Elos entre África e Brasil
25/07/2023 16:18
Henrique Barbi e Luzi Alves

Nobel de literatura participa de bate-papo na PUC-Rio

Wole Soyinka durante o bate papo. Foto: Caio Matheus.

Auditório de pé, longos aplausos: um momento de reverência a Wole Soyinka, primeiro africano a receber o prêmio Nobel de Literatura. Como parte da programação “Áfricas & Brasis: Heranças e Intercâmbios”, encontro organizado pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares sobre o Continente Africano e as Áfro-Diásporas (Lepecad), o escritor nigeriano participou de um bate-papo na PUC-Rio, no dia 26 de maio. Na conversa, mediada pela professora Aza , do Departamento de Letras, Soyinka discursou sobre o caráter universal de sua literatura, a ligação entre o Brasil e a África, e a relação com o dramaturgo Abdias do Nascimento.

Coordenadora do Lepecad, a professora Aza afirmou que o momento era também uma forma de celebrar os 50 anos do Dia Mundial da África, comemorado em 25 de maio. De acordo com Aza, a ocasião permitia lembrar a diversidade e a riqueza das contribuições do continente, e de promover um exercício do olhar livre de preconceitos e estigmas.

— Enquanto professora e doutora em literaturas africanas, estar aqui é um exercício de fortalecimento do campo e das disciplinas dos estudos africanos e afrodiaspóricos. Nós entendemos como uma vitória para a nossa área termos a honra de receber, aqui na PUC, uma universidade católica, o filho de Ogum: professor, escritor, dramaturgo, poeta e ativista político, Wole Soyinka. Um cânone da literatura do continente africano.

Professora Aza Njeri discursou na abertura do encontro e mediou a conversa com Soyinka. Foto: Caio Matheus.

Autor de mais de 20 livros e de peças teatrais, Wole Soyinka recebeu o Nobel de Literatura em 1986 pela carreira dedicada a retratar a Nigéria. Entre os trabalhos mais célebres, se destacam as obras Os Intérpretes (1965), primeira publicação do escritor, Aké: os anos de infância (1981), que está entre os 12 melhores livros africanos do século XX, e a peça Death and the King’s Horseman (1976). Quando foi questionado sobre o que o Nobel representava para ele, um escritor contra-hegemônico, Soyinka afirmou que perdoava quem criou o prêmio da literatura, da mesma forma que pessoas contempladas com o Nobel conseguiram perdoar o inventor da dinamite. O Nobel foi fundado em 1900, pelo sueco Alfred Nobel, conhecido por dar origem a vários explosivos, entre eles a dinamite.

— A importância desse prêmio é que ele me permitiu construir a minha casa. Você realmente não sabe em que direção isso vai, e se sente até mais tranquilo para, sei lá, sentar em um café. Tem um certo peso, mas você consegue levar a vida.

No bate-papo, Wole Soyinka falou sobre as suas impressões sobre o Brasil. Ele disse que, a princípio, não entendia como era possível existir uma África fora da África, porque, quando conheceu o país, identificou que muitos autores brasileiros escreviam peças sobre divindades africanas. Ele contou que, pelo Brasil ser muito conhecido pelo Carnaval, pensou que encontraria pessoas sambando pela rua, e que o escritor e ex-senador Abdias do Nascimento teve que lhe convencer de que era realmente brasileiro.

Famoso por ser um ativista dos direitos civis e humanos dos negros no Brasil, Abdias conheceu Soyinka em 1976, durante um Seminário sobre Alternativas Africanas, em Senegal. No ano seguinte, o brasileiro voltou a se reunir com o africano no Colóquio do Segundo Festival Mundial de Arte e Cultura Negras, na Nigéria, para lançar o livro O genocídio do negro brasileiro. O prefácio da obra foi escrito por Soyinka.

— A nossa geração foi marcada por muitas lutas: anticoloniais, contra o progressismo, e o conservadorismo. É muito fácil dizer que alguns tópicos são naturalmente reacionários, que você não pode tocar neles porque não tem nada que não seja expandido como uma ideia reacionária. Mas nas mãos de alguém como Abdias do Nascimento, é possível usar isto para exorcizar o negro da sua mentalidade colonial. Temos uma questão que gira em torno de intenção, propósito, criatividade e capacidade. Porque uma pessoa que tenha esta capacidade pode pegar um tema épico, reacionário, e até conservador, e transformar ele numa arma legítima para a libertação da mente do povo colonizado.

O escritor nigeriano comentou a possibilidade de algum brasileiro receber o Nobel de literatura. Ele disse que, apesar de nunca saber o que os jurados da premiação pensam, é importante que os escritores do país continuem a escrever.

— Um dia alguém vai ver, neste Brasil, a enorme quantidade de literatura, poema e escritos que existem por aqui. E pode ser que aconteça, com certeza vai acontecer.

Em 2021, Soyinka lançou o livro Chronicles from the Land of the Happiest People on Earth, ainda não traduzido para o português. A obra é o terceiro romance do autor, que não escrevia algo do gênero desde 1973, pois, de acordo com ele, esta não é a sua área de atuação.

- Eu não sou um novelista, não me considero um romancista - afirmou.

O nigeriano disse que sempre faz questão de pedir desculpas aos “reais romancistas” quando decide explorar esta categoria. De acordo com o autor, o manuscrito trata de um padrão de corrupção espiritual, em que as pessoas perdem o vestígio de humanidade em prol de conquistas materiais. A obra é um relato da decadência que ele viu na própria sociedade.

Algumas publicações de Soyinka estavam disponíveis para venda. Foto: Caio Matheus.

O dramaturgo só consegue escrever quando está em total isolamento, é necessário se distanciar do ambiente sobre o qual escreve. E deixou esta dica aos escritores: se afastar para um lugar onde não haja interrupções ou distrações, porque a solidão é um estado quase perene do autor. Soyinka observou que é importante não fazer da linguagem um obstáculo. Segundo ele, não adianta buscar ser "chique" ou elegante ao tentar usar palavras mais bonitas se isto atrapalha o processo de criação.

Apesar de já ter escrito peças, Soyinka confessou que o teatro não o conquistou completamente. Para ele, o palco é um pouco limitante, não apenas em questão do espaço, mas também pela necessidade de apresentar algo mais dramático e conciso.

— Na forma literária, você pode ser muito mais expansivo. Em vez de ter um elenco enorme de 100, 150 pessoas, eu posso ter na minha cabeça um elenco de 10 mil, 100 mil pessoas. É um escopo que é infinitamente maior do que seria possível de comportar no teatro. Eu basicamente resolvi trabalhar e criar minha arte numa tela que é muito maior.

Soyinka foi questionado do porquê opta por escrever em inglês e não em sua língua materna. Ele afirmou que é mais uma questão prática, pois dentro do continente africano há muitas línguas, e é difícil escolher uma, sobretudo, porque há muitas lutas econômicas entre os territórios.

— Nós precisamos encontrar uma forma de nos comunicarmos, o problema é que a nossa mente está, muitas vezes, tão colonizada que nós não conseguimos. Achamos que, usando a língua do colonizador, estamos também nos sentindo superiores como ele.

O papel da literatura na reaproximação da África com os países afro-diaspóricos também foi abordado. Para Soyinka, a literatura deve olhar não somente para o que está próximo ou é familiar, ela precisa ir além. A curiosidade é um imperativo. Ele relatou que teve sorte em ter contato com autores imigrantes. Como eles tinham proximidade com os dois mundos, este fator foi importante para relacionar novamente a África e as diásporas, e tornar esta interação um caminho de duas vias. De acordo com o ativista, muitos têm uma visão equivocada sobre a África, por isso, é essencial que haja este contato, já que o ponto de vista individual do escritor é o que define o posicionamento da sua literatura.

— Nós tentamos trazer pessoas de todo o mundo. Não só pessoas negras ou das afro-diásporas, mas pessoas que tragam pontos de vista variados. É muito importante entender que, muitas vezes, as pessoas saem do seu “gueto” e têm uma certa iluminação. Eles vêem um mundo que pensavam ser tomado por violência e coisas negativas, e percebem que quase todos os lugares são tão perigosos quanto. É uma questão de percepção, por este motivo, as pessoas precisam vir e voltar quantas vezes for necessário, nada é melhor do que estimular essa troca.

Visão de fora

Para o Reitor, Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J., a presença de Soyinka representou uma oportunidade única de aprender com sua experiência e perspectivas enriquecedoras, e que a PUC-Rio se sentiu verdadeiramente privilegiada em recebê-lo. Ele também discursou sobre o momento de transformação da Universidade, e afirmou que é hora de passar do discurso à prática, com políticas de ações afirmativas no ambiente acadêmico. Ele ainda celebrou que “finalmente a África chegou à PUC”.

— Não adianta só falar contra o racismo, se não temos uma comissão que apure. Não adianta só falar de inclusão, precisamos ter mais professores negros. A PUC não está mudando, quem mudou foi o mundo. A PUC está se transformando. O nosso mundo não admite mais uma instituição que não tenha políticas anti-raciais, que não tenha o lugar da mulher e que não seja verdadeiramente inclusiva.

Com o mesmo olhar, o Vice-Reitor Geral da PUC-Rio, Padre André Luís Araújo, S.J., acredita que a Universidade seja um lugar próprio de enunciação, leitura e reescrita da história. Ele pontuou que encontros como o “Áfricas & Brasis: Heranças e Intercâmbios” ajudam a ampliar o debate cultural e o sentido de pertencimento, por meio do poder existencial e renovador das palavras. Enquanto professor do Departamento de Letras, Padre André acredita que Soyinka furou a bolha e estabeleceu um questionamento das leis que regem o prêmio Nobel.

Padre Anderson, Wole Soyinka e Padre André. Foto: Caio Matheus.

O presidente do Instituto Casa Herança de Oduduwa, Ajoyemi Osunleye, também marcou presença. Em discurso, antes do início da palestra, ele comoveu ao falar das origens da população negra no Brasil. Para o nigeriano, há muita beleza no povo brasileiro e espera que os brasileiros possam encontrar em si a África de novo, pois juntos podem descobrir o caminho para a liberdade e para a reconstrução do mundo.

— Vocês não são filhos de escravos, vocês são filhos dos reis e das rainhas da África. Sua jornada, sua vida não começou lá no barco da escravidão, foi além. A partir de hoje, com vocês, vamos construir uma vida bem melhor para o Brasil, um país sem racismo

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