De lodo de esgotos a restos de cana de açúcar, é possível gerar energia de maneira limpa e sustentável, e ainda desenvolver o biochar – tipo de carvão produzido a partir de biomassa, com aplicações diversas: agricultura, consumo individual, construção civil. O pai da inovação é o polonês Jan Gladki. Ele explicou as bases e utilidades deste novo processo a estudantes e professores da PUC-Rio, semana passada, na palestra Biochar para energia limpa e agricultura mais sustentável: uma experiência na Polônia. O encontro foi organizado pelo Núcleo Ciências para Conservação e Sustentabilidade do Rio e o Departamento de Geografia.
De acordo com o pesquisador e empresário, a técnica do biochar "promete revolucionar os meios de se produzir energia no mundo". Fundador e CEO da Fluid, empresa especializada nesta produção, Gladki explica o processo:
– Produzimos energia a partir de biomassas que restam de produções agrícola e industrial ou do consumo. O biochar é um subproduto desta técnica. O processo tecnológico é constante, 24 horas por dia. A cada segundo, são fornecidas biomassas frescas e, assim, produzido mais biochar. É um processamento autotérmico, ou seja, não utilizamos energia externa. Os gases do processo são os geradores da energia necessária á carbonização.
Na prática, a nova tecnologia conjuga dois dos principais atributos perseguidos atualmente na geração energética: limpeza e sustentabilidade. Segundo Gladki, pode-se alterar livremente os parâmetros de produção do biochar, como o teor do elemento carbônico C e a quantidade de matéria volátil. Além disso, acrescenta ele, o processo é automatizado: a intervenção humana se limita ao acompanhamento dos equipamentos.
Aplicações se estendem da agricultura à construção civil
Sustentável e limpo, o biocarvão pode ser utilizado em quatro áreas: energia e calor, agricultura, consumo e construção civil. No âmbito da energia e calor, o biochar, explica o pesquisador, "localiza-se entre o carvão e o antracite (variedade compacta e dura do mineral carvão), quanto à quantidade de carbono C e capacidade de emissão de calor". Ele reitera:
– A natureza criou estes combustíveis por milhões de anos, entretanto, nós conseguimos produzir biochar em apenas alguns minutos.
A eficácia da queima do biochar mostra-se superior à de outros combustíveis. A eficiência mantém-se alta, acima de 80%, mesmo com a umidade relativamente alta dessa fonte.
Na agricultura, destaca Gladki, o biochar pode ser aproveitado como base para fertilizantes naturais dedicados à horticultura e ao cultivo de estufas; como fertilizantes naturais dedicados a longos ciclos, em larga escala; como aditivo para ninhos e pastos na criação de aves e animais; e como absorvente de estrume líquido e vetor de dinamismo da compostagem do estrume. Pesquisas feitas em 2015 pela equipe de Jan Gladki, a influência do biochar no crescimento e no cultivo de pessegueiros, macieiras e nectarinas "deu bons resultados":
– A combinação de biochar com microrganismos contribuiu para o aumento do rendimento e do número de frutos, em comparação ao rendimento das árvores de controle. O melhor rendimento e a média da massa dos frutos das árvores tratadas foram obtidos com uma dose de 0,8 kg/árvore.
Para o consumo, o biocarvão revela um repertório não menos extenso de aplicações. Usado, por exemplo, no churrasco, não produz fumaça durante a queima e, portanto, facilita a manutenção do aroma natural dos alimentos grelhados. Se for utilizado para acender a lareira, "mantém uma temperatura alta estável por um longo período", assegura o cientista polonês. Ele ressalta, com ênfase até superior, que o biochar tem o maior teor calorífico do mercado. Entretanto, ele não precisa como tal característica se converte numa melhor relação custo-benefício, pois deve-se levar em conta os gastos com a biomassa e os gases estufa produzidos no processo.
Na outra aplicação compravada, a construção civil, o biocarvão mostra-se favorável à isolação de construções e ao controle de humidade do ar. Gladki exemplifica:
– Se aplicarmos biochar em até 60% do volume de areia na argamassa de reboco combinada com cal e cimento, forma-se um reboco externo respirável no inverno e no verão. No reboco externo, cumpre-se a mesma função do isopor; e no reboco interno, conserva-se a humidade do local em nível ideal para a saúde.
Biochar ainda dá os primeiros passos no Brasil
Na palestra para estudantes e professores da PUC-Rio, Jan Gladki contou que a inspiração "desta técnica revolucionária de produção de biochar" nasceu em território brasileiro:
– Por meio do meu trabalho com a terra preta brasileira, que é muito fértil, eu me inspirei para criar a técnica Fluid produção de biochar. Estou muito contente de poder compartilhar meu trabalho no Brasil.
O polonês tem no radar a perpectiva de desenvolver a técnica também no Brasil. Ele ressalva, contudo, que o desejo de começar pesquisas do gênero por aqui depende do "apoio de pesquisadores interessados em trabalhar com o biocarvão".
Já sobre os impactos que essa produção causaria no meio ambiente, caso fosse implementada por outros países, Gladki não tem uma resposta concreta. Pondera que dependeria do número de usinas "que trabalham essa técnica". E observa: cada quilo de biochar produzido equivale a 94kg de CO2 emitido.
No Brasil o biochar é estudado há vários anos pela Empdesa Brasleira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Um dos resultados mais representativos remete à aplicação na cultura de arroz em solo paranaense: a produção dobrou. Embora o biocarvão seja adotado há décadas no Japão, na Europa e nos Estados Unidos, no Brasil ainda não há aplicação comercial, devido à ausência de pirólise para a produção.