Vitrine para a arte
26/04/2022 17:59
Maria Fernanda Firpo

Espaço público é um lugar democrático para diferentes expressões criativas, mas muitos artistas sofrem preconceito

A música “Nos Bailes da Vida”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, é considerada um hino para os artistas de rua, cujas apresentações fazem parte do cotidiano de grandes cidades. No Rio, quem usa transporte público pode conferir o talento dessas pessoas a qualquer momento. E mesmo com a proibição de exibições culturais dentro dos trens e do metrô, as manifestações de arte continuam, quase como uma resistência. 

Professor do curso de e Artes Cênicas da PUC-Rio, Daniel Castanheira já se apresentou tanto na rua quanto no metrô em viagens que fez para a França. No transporte parisiense, existe a possibilidade de artistas se exibirem sem serem perseguidos pelos agentes de segurança, algo que não ocorre no Brasil. Para Castanheira, o artista de rua tem grande importância em exaltar a linguagem milenar, que é o contato direto com o público sem nenhuma mediação e conseguir o sustento a partir desta interação.

Mas apesar de ser adorador da arte dentro dos vagões, o professor entende que é um assunto que, em alguns momentos, causa polêmica. Castanheira observa que as manifestações artísticas dentro dos transportes públicos são diferentes das apresentações de rua. Nas vias públicas, a plateia escolhe assistir à exibição, já no metrô as pessoas são obrigadas a ver aquilo que o artista oferece.

– A rua é um território livre, um território público por excelência, a terra de ninguém, a rua é de todo mundo, um lugar muito espaçoso aberto, as pessoas não são obrigadas a te escutar. Dentro do metrô, as pessoas não têm muita escolha, isto muda um pouco a perspectiva.

Além disso, o transporte público no Rio de Janeiro é, muitas vezes, precário e lotado, o que dificulta a realização das apresentações. Para Castanheira, entretanto, isso não é motivo para a proibição dessas manifestações culturais, e o artista deve ter a total liberdade de mostrar o seu trabalho quando quiser. O professor afirma que o importante não são os passageiros gostarem ou não, mas sim formalizar uma prática que já acontece. De acordo com ele, no Brasil, a legalização dessa atividade geraria benefícios tanto para o setor cultural quanto para o sistema de transporte.

No Rio de Janeiro, as manifestações artísticas dentro dos transportes públicos estão proibidas desde 2019, quando o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), considerou inconstitucional a legislação que regularizava essas atividades. A lei havia sido sancionada em setembro de 2018, pelo então governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB). A proibição foi obtida devido a uma ação apresentada à Justiça pelo ex-deputado, atual senador, Flávio Bolsonaro (PL).

Vigilância e poesia

Mesmo após três anos da proibição, os artistas ainda mostram a sua arte nos transportes públicos. Apesar de marginalizados, eles continuam com os shows e criticam a decisão judicial de 2019. Aluno do 9º período de Artes Cênicas da PUC-Rio, Jhon Vital se apresenta no Metrô-Rio desde que passou a frequentar a Universidade, quando conheceu a Poesia de Slam. Segundo o jovem, o ambiente da Universidade abriu seus horizontes para este estilo de arte. Estudante bolsista, ele viu o transporte público como local ideal para exibir o trabalho e conseguir uma fonte de renda. As intervenções poéticas são feitas tanto individualmente quanto em conjunto.

Para não ser visto pelos seguranças, Jhon precisa estar atento o tempo todo. Mas nem sempre é possível fugir da vigilância e, assim que um artista é flagrado, o protocolo sempre é o mesmo: a pessoa é obrigada a se retirar da estação e só pode retornar caso pague outra passagem. Apesar de ter sido expulso do metrô em diversas ocasiões, Jhon diz que nunca foi agredido pelos seguranças, mas revela que já foi ofendido por passageiros que são contra as apresentações artísticas.

– Já me ameaçaram de morte, já me levaram para a delegacia, já chutaram minha perna. Teve inclusive uma professora de teatro que ficou falando que aquilo não era arte, era coisa de vagabundo. Existem passageiros que são contra a gente, mas existem também aqueles que são super a nosso favor e que estão a todo momento chamando nossa atenção quando há algum guarda por perto.

