Em sua vinda ao Rio para Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em 2013, logo depois de sua eleição, o Papa Francisco ouviu a sugestão de um brasileiro: que desse uma palavra ao mundo sobre a questão socioambiental. A resposta, acompanhada de um olhar atencioso, foi breve como o encontro: “No devido tempo. Já está sendo pensado”. O interlocutor era o Reitor da PUC-Rio, padre Josafá Carlos de Siqueira, S.J., mestre e doutor em Ciências Biológicas e propagador da causa socioambiental. Ele lembra: “Fiquei quieto, na minha. Se sua Santidade disse isso, vamos aguardar”, pensou.
Dois anos depois, em 2015, foi lançada a Laudato Si’, primeira encíclica nascida inteiramente sob a guarda de Francisco (a primeira lançada em seu papado, a Lumen Fidei, tinha ainda algum trabalho do Papa Bento XVI). Seus principais assuntos eram o consumismo desenfreado e o uso irresponsável dos recursos da natureza, questões centrais na área do meio ambiente.
– A Laudato Si’ é a convergência de três grandes preocupações de segmentos da sociedade: da ciência, da sociedade e da Igreja – sintetiza padre Josafá, que desde então se dedica a trazer luz sobre as questões éticas contidas na encíclica e o propósito do texto em provocar uma mudança de olhar frente à questão ambiental, criando um novo ethos ecológico.
A história foi lembrada por padre Josafá na palestra Ética na Laudato Si’, quarta-feira, 19, no Centro de Fé e Cultura Loyola. A apresentação trazia os principais pontos da Laudato Si’, assim como os obstáculos a sua aplicação. O caráter integrador e universal da encíclica foi o primeiro ponto a ser discutido: ela não foi escrita só para os católicos, e sim para todas as religiões. Padre Josafá enfatizou as conexões e as relações entre questões teológicas, antropológicas e ecológicas. Um dos desafios a ser superado, acredita o Reitor, é a visão fragmentada e individualista da sociedade – e da própria academia:
– Essa visão fragmentada, principalmente na ciência, não ajuda. Formamos saberes muito especializados. Temos que ser bons na especialidade, sim, mas não podemos perder a visão de totalidade.
O princípio ético do bem comum também foi apontado como um aspecto importante do texto. Segundo o Reitor, daí vem a noção do destino comum dos bens, a ideia de que todos utilizam a Terra como casa. E a necessidade de serem evitadas as ações humanas que levam a mudanças climáticas, bem como a escassez provocada pelo excessivo desperdício de água. Padre Josafá lembrou a negligência do Brasil, pela grande quantidade de água disponível:
– Nós temos 10% das águas do mundo sim, mas essa água é muito mal distribuída. Observando o mapa da hidrografia do Brasil, a grande parte dos serviços hídricos só comporta 23 milhões de pessoas. É impressionante.
Essa cultura do descarte também se faz obstáculo à proposta socioambiental da encíclica, incluindo-se a defesa de vida vulnerável, numa perspectiva antropológica e ecológica da preservação. Daí, observa padre Josafá, surge a noção de aliança entre todos os seres vivos e a ideia de teleologia da criação, tendo cada espécie um valor em si mesma.
Diálogo entre diferentes
A união e o diálogo com as diferenças também foram valorizados na apresentação. De acordo com o Reitor, a religião e a ciência, nesse sentido, não podem ser vítimas do isolamento do saber. E reverbera a crítica do Papa quanto à falta de decisões políticas mais eficazes nas cúpulas mundiais do meio ambiente.
– Gasta-se enormemente em infraestrutura, viagens, documentos, enquanto os resultados, na prática, são nulos. Alguém tem que dizer isso. Qual foi o resultado do Rio +20? – questionou.
Na Semana da Cultura Religiosa, mensagem da encíclica aos jovens
A oitava edição da Semana da Cultura Religiosa também deu espaço à questão do meio ambiente e da ética sob a luz da Encíclica Laudato Si’, ocasião em que Padre Josafá destacou a importância de debater e difundir a Laudato Si’ entre os jovens.
– É importante, pois as pessoas vão tomando mais consciência ambiental e ética e, aos poucos, mexendo com as duas coisas mais importantes do ser humano: a mente e o coração.
O Reitor ressaltou que a privatização da água, tornada mercadoria sujeita às leis do mercado, é um problema ético, visto que a água é um bem de caráter universal, a que todos têm direito. Ao mesmo tempo, lembrou que o Rio de Janeiro é o estado que mais desperdiça água no Brasil, e que a rede de distribuição antiga, a dificuldade na manutenção, a má gestão e a falta de cuidados domésticos contribuem para agravar o problema: quatro em cada dez litros se perdem antes mesmo de chegar à torneira.
Outro aspecto da encíclica abordado pelo Reitor na Semana da Cultura Religiosa foi a necessidade do diálogo e respeito inter-religioso:
– Devemos estabelecer diálogo entre as diferentes religiões, visando o cuidado com a natureza, a defesa dos pobres e a construção de uma rede de respeito mútuo entre os seres, apoiar e viver uma educação ambiental a partir de pequenas ações no dia a dia.