A 1ª Semana de Jornalismo começou na segunda-feira, 27, com uma discussão sobre os Desafios do Jornalismo Brasileiro. Para inaugurar as conversas, foram convidados Zé Roberto Toledo, editor na revista Piauí, Artur Romeu, do Repórteres sem Fronteiras, e Paula Cesarino Costa, da Folha de S. Paulo. Durante a Semana de Jornalismo, 50 profissionais da área e outros 20 professores e pesquisadores vão participar de 17 mesas temáticas. Durante a Semana haverá o Prêmio Ecoa de Inovação Jornalística, uma iniciativa entre o Comunicar e o ECOA-Rio.
Artur Romeu apresentou estatísticas que ilustram o atual cenário da profissão no país. Segundo ele, uma pesquisa realizada pelo Repórter Sem Fronteiras apontou que apenas no último ano o Brasil caiu três posições no ranking mundial da liberdade de imprensa – hoje ocupa o 105º lugar entre 188 países. Para ele, existem inúmeros aspectos estruturais que justificam os resultados da pesquisa. Entre as possíveis causas, ele apontou a proliferação de estratégias de desinformação e discursos públicos cada vez mais orientados pela crítica à imprensa.
– A crítica à imprensa faz parte de um ambiente saudável no exercício da liberdade de expressão. O problema é que ela só é saudável quando se fundamenta em princípios e valores democráticos. Quando o único sentido dessa crítica é descredibilizar e atacar o perfil do jornalista, começamos a viver um ambiente de hostilidade e censura. Vemos essas ações sendo potencializadas com as redes sociais, principalmente em um contexto de desinformação e fake news e, ao invés de autoridades públicas adotarem um discurso que vai contribuir com a diminuição da violência, eles se tornam agentes fomentadores dos ataques.
Para Paula Cesarino, a profissão traz consigo uma série de desafios, entre eles, a dificuldade de os veículos se manterem financeiramente. Com a chegada do meio digital e a consequente mudança na forma de fazer jornalismo, comentou, inúmeras alterações precisam ser feitas para que o setor se conserve como um dos pilares democráticos. Segundo ela, a credibilidade da imprensa está enfraquecida em todo o mundo, e é preciso que os jornais, principalmente no Brasil, invistam em equipes qualificadas e preparadas para lidar com as exigências do momento.
Jornalista da Piauí, Zé Roberto de Toledo afirmou que a crise financeira mencionada por Paula é talvez a raiz de todos os outros problemas. Para ele, a democratização dos meios, em que todos são potenciais emissores de informação, colocou em xeque o modelo tradicional de jornalismo. Esse fato, como explicou, abriu concorrência não apenas para pessoas bem intencionadas, mas, principalmente, correntes políticas, que viram na desintegração entre a informação e a publicação uma grande oportunidade política.
– É preciso deixar claro que o jornalismo não vende informação, ele vende credibilidade. Informação muita gente produz, muitas instituições produzem. O que diferencia o jornalismo dessas instituições é que ele pode ser crível, ou seja, as pessoas têm aquilo como uma referência. Por isso que todos os ataques são centrados justamente na credibilidade, em uma clara tentativa de desacreditar as instituições ligadas à imprensa.
Mídias Locais
Ao mesmo tempo em que a imprensa tradicional enfrenta inúmeros desafios de adaptação aos novos meios, a segunda palestra que compôs o primeiro dia da Semana do Jornalismo reuniu três profissionais para analisar as mídias locais em rede. A mesa de debate foi composta pelo sócio fundador da Agência de Notícias das Favelas, André Fernandes, por um dos fundadores do jornal Fala Roça, Michel Silva e pela aluna da PUC-Rio Cecília Vasconcellos, que participou do projeto Parceiro do RJ, da Rede Globo.
Para Cecília, falar em mídias locais não se restringe a comunidades e periferias. A necessidade de se debater sobre outros espaços e dar voz a profissionais com diferentes vivências foram destacados pela jornalista, que trabalhou mais de um ano na redação da Rede Globo. Segundo ela, a imprensa tradicional ainda tem um posicionamento muito restrito no que diz respeito à multiplicidade de vozes, mas as redes sociais estão cada vez mais cheias de usuários que expõem o que ocorre em lugares nos quais a grande mídia não chega.
– A minha luta é que não precisemos de projeto, que seja orgânico. Precisamos fazer jornalismo para todo mundo, chega de cidade dividida, vamos ser uma cidade só. O jornalista comunitário não pode ser só fonte, produtor de conteúdo. Eles precisam ser vistos como profissionais que são.
Michel também é aluno da PUC-Rio e possui nove anos de experiência com jornalismo nas favelas. Para ele, existem inúmeras críticas à imprensa tradicional, e uma delas é o modo pejorativo com o qual as comunidades são retratadas. Ele acredita que pelo fato de as redações serem compostas majoritariamente por pessoas brancas e de classe média, a vivência na área é desconsiderada no momento de construir uma narrativa. Para ele, isso faz com que haja um apagamento de todas as esferas que uma comunidade pode alcançar.
– Nós percebemos a todo momento como a favela é retratada na ótica da violência. No Fala Roça, decidimos mostrar quem são as pessoas que moram na favela, mostrar cultura. Houve um período em que o Google, por exemplo, retirou as favelas dos mapas. Isso é muito grave, porque é passar um borrão e apagar a história de muita gente. No Fala Roça, reconstruímos o mapa do Google Maps com pontos culturais da Rocinha.
André Fernandes destacou a importância de realizar debates sobre esse tipo de assunto nas universidades. As mídias locais, para ele, são uma forma de disputar com discursos hegemônicos e fazer circular uma comunicação cada vez mais ampliada.
– Existem diferenças, e o trabalho comunitário tem como função, para o profissional, trazer as partes boas de lugares com grande riqueza cultural, porque ocupar os espaços da cidade com cultura é trazer um ganho inestimável – finalizou.