A província de Cabo Delgado, no nordeste de Moçambique, é uma das regiões mais pobres do país. Desde 5 de outubro de 2017, o local tem sofrido ataques violentos de um grupo armado não-estatal, que se proclamou filiado ao Estado Islâmico e exige dos moradores a entrada na religião muçulmana. As consequências são devastadoras: cerca de 817 mil pessoas estão deslocadas, vivem com medo, insegurança e sem acesso às necessidades básicas para sobreviver. Em busca de estabilidade, elas abandonam as casas, se espalham por todo o país e, às vezes, são acolhidas por comunidades e campos de reassentamento, onde missionários prestam assistência humanitária.
Em palestra para a Cátedra Carlo Maria Martini PUC-Rio, o padre Antunes Mario Taibo (Diocese de Pemba/Moçambique) reforça a necessidade de ação urgente ao lidar com os deslocados. Segundo Antunes, é preciso um olhar crítico, humanitário, espiritual e misericordioso: quem conhece a realidade destas pessoas sente-se comovido. E o padre questiona até o significado do termo “deslocado”.
– O termo ‘se deslocar’ pode ter dois sentidos: positivo, quando desejável; negativo, quando as pessoas são forçadas. Elas sofrem sequelas, são obrigadas a deixar as suas terras, e isto pode ser muito preocupante para a sociedade. Dificilmente vamos encontrar a expressão ‘deslocados’, a Bíblia vai interpretar de outra forma, com outros termos para significar a mesma coisa. A questão do órfão, do pobre, do estrangeiro, do mendigo, do fraco, do necessitado, pessoas que precisam de um apoio humanitário. Pensar nos deslocados é ter o coração de bom samaritano.
Antunes afirma que aqueles que não aderem ao islamismo são decapitados, sejam mulheres, sejam crianças. Hoje, há sete ou oito distritos afetados pelos terroristas, com cerca de 3.100 mortes. Segundo ele, é normal encontrar famílias com mais de 20 pessoas que são sustentadas por apenas uma. Falta comida, água, abrigo e saúde. Mais do que isso: um dos grandes desafios é lidar com o trauma.
A organização Médicos sem Fronteiras informa que, enquanto a maioria dos deslocados busca se ajustar à nova realidade, um sentimento de desesperança e frustração os invade à medida que todos os aspectos da vida se revelam uma luta. Muitos sofrem de distúrbios de estresse pós-traumático, têm problemas para dormir e têm pesadelos. Perderam o apetite, embora não comam há dias. A separação de entes queridos e a falta de notícias provocam ansiedade, junto ao medo constante de outro ataque.
O sistema de saúde, já frágil, sofre ainda mais com os impactos do conflito. De acordo com a ONU, cerca de 36% das unidades de saúde na província foram danificadas ou destruídas por causa da violência. Esta insegurança em certas áreas de Cabo Delgado impede o governo e as organizações humanitárias de fornecer cuidados fundamentais, como os de saúde sexual e reprodutiva, imunizações e acesso a medicamentos e tratamento para HIV e tuberculose, que têm prevalência muito elevada em Moçambique.
Dado o número cada vez maior de deslocados, as necessidades básicas deles e das comunidades que os acolhem em grande parte não são atendidas. Apenas uma fração é coberta, e os missionários ajudam como podem. Na Diocese de Pemba, há uma equipe que presta apoio humanitário com mantimentos externos. A ideia é estar perto destas pessoas, para ajudar com escola, alimentação, higiene, entre outros. Segundo Antunes, a ideia é encaminhar a independência dessas famílias.
– Tudo que é dado não é suficiente para este povo. É um povo que quer comer, quer saúde, e os recursos são distribuídos uma, talvez duas vezes por semana, e isto não é satisfatório para superar as suas necessidades. Agora, a Igreja também está envolvida no apoio psicossocial, assistência sanitária, ajuda alimentar, criação de condições para que a família possa produzir os próprios bens.
A palestra está disponível na íntegra no canal no YouTube da Cátedra Carlo Maria Martini PUC-Rio. Para assistir, clique aqui.