Símbolo de alma, leveza e transição, as borboletas podem ser encontradas na natureza, em diferentes tonalidades e tamanhos, bem como nas páginas do livro lançado pelo professor e jornalista Claudio Bojunga, Roquette-Pinto — O corpo a corpo com o Brasil. Ao marcarem o início de cada capítulo, as borboletas Roquettea Singularis e Agria Claudia Roquettei lembram a homenagem prestada pelos naturalistas àquele que tanto fez em prol da antropologia e dos estudos científicos.
Conhecido, principalmente, como o Pai do Rádio no Brasil, Edgar Roquette-Pinto (1884-1954) possuía outras facetas pouco conhecidas. Médico, antropólogo, professor e naturalista, lutou pela democratização da educação e contrariou parte da comunidade científica de sua época na tentativa de provar que a miscigenação não era negativa, mas, sim, um legado do país. No livro, Bojunga, que é neto do cientista, busca apresentar esses múltiplos lados.
A ideia de escrever o livro surgiu de um desejo antigo do autor, que levou três anos de pesquisa. Professor do Departamento de Comunicação Social, Bojunga comenta que outro fator que o motivou foi o processo de esquecimento por parte das pessoas sobre quem foi Roquette-Pinto.
– Li a biografia de Gilberto Freyre escrita pela Maria Lúcia Pallares-Burke e nela há um capítulo inteiro sobre meu avô. Existem várias biografias sobre ele e quase nenhuma toca no nome de Roquette-Pinto. Fico me perguntando como o homem que escreveu Casa-Grande & Senzala diz em sua primeira edição que faltou alguém como meu avô para ensiná-lo e ainda faz uma dedicatória a ele na segunda edição da Sociologia, “em memória do maior mestre de antropologia que já teve o Brasil”, e, mesmo assim, as pessoas não falam dele. Ele só é visto como Pai do Rádio, a parte antropológica, infelizmente, pouco se fala.
A obra-mestre de Roquette-Pinto foi Rondônia, que completa 100 anos de publicação em 2017. O livro é uma das heranças da Comissão das Linhas Telegráficas Estratégicas, conhecida como Missão Rondon. A obra é fruto de estudo escritos, em um caderno de anotações na quebrada das matas, sobre os índios parecis e os nhambiquaras e faz importantes observações sobre a ecologia e a vida dos sertanejos do interior de Mato Grosso. Para Bojunga, essa expedição foi fundamental para a região.
– Rondônia tem um valor etnográfico, cultural e científico. Meu avô sempre falava que a linha telegráfica foi penas um pretexto, e que o maior ganho foi o avanço da ciência porque levou pessoas que estudaram as plantas, aves e os homens. Foi ele que propôs denominar aquela região de Rondônia em homenagem ao Marechal Rondon.
A educação foi uma das bandeiras mais levantadas por Roquette-Pinto, que ocupou durante 26 anos a cadeira 17 da Academia Brasileira de Letras (ABL). Além de ser o precursor do rádio no Brasil, foi um dos pioneiros no cinema educativo ao lado do cineasta Humberto Mauro. Bojunga ressalta a importância do avô na luta pela educação porque queria levar saber ao povo e desejava produzir filmes para educar e instruir a população.
– Ele sustentava a ideia de que o brasileiro precisava ser educado e não substituído. Para mim, importância histórica dele foi a fé, de verdade, em nós e na dignificação do homem. Além da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro ser feita apenas de cultura, ele também queria um cinema didático. Dois dias depois que ele morreu, o Carlos Drummond de Andrade escreveu uma crônica em que dizia que homens como Roquette-Pinto nos ensinam a ter esperança no homem. E é isso: ele foi um personagem raro no Brasil.
Como era um homem modesto, Roquette-Pinto se viu obrigado a doar a Rádio ao então Ministério da Educação e Saúde, em 1936, quando o governo exigiu que ela tivesse um potencial maior de transmissão. Mas, para isso, Roquette-Pinto impôs que a rádio transmitisse apenas programação educativa.
A crise que as rádios atravessam, principalmente a da Rádio MEC, é vista com tristeza pelo autor que lamentou o abandono da sede.
– A Rádio MEC está sucateada. É muito triste vê-la assim porque ela foi mantida a sangue, suor e lágrimas. Ela não está respeitada e incentivada. É preciso reabrir a sua sede, que foi feita com muito sacrifício. As coisas de qualidade estão sendo abandonadas porque eles nos nivelam por baixo. E isso não passa de um preconceito. O que eles chamam de democratização é uma vulgarização porque é mais fácil ganhar dinheiro com ela do que com o esforço de elevação.
O último capítulo da obra, chamado de Meu avô, fica a cargo meramente do neto. Nele, Bojunga deixa de lado o papel de pesquisador e faz uma análise pessoal do biografado.
– Quando penso no meu avô, me vem o cheiro do charuto e a imagem daquele homem que vivia de maneira modesta e que infundia respeito. Eu sempre me perguntava porque o respeitavam tanto em um país que as pessoas gostam somente de poder e dinheiro. Ele era como se fosse uma exceção. Mas, ao mesmo tempo, eu tinha noção de que ele era um homem que sabia de muitas coisas. Quando íamos para Petrópolis, ele explicava a estrada, as montanhas, as árvores ganhavam nomes e, de repente, você conseguia ver o mundo de maneira diferente.