Quatro décadas de memórias e esquecimentos
06/09/2019 17:56
Letícia Messias e Nathalie Hanna

Encontro aborda Ditadura Militar, segregação social e o papel da Lei da Anistia no Brasil

Encontro aborda Ditadura Militar, segregação social e o papel da Lei da Anistia no Brasil. Foto: Evandro Teixeira

Em memória aos 40 anos da Lei da Anistia, o Departamento de Direito organizou o encontro 1979-2019: A memória do esquecimento / 40 anos da Lei da Anistia. Ocorrido no dia 30 de agosto, a programação incluiu duas mesas de debate, a exibição do documentário Depois do Vendaval, e conversas sobre o filme com o diretor José Carlos Asbeg a professora Larissa Corrêa, do Departamento de História.

A primeira palestra teve a presença da psicóloga Vera Vital Brasil, integrante do Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça, e dos professores do Departamento de Direito, João Ricardo Dornelles, ex-integrante da Comissão da Verdade do Rio, Carolina Melo, ex-conselheira da Comissão de Anistia, e o professor José Maria Gomez, da Pós-Graduação em Direito.

Memória, verdade e anistia política

Vera iniciou o debate ao questionar o que é possível comemorar com os 40 anos da Lei da Anistia. Segundo ela, é preciso relembrar a trajetória dos familiares de desaparecidos, dos presos políticos e os espaços clandestinos que foram instituídos pela Ditadura Civil Militar no Brasil a partir de 1964. A psicóloga destacou, ainda, as diferentes formas de repressão que foram instituídas no período.

– Esses setores atingidos envolveram não só as lideranças sindicais, e que foram basicamente atingidas, caçadas e impedidas de estarem presentes em seus espaços públicos. A repressão se fez de formas muito variadas: pela censura, perseguição, afastamento dos trabalhos das pessoas e danos diretos aos corpos das pessoas.

Vera Vital Brasil relembra os anos da Ditadura. Foto: Catarina Kreischer

Vera ressaltou que o país viveu um dos períodos mais longos de ditadura – ao todo, foram 21 anos. A psicóloga relembrou manifestações como o Movimento Feminino pela Anistia, além das pressões internacionais, e destacou essas como as principais causas para o surgimento da Lei da Anistia, em 1979. A palestrante, no entanto, afirmou que os problemas gerados pela lei perduram até os dias de hoje.

– As demandas eram bandeiras de liberdade democrática. Com a Lei da Anistia, houve o direito à liberação das pessoas que estavam exiladas. Mas não foram todas as pessoas, e as consequências disso são graves. O Brasil é um dos países da América Latina que não teve nenhum dos autores dos crimes presos, e é o país em que, hoje, os crimes perpetrados contra as populações pobres e periféricas tem sido o mais alastrado. Isso tem um efeito muito sério porque fala da impunidade dos agentes públicos.

Ex-integrante da Comissão da Verdade do Rio, Dornelles questionou a ambiguidade da Lei da Anistia. Segundo ele, ao mesmo tempo em que a regulamentação teve o poder de parar com perseguições políticas, que era, de acordo com ele, uma das reivindicações da época, a lei também foi estendida aos agentes militares que perpetuaram crimes. 

– Isso é fundamental para entender o que foi a Ditadura Militar no Brasil e o que significou o processo de construção de democracia. E, ao mesmo tempo, entender o que estamos vivendo hoje, com a ruptura do pacto democrático da Constituição de 1988. Eu não acredito que estamos vivendo uma democracia, ou, pelo menos, não uma democracia plena. Há espaços, como os de agora, em que estou falando, mas pode ser que no futuro não exista mais. E, não se esqueçam, entre 1964 e 1968, até o AI-5, esse espaço ainda existia.

João Ricardo Dornelles comenta a ambiguidade da Lei da Anistia. Foto: Catarina Kreischer

Para José Maria Gomez, o tempo presente exige uma caminhada ao passado, para que as pessoas possam entender como ocorreu a forma de dominação política e social que foi a Ditadura Militar e, observou, a sociedade contemporânea é marcada por esse período. Ao tratar da questão da memória, a psicóloga Vera Vital Brasil destacou a Lei da Anistia como uma medida voltada para o esquecimento.

– Essa lei, que abafa a situação dos torturadores, vem concomitante a outras manobras do Estado brasileiro, no sentido de evitar olhar para o passado e levar em conta o passado. De esquecer o passado para olhar o futuro. É a linguagem mais crua para explicar essa manobra que foi feita por muitas pessoas, inclusive da instância jurídica.

Anistia e justiça: entre o passado e o presente 

O Procurador da República Sergio Suiama abriu a segunda mesa. Foto: Gabriela Callado

A mesa da segunda palestra foi formada pelo Procurador da República Sérgio Suiama, que também coordena o grupo de justiça de transição do Ministério Público Federal, e o coordenador do Instituto Raízes em Movimento, sociólogo Alan Brum.

Suiama fez uma abordagem pessoal a partir de ocorrências e fatos dos últimos dez anos para refletir sobre o tema. Ele ressaltou a lei 12.528, que instituiu a Comissão Nacional da Verdade, editada no dia 18 de novembro de 2011, citada pela professora Carolina. Segundo ele, os objetivos, de acordo com a lei, eram dois: efetivar o direito da memória e da verdade histórica, e promover a reconciliação nacional.  

– O tema dessa mesa é um pouco desafiador porque, entre o passado e o presente, existe a justiça. A ideia da lei era que você tenha a recuperação histórica dos fatos e que leve à tona a revelação das ocorrências, dando espaço e oportunidade para que as vítimas possam se expressar e manifestar. É graças à voz dada a essas vítimas, que foram caladas durante o período anterior, que o movimento permitiria uma reconciliação nacional.

O procurador citou o ministro Nelson Jobim que atuou para impedir a revisão da Lei da Anistia. Suima assinalou que é possível perceber que não houve um esquecimento daqueles crimes, e sim uma deliberada intenção de iniciar uma força de esquecimento.

 – Isso é interessante porque, quando falamos em esquecimento, nós pensamos que esquecimento é algo natural, como algo que acontece ali. Se a memória não funcionou, nós esquecemos. Mas nesse caso não houve isso. O que aconteceu foi um movimento deliberado e autoritário para que os fatos fossem esquecidos. Um esquecimento mandado.

Anan Brum fala sobre o Instituto Vladimir Herzog. Foto: Gabriela Callado

Para tratar da questão da memória, Alan Brum citou o trabalho do Instituto Vladimir Herzog. Ele disse que, além de se dedicar à defesa do direito de todos à vida e à justiça, o Vladimir Herzog tem uma perspectiva de trabalhar a memória cronológica institucional.

– A ideia é pensar a memória não só como uma coisa de resgate do passado, mas como um ativo para o futuro. Nós trabalhamos a memória como lembranças para o futuro. É tentar resgatar as lutas de resistência desses espaços, mas que essas memórias sirvam para ações. 

Brum ainda destacou a repressão nas favelas, durante a Ditadura Militar. O sociólogo afirmou que, além de todas as maneiras de violações no período existia uma desqualificação das formas políticas e de organização dessas comunidades.

– Por mais que se reconheça que na ditadura houve um processo mais arraigado da repressão das favelas, quando estamos falando de memória de favela temos que resgatá-la toda historicamