O fundador da African University College of Communication (AUCC) e também do Museu da Herança Pan-Africana no Mundo, Kojo Yankah, esteve no campus Gávea para mais uma palestra do encontro Áfricas & Brasis: Heranças e Intercâmbios. Na conferência, foi apresentado o projeto do museu, que está em construção em Winneba, na costa sul de Gana. A embaixadora do país no Brasil, a professora Abena Pokua Adompim Busia, é uma das integrantes do conselho do museu e também participou do debate. O encontro foi realizado no Auditório Padre Anchieta, na manhã do dia 17 de maio, oito dias antes da comemoração do Dia Mundial da África.
Em suas falas, Kojo e Busia ressaltaram as contribuições da África para uma identidade global e destacaram a importância da reunião dos descendentes do continente africano entre si e com a cultura que eles exportaram para o mundo. Na mesma ocasião, a PUC-Rio e a African University College of Communication trocaram cartas de intenção, que formalizam a parceria entre as instituições.
Em 1993, o governo militar do Gana foi substituído pela Quarta República. Sete anos depois, o ex-membro do Parlamento de Gana e então ministro do governo Rawling, Kojo Yankah, percebeu uma lacuna na mídia local. Segundo ele, na virada do século existiam apenas 12 estações de rádio no país, e naquela nova fase da política nacional havia uma demanda por jornalistas e comunicadores, cujo trabalho seria essencial para o futuro da democracia. Foi o começo do African Institute of Journalism and Communications, atual AUCC, que no início tinha apenas 60 alunos, mas hoje forma cerca de 1.500 pessoas. Yankah ficou 15 anos na presidência da instituição, mas deixou o cargo em 2021 para buscar outros caminhos.
Antes de se dedicar ao projeto do Museu da Herança Pan-Africana no Mundo, o político ganês ocupou durante uma década a cadeira de presidente do The Pan-African Historical Theatre Festival (PANAFEST). O festival de teatro bienal reúne artistas de todo o continente africano e, ao longo da existência, já recebeu brasileiros, estadunidenses e caribenhos. Para Kojo, o evento é uma oportunidade que vai além da expressão artística, pois é um investimento na criação de identidade entre pessoas de ascendência africana. E a experiência no PANAFEST ajudou na elaboração do projeto do museu e contribuiu para uma definição clara dos propósitos da instituição.
— Aprendi uma importante lição: a gente ainda não se conhece o suficiente. Depois de 400 anos fora da África, é normal que as pessoas percam as identidades, sobrenomes e heranças. Se você perdeu o contato com os seus ancestrais há séculos, você naturalmente vai precisar de tempo para voltar a se familiarizar com eles. A gente sente que pertence a uma história do passado, e é difícil se relacionar com isto. Precisamos nos conhecer melhor. A ideia por trás do museu é ser um lugar de memória, feito para as pessoas que querem imergir na cultura africana.
Nascida em Gana, a embaixadora Abena Busia considera a diáspora não apenas seu objeto de estudo, mas também uma vivência pessoal. Antes de viver na América do Norte durante 40 anos, passou a juventude em países como Holanda, México e Inglaterra. Atualmente, é professora associada na Rutgers University, nos Estados Unidos, e preside o conselho do Fundo de Desenvolvimento das Mulheres Africanas-EUA. Ela também faz parte do conselho do museu, e vê o projeto como uma oportunidade para que a perspectiva africana assuma a narrativa da própria história.
— Um dos motivos principais para a criação do Museu da Herança Pan-Africana no Mundo é unir esforços na restauração do papel que a África teve na construção da civilização mundial. Depois de 500 anos, a chegada dos portugueses ainda projeta uma sombra sobre todos os aspectos da vida africana. Criaram uma ideia racializada de África, que contamina desde esferas naturais e culturais, até noções sobre o povo, seja onde estiverem os descendentes no mundo. A oportunidade que este museu traz para a gente é contar a nossa história como pessoas de descendência africana, e, desta perspectiva, mostrar a força do que nos une: o triunfo extraordinário da nossa sobrevivência.
A organização do encontro foi uma parceria entre o Laboratório de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares sobre o Continente Africano e as Áfro-Diásporas (LEPECAD) e os departamentos de Comunicação, Letras e Serviço Social, o Instituto de Relações Internacionais (IRI) e o Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente (Nirema). Além dos palestrantes, participaram do debate o Reitor da PUC-Rio, Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J, a coordenadora do LEPECAD, professora Aza Njeri, e o co-coordenador do LEPECAD, professor Alexandre Santos.
O Reitor da PUC-Rio, Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J., refletiu sobre a importância do tema e discorreu sobre o papel da Universidade como um espaço de liberdade. Ele acredita que o caminho para o crescimento da sociedade deve ser trilhado a partir de uma postura universal, aberta, acolhedora e “verdadeiramente católica”.
– Nós precisamos pensar as religiões na sua função de trazer a paz. Nesse sentido, a PUC-Rio se compromete a abrir espaço para as religiões, especialmente as de matriz africana. Já desenvolvemos programas contra o racismo, com ênfase na diversidade, e vamos também trabalhar no programa das religiões de matriz africana, para que todos se sintam realmente acolhidos.
Museu da Herança Pan-Africana
O Museu da Herança Pan-Africana vai ficar na parte central do campus da African University College of Communications, que será transferida para uma localidade próxima. Com tamanho equivalente a oito campos de futebol americano, a área vai abrigar o Palácio de Reinos Africanos, o Parque de Heróis e Heroínas Africanas, a Biblioteca Pan-Africana e o Centro Hall da Fama, além de um centro de inovação, uma biblioteca infantil, uma vila com chalés, um centro de convenções e o edifício de cinco andares, projetado pelo arquiteto nigeriano James Inedu-George. Para os interessados, é possível fazer uma visita virtual guiada, disponível em sete idiomas no site.
O formato no topo é inspirado pelo chifre, instrumento musical tipicamente usado em cerimônias religiosas de diversas culturas e símbolo de “grande força e humildade” na tradição africana. Ele representa o chamado à família pan-africana mundial, para a reconciliação e libertação. O presidente de Gana Nana Akufo-Addo é o patrono do empreendimento, que recebeu apoio da Comissão da União Africana, da Associação das Universidades Africanas, da UNESCO, do Conselho da Cooperação Sul-Sul e do governo de Gana.
Parceria entre universidades
A troca de cartas de intenção entre a PUC-Rio e a AUCC representa uma nova fase para as duas instituições. A partir deste convênio, abrem-se portas para uma relação de colaboração contínua entre as universidades. O objetivo é estreitar laços e incentivar visitas entre os campi, encontros entre as comunidades, aulas conjuntas, estudo de literaturas em comum.