Começou na terça-feira, 21, no Centro Loyola de Fé e Cultura PUC-Rio, na Gávea, nova edição do curso Cinema, Criação e Pensamento, voltado a moradores de comunidades do Rio de Janeiro. O curso, com duração de um ano, tem como objetivo geral propiciar que os alunos ampliem suas potencialidades de expressão, promovendo a criação no campo do audiovisual e a reflexão. Jovens e adultos trabalham a expressão estética e política de sua realidade como forma de exercício de cidadania.
Na aula inaugural, foram exibidos três documentários produzidos por alunos do edital de 2016: Tá no Ponto, sobre o sarau em Madureira que dá nome ao filme, com a apresentação de artistas locais; Morro do Bumba, que conta o drama do deslizamento, em 2010, a partir de entrevistas com moradoras que viveram a tragédia; e Como faz para lavar, que mostra os preconceitos sofridos, a quebra de tabus e de padrões por quem tem cabelo crespo. Depois da exibição, os ex-alunos contaram suas experiências no curso e na direção dos documentários, as dificuldades encontradas no caminho e os desafios vencidos.
Vitória da Silva, de 17 anos, moradora do Fonseca, em Niterói, contou que é apaixonada por comunicação e quando soube do curso se inscreveu na mesma hora. Ela participou do documentário Morro do Bumba, de alunos da turma passada:
– Quando surgem oportunidades assim, como este curso, por mais simples que sejam, têm um valor enorme. É um toque a mais na carreira. Agora é minha vez de estar aqui. Minha expectativa está muito grande.
Também aluna da nova turma, a professora Leila da Silva Xavier, de 55 anos, moradora de Santa Teresa, elogiou a concepção aberta do curso, cuja proposta não se limita ao aspecto técnico, valorizando o aprendizado teórico e o debate filosófico.
– É aberto a pessoas de diversas regiões do Rio, para diferentes faixas etárias. No início até achei que talvez eu não fosse selecionada, por causa da idade, achava que pudessem priorizar os jovens, mas na entrevista vi que eles têm um critério muito democrático. Minha expectativa é aprender um pouquinho de cada coisa.
Coordenador do Núcleo de Comunicação Comunitária da PUC e do curso, o professor Ney Costa reforça que o objetivo não é a formação técnica, mas ampliar a perspectiva dos alunos, que chegam com suas próprias vivências, histórias de vida, informações e ideias para compartilhar:
– Ninguém sai formado em operador de câmera, operador de áudio ou editor. O curso dá ao aluno uma ferramenta conceitual, histórica e estética para que ele use o cinema, com seus meios disponíveis, como uma ferramenta de entendimento do mundo, de participação na sociedade, e que expresse a visão acerca do mundo e de si próprio. Todos eles assistiram e assistem a filmes e têm, ao seu modo, uma cultura cinematográfica.
Higor Farias, que participou da execução de Como faz para lavar, narrou como era sua rotina quando participava do curso, no ano passado:
– Quando eu comecei com o curso eu estava estudando fotografia, trabalhando das 9h às 18h e participando de um projeto de teatro na Unirio. Eu vinha para cá depois do trabalho, chegava em casa por volta de meia-noite e acordava cedo no dia seguinte. Apesar de cansado, eu saía daqui com uma felicidade tão grande de estar estudando algo de que eu gosto, um sentimento que eu não consigo nem descrever.
Higor também relatou a dificuldade de se envolver com audiovisual quando se mora no subúrbio, e se emocionou:
– Quando você nasce no subúrbio, na periferia, e gosta de arte, fotografia e cinema, essas coisas aparecem muito escassas para você. A família sempre pergunta se o que você vai fazer vai dar dinheiro. O que eu senti fazendo e vendo este curta pronto, apesar dos erros e problemas, era realização. É muito bom saber que muita gente pode ter a oportunidade de estar aqui e poder seguir seus sonhos.
No primeiro semestre, as aulas são intercaladas com a exibição e debate de filmes. A partir da seleção de determinados tópicos, são apresentadas informações históricas, feitos links e costuras.
– Não tem teoria, é análise de filme um pouco mais abrangente, por entrarmos com questões estéticas, de linguagem e históricas. Na técnica, vemos aquilo que é absolutamente essencial, porque não é a perspectiva do curso – completa o coordenador do curso.
No segundo semestre é realizado um edital interno, quando os alunos apresentam os projetos que são avaliados pelos professores e são produzidos com o apoio do curso. São oferecidas câmera, edição, luz e equipamento de áudio para a gravação dos documentários, além de uma verba de R$ 1 mil.
O curso Cinema, Criação e Pensamento, que teve início em 2011, foi uma ideia do professor do Departamento de Comunicação Social Miguel Pereira, então à frente do Núcleo de Comunicação Comunitária, a partir de cursos que eram oferecidos a pastorais de comunicação, com lembra o professor Ney Costa:
– Miguel pensou em adaptar o modelo do curso para moradores das favelas, inicialmente, da Zona Sul. E assim foi feito no primeiro curso, que abrangia o Pavão Pavãozinho, Santa Marta e Chapéu Mangueira. Depois foi ampliado para o que chamamos Vale da Gávea, que engloba Parque da Cidade, Rocinha e Vidigal. No boca a boca, a ideia foi repercutindo e começamos a ter muita procura. Começou a vir gente de da Baixada, das favelas da região de Campo Grande e Santa Cruz e até pessoas que não moram em comunidades, de perfis sociais diversos, mistura que tem dado muito certo.