Um momento de consciência em meio ao horror
28/07/2023 17:17
Sophia Marques

A edição de 2023 da Semana de Direitos Humanos trouxe o tema “todos os seres humanos, o ser humano todo” para debate.

Padre Paulo Veríssimo, S.J. e professor José Maria Gómez na mesa de abertura da SDH. Foto: Acervo PUC-Rio

Uma frase do Papa Francisco que destaca a importância da ação de cada indivíduo para o bem coletivo deu o tom da Francisco deu o tom na mesa de abertura da Semana de Direitos Humanos, na manhã do dia 19 de junho, no Espaço Dom Luciano Mendes. A SDH foi organizada pela Pastoral Universitária Anchieta em homenagem aos 75 anos da promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1948, e aos 10 anos de pontificado do Papa Francisco, tido como um defensor dos Direitos Humanos na Igreja Católica.

A mesa de abertura recebeu o Coordenador da Pastoral Universitária Padre Paulo Veríssimo, S.J, o professor Doutor José Maria Gómez, do Instituto de Relações Internacionais, além do Reitor da PUC-Rio, Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J. Os palestrantes abordaram o contexto que precedeu a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os atuais desafios na luta pela garantia destes. A programação da semana contou com palestras, exibição de filmes e curtas-metragens, peças teatrais, bate-papos, oficinas e celebrações.

Em mensagem divulgada em 2018, o Papa Francisco declarou que “cada um é chamado a colaborar com coragem e determinação, na especificidade de sua função, em prol do respeito dos direitos fundamentais de cada pessoa”. A afirmação do chefe da Igreja Católica serviu de inspiração para o tema da edição deste ano da Semana de Direitos Humanos, que foi “todos os seres humanos, o ser humano todo”. Segundo o Coordenador da Pastoral Universitária, isto representa o desejo de que todas as pessoas tenham as vidas e dignidades preservadas, e o anseio pela compreensão da totalidade do ser humano dentro deste ideário.

Padre Paulo acredita que a fé e a espiritualidade são características constitutivas de toda pessoa humana, e por isso precisam ser levadas em conta para se construir uma “cultura humanizante”. Ele destacou a importância da figura do ativista, e disse que Jesus foi um militante dos direitos humanos, que lutou pela causa da vida.

— Para defender os direitos humanos é preciso pensar na pessoa humana inteira. Por isso, não se deve relegar a dimensão da fé e da espiritualidade nessa perspectiva. Nesta semana, a Pastoral quer levantar a bandeira de um humanismo solidário, à luz dos ensinamentos que Papa Francisco propõe no mundo, uma vez que está tudo interligado. Uma Pastoral não pode se ausentar do campo de discussão sobre os direitos. A escolha de promover justiça socioambiental e humanismo solidário é, também, a base do compromisso cristão. Nós queremos levantar a voz e dizer: a vida seja cuidada.

Para Padre Paulo, S.J, Jesus foi um militante dos direitos humanos. Foto: Acervo PUC-Rio

Doutor em Ciências Políticas e Sociais e pós-doutor em Direito, o professor José Maria Gómez recapitulou o contexto histórico em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela Assembleia Geral da ONU, em 1948. Após os horrores da Segunda Guerra Mundial, pano de fundo para o Holocausto, diversos conflitos bélicos e do lançamento da bomba atômica sobre o Japão, o clima que pairava sobre o mundo era de descrença na humanidade. O professor, que integra o Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio, definiu o manifesto em prol da existência humana como um momento de consciência em meio ao horror, embora ele hoje considere que vivemos um agudo retrocesso na legitimidade dos Direitos Humanos no mundo inteiro.

Para ele, a referência jurídica, sozinha, não é uma garantia da efetividade destes direitos fundamentais, e por isso a figura do militante é primordial. Neste sentido, apontou, uma sociedade consciente e vigilante torna-se crucial: a cobrança coletiva confere segurança a estes atores públicos que, segundo o professor, sofrem violências, em grande parte, pela omissão e descredibilização pelo Estado. O caso do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, assassinados no Vale do Javari em junho de 2022 é um exemplo disto. Neste caso, o ex-presidente da FUNAI Marcelo Xavier, foi indiciado por homicídio qualificado e ocultação de cadáver, ao se omitir perante a violência que ameaçava os ambientalistas na região.

— Para se tornar efetivo um direito, a primeira condição é a consciência do que ele significa e do que há em jogo. Mas não significa que não seja necessário reconhecer sua forma jurídica, isto também é de fundamental importância. A luta por reconhecer um direito que ainda não está estabelecido implica uma mobilização de atores sociais que reivindicam direitos. Estar vigilante significa estar informado do que acontece em torno disso e, ao mesmo tempo, saber que essa ação tem que ser coletiva e organizada. É uma série de condições que permeiam a efetividade dos Direitos Humanos. A luta sempre foi o motor da conquista e do reconhecimento deles — declarou Gomez.

Professor José Gomés, do IRI, é doutor em Ciências Políticas e Sociais e pós-doutor em Direito. Foto: Acervo PUC-Rio

O Reitor, Padre Anderson, comentou que o século XX trouxe o entendimento de que falar sobre Direitos Humanos não é uma afronta a Deus, e que em momentos de sofrimento também pode-se encontrar a fé. Ele expressou satisfação em presenciar a atitude da Pastoral Universitária que, para ele, é uma tradição fundamental.

— Esta tradição foi uma escolha feita há alguns anos, que mantém um olhar sobre o humano e tem um compromisso com os direitos, não apenas para que sejam defendidos, mas desenvolvidos. Estamos em um momento da humanidade no qual, por outras vidas, nós podemos nos humanizar. Este caminho nos ajuda a humanizar o campus, as nossas relações e, sobretudo, cultivar uma capacidade de diálogo. A Universidade tem que ensinar o diálogo. Que a gente humanize a nossa forma de nos comunicar.

Padre Anderson, S.J, na mesa de abertura da SDH. Foto: Acervo PUC-Rio

Migração

A programação da SDH deste ano organizou uma série de atividades artísticas para discutir questões importantes do século XXI como o trabalho escravo, com a exibição do filme Pureza, do diretor Renato Barbieri, no NET Gávea, seguido de debate. Também houve apresentações do monólogo Boa Noite Boa Vista, no Laboratório de Artes Cênicas, com o ator Eduardo Mossri. O artista fez viagens pelo Brasil, Marrocos e Líbano para entender melhor as suas origens libanesas. Esta investigação rendeu um espetáculo de teatro e um convite para participar da novela Órfãos da Terra, da Rede Globo.

- Se eu falo dos meus avós ou se falo de um personagem que fiz, acho que eles se conectam na questão da humanidade, de pessoas que lutam para ter melhor condição de vida. Acho que é isso que conecta todos esses temas, todos esses personagens e trabalhos. Eu, como ator, quero tratar de diversos temas, mas o da migração é o meu fio condutor de pesquisa pessoal – comentou.

Mossri é voluntário do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR), que está presente em mais de 50 países do mundo e atua há 20 anos no Brasil com o objetivo de propiciar acolhimento e hospitalidade a migrantes e refugiados. O ator também dirigiu e participou do curta-metragem Meu corpo, minha fronteira, que registra relatos de migrantes e refugiados de diferentes nações e propõe uma reflexão sobre violência e exploração sexual de mulheres e pessoas LGBTQIA+. Após a exibição do filme, houve um bate-papo com o diretor e o Analista de Relações Institucionais da SJMR, Padre Jefferson Amorim, S.J. De acordo com religioso, a instituição oferece serviços gratuitos para pessoas que necessitam melhorar a condição de vida no país. Regularização de documentos e assessoria jurídica são alguns dos atendimentos feitos pelo SJMR Brasil, além de um acompanhamento pastoral às famílias que vivem aqui.

Atividades como um Lucernário – Celebração da luz, no Espaço Dom Luciano Mendes, e, no encerramento, a Festa dos Povos, com música ao vivo e comidas típicas de diferentes povos e culturas, deram o toque nos últimos dias da Semana de Direitos Humanos.

Colaboração: Lucas Adeniran e Giovanna Casellato

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