Pensar a cultura e o consumo, a partir do pensamento de Foucault como referencial, foi tema da palestra do docente de pós-graduação em filosofia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Leandro Chevitarese. O professor foi chamado para apresentar a palestra Michel Foucault como ponto de partida, que ocorreu no primeiro dos dois dias de atividades do II Encontro Cultura e Consumo Brasil (CCB). A iniciativa da Escola de Negócios da PUC-Rio visa fortalecer a CCB, e, nesta edição, houve mentorias para mestrado e doutorado.
Segundo Chevitarese, a análise da cultura e do consumo, a partir da concepção de Foucault, possibilita o uso de ferramentas para pensar a formação do sujeito e a interação dele com a cultura e o consumo. Professor de pós-graduação em Filosofia Contemporânea da PUC-Rio, ele observou a maneira como o indivíduo entende a si próprio e ao outro, e como ele convive no social, que, segundo Chevitarese, é uma construção fruto de relações de saber e de poder.
– Ele (o indivíduo) não deve ser mais pensado como um sujeito cartesiano, que é apenas um "penso, logo existo"; um sujeito que se define como racional, autônomo e livre. O sujeito é construído em função das dinâmicas de saberes e das relações de poder.
Ele fez uma análise da fase arqueológica de Foucault, período em que o filósofo francês estudou, segundo Chevitarese, as produções de saberes e compreendeu como essas elaborações são fundamentais para estabelecer um discurso hegemônico. O professor ilustrou a lógica dominante com os saberes que legitimam estados de normalidade e exclui estados de loucura – condição imposta à pessoa desviada das regras, normas e convenções.
– Você não pode sair na rua de sunga no meio da rua, por exemplo, pois seria punido por estar fora da normalidade vigente. Mas, apesar de ser efeito dessas relações de saber e poder, o sujeito não é refém desse processo, é o contrário. Ele também é o agir, ele exerce as relações de poder quando afirma um certo saber ou o problematiza. Ele pode tanto reforçar um certo padrão de comportamento de normalidade e consumo dominante, como ele pode também gerar efeitos de resistência.
O professor usou como exemplo dessa ação o movimento feminista. De acordo com Chevitarese, a partir da associação em rede de mulheres ativistas, cria-se um novo saber sobre o papel da mulher, que não é aquele tradicional de alguém que lava, passa roupas e é submissa ao cônjuge, ressaltou. Segundo Chevitarese, a crítica dessa ideia tradicional do que é ser mulher é um ato de resistência ligado à ação; gera um novo entendimento sobre a função dela na sociedade e cria outros padrões de normalidade. De acordo com o professor, apesar de legítimo, há um risco dessas novas ideias reproduzirem a lógica do discurso dominante e excludente.
– Quando você começa a, por exemplo, dizer: ‘Mas a mulher engajada feminista verdadeira, aquela que é realmente uma mulher de luta, deve se comportar assim’. Mas era exatamente isso que estávamos criticando antes, quando problematizamos o ideário tradicional da mulher. Você acaba reproduzindo uma força de normalização nova, cria outra imagem da verdadeira mulher engajada, o que gera opressão em relação a outras mulheres que, eventualmente estão na luta, mas talvez não se alinhem tanto às exigências de normalidade desse novo discurso.