tentando deslegitimar essas manifestações. Afirmações do tipo “não há um líder, nem uma causa”. O que surgiu, na verdade, foi uma nova forma de manifestação e não uma nova forma de fazer política. Coisas que já eram feitas ganharam um novo formato, como os diários mantidos pelas meninas no início do século XX, que hoje ganharam a forma de selfie ou postagens nas mídias sociais. Um dos trabalhos fala da representação das periguetes nas novelas e mostra que já existiam as periguetes em outros tempos, com nomes diferentes como cocota ou perua.
O que esperar do jovem que, como se diz, ”já nasceu conectado”?
Cláudia Pereira – Ainda é pequeno o número de crianças que nascem neste ambiente, em especial no Brasil. Quando pensamos no jovem que “já nasceu conectado", sempre pensamos no jovem de classe média ou classe média alta, geralmente branco e ocidental. Neste caso, ele vai crescer em um ambiente que estimula novos sentidos. Mas, ao longo da vida dele, ainda vão ser encontradas várias continuidades de gerações anteriores. A adolescência é um momento em que se constrói laços de amizade, de afeto e de identidade. Chegado este momento, isso torna-se necessário porque vivemos em uma sociedade de consumo. O adolescente vai buscar recursos para construir sua identidade. Isso aconteceu comigo no final dos anos 1970, início dos anos 1980. Aconteceu com meus primos, com minhas filhas. A necessidade é a mesma. Mudam as formas e o contexto como isso será feito. O contexto muda, mas as necessidades são as mesmas.
Podemos delimitar uma faixa etária para falar de juventude?
Cláudia Pereira – Em razão de tudo isso, não se utiliza mais faixa etária para falar sobre jovens. Hoje há uma juventude estendida. A juventude virou um conceito publicitário. Todos queremos ser jovens. Há, por exemplo, um comercial de previdência privada dirigida a pessoas da terceira idade, no qual elas estão surfando, pulando de asa-delta, para viver uma velhice de forma jovem. A mensagem é essa. Tudo está relacionado a uma cultura juvenil. É óbvio que, em nossas pesquisas, podemos fazer um recorte etário. Também existe uma convenção da Organização Mundial da Saúde (OMS) que define o que é jovem e o que é adolescente. Mas, hoje, falar em juventude é falar muito mais em um estilo de vida do que de uma faixa etária.