Para a dupla de poetas Soraya Rosário, conhecida como Sol, de 20 anos, e Renan Ramos, de 25 anos, os passageiros sempre foram muito receptivos. Conhecidos por recitarem poesias sobre o colonialismo e os furos de roteiros que existem na história do Brasil, o casal se apresenta desde 2021, mas antes de começar a recitar, a mesma pergunta é feita: "Alguém se incomodaria com a nossa apresentação?”. Caso haja algum passageiro incomodado, eles se retiram do vagão.

A maioria das agressões sofridas pela dupla foram pelos seguranças, e eles já foram perseguidos e ameaçados de serem presos. As críticas, no entanto, vão além das estações do metrô. Segundo Renan, os dois já ouviram comentários que desvalorizam o trabalho deles e que os poetas deveriam procurar outra fonte de renda. 

– As pessoas que falam que a gente precisa fazer outra coisa não vão tirar oportunidades do bolso para oferecer para gente. O que a gente faz é trabalho. A diferença da arte de rua para a arte de televisão é que a gente não tem suporte e, principalmente, oportunidade. A arte de rua vive de oportunidade, e graças a ela eu consigo o meu sustento.

Muitos passageiros são conquistados pelos versos do casal. Autora de vários poemas recitados nos vagões, Sol comenta que a poesia funciona como um amplificador de sua voz e seus sentimentos. Além do retorno financeiro e reconhecimento, a dupla trabalha para levar a arte para aqueles que não têm acesso a ela. Os dois já foram surpreendidos por pessoas de fora que se emocionaram com as performances, pois de onde elas vinham não existia arte de rua.

– Quando eu comecei a me apresentar no metrô, eu me apresentei em um vagão que tinha duas meninas de outro estado que nunca tinham visto uma apresentação artística. Elas ficaram tão impressionadas que jogaram R$100 no chapéu – lembra Sol.

 Dança e música

O Metrô-Rio também é palco para o breakdance. A dupla de dançarinos, Vitor Dutra e Adriano Paixão faz performances há dois anos. Depois de se conhecerem em rodas de dança, eles decidiram juntar forças para trabalhar. A escolha do metrô foi por causa do ambiente ser mais favorável para o estilo de dança. Na rua, é necessário esperar o público se aglomerar para começar o show, algo que não é preciso no metrô.

Também conhecido como Homem Elástico, Adriano conseguiu muitas oportunidades de trabalho por conta das performances no metrô. Por ter que lidar com um público muito diverso, os dançarinos conseguem fazer com que a criação dos dois seja divulgada nas redes sociais, o que aumenta o engajamento de ambos. Eles já foram chamados para dançar em festa de 15 anos, palco de dança do Rock in Rio e, recentemente, Adriano participou do programa Caldeirão com Mion, exibido sábado à tarde na Rede Globo, e recebeu R$ 5 mil porque tirou segundo lugar na competição. A dupla sonha em participar da Olimpíada de Paris, em 2024, na modalidade de breakdance e, para isto, procura um patrocinador.

Estudante de direito da PUC-Rio, Heitor Burgos, de 20 anos, toca saxofone nas ruas desde 2021. Ele começou a se apresentar para conseguir uma renda extra, porém, o que o motivou foi o reconhecimento positivo que o público teve de sua música. De acordo com o jovem, na rua existe um ambiente de competição, então o retorno financeiro é menor do que em outros ambientes. Em épocas de comemoração, como o Natal, Heitor chegou a faturar apenas R$3, porque havia um grande número de pedintes nas vias públicas.

– Apesar de ter sido frustrante, pois ganhei R$3 tocando duas horas, de certa forma escancara um problema no Brasil, porque hoje em dia você não se apresenta em nenhum local na rua sem que tenha alguém que fica pedindo dinheiro, então você disputa atenção com pessoas que estão precisando.  Mas eu acho que a rua é um local democrático que dá para abrigar todo mundo.

 

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