Pipoqueiro, caixeiro, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, vendedor de livros ambulante, professor e jornalista. Parte desta trajetória profissional tão eclética reflete-se, logicamente, nos voos literários do escritor Luiz Ruffato. Convidado pelo professor Sergio Mota, da disciplina Comunicação e Literatura, para conversar com os alunos de Comunicação Social, Ruffato compartilhou histórias que o acompanharam desde o ofício na carrocinha de pipoca, herdado do pai, nos anos 1970, até a troca da rotina de jornalista pela dedicação exclusiva à escrita, em 2003.
Autor de livros premiados, como Eles eram muitos cavalos (2001, Boitempo), vencedor do Trofeu APCA, concedido pela Associoação Paulista de Críticos de Arte, e do Prêmio Machado de Assis, da Fundação Biblioteca Nacional, Luiz Ruffato fez sua carreira como repórter de economia, embora se considerasse “péssimo no cargo”. Já com as obras literárias, “que vão para além do mundo de classe média alta”, ele vive um casamento feliz. Apesar do reconhecimento da crítica e de premiações importantes, o escritor contou, aos cerca de 50 estudantes reunidos na palestra, que não raramente confronta-se com preconceitos, como na palestra da qual participou depois do lançamento de Eles eram muitos cavalos:
– Temos uma ideia de escritor: alguém bem vestido, culto,tomando um café em uma padaria chique. Quando eu participei daquela palestra, após o lançamento, ninguém me reconheceu, porque não tenho essa aparência de escritor. Isso veio da minha origem. Ando de blusa, calça e tênis mesmo. Aparência não é nada.
A luta contra discriminações e as reflexões sobre temáticas sociais frequentam a obra de Ruffato. Para o autor de Questão de pele (2009, Língua Geral) livro de contos acerca de preconceitos raciais, perdemos oportunidades de debater assuntos “mais comunitários”, um ponto discutido na recente pesquisa do IPEA Retratos das desigualdades de gênero e raça.
– A literatura brasileira é feita por brancos e para brancos. A interrogação é: qual é o lugar de discussão? O Questão de pele foi o primeiro livro publicado sobre esse tema em uma editora comercial. Por que tem que ser assim? Isso vai para além da questão literária, é uma questão política também. Temos uma dívida com a população – avalia
O professor Sergio Motta acrescenta que os coletivos, como o Nuvem Negra, têm contribuído para ampliar e aprofunbdar as discussões associadas ao combate a preconceitos. Para ele, "a aproximação com o outro é uma forma de atenuar a invisibilidade do outro":
– Temos a doença da invisibilidade. Não acolhemos o próximo por questões raciais e socioeconômicas. O (ator) Lázaro Ramos veio aqui na PUC e falou sobre esse tema e sobre o novo livro dele, Na Minha Pele, a convite do Coletivo Nuvem Negra. A partir desses eventos, dessas vozes conferidas ao outro, podemos dar a eles representatividade, enquanto a autoconsciência é dada a todos.
Ruffato reforça o diagnóstico de uma sociedade exclusivista, uma vez que “de onde você veio” tem mais força do que “ quem você é”:
– Não sou o primeiro autor de classe média baixa, mas sou o primeiro a falar publicamente da minha origem. Mais, sou o primeiro que escreve sobre isso. A nossa sociedade é exclusivista. O fato de ser quem eu sou e escrever de onde venho provoca um encontro entre mim e as pessoas que me leem. Já me disseram: “Ah, mas ele fala sobre política, é filho de lavandeira e de pipoqueiro”. Nem por isso deixei de escrever sobre aquilo que vejo e penso.
Ao participar do Bate-pao Livre, do jornalista Tiago Coelho, ex-aluno de Comunicação Social da PUC-Rio e repórter da revista Piauí, Luiz Ruffato relembrou o caso da também escritora Carolina Maria de Jesus, autora de Quarto de desejo – Diário de uma favelada, cujos livros foram leitura obrigatória em vestibulares:
– Os textos da Carolina foram mudados para uma linguagem mais pobre e errônea, porque ela veio de comunidades. A escrita dela era maravilhosa. Uma pena – opina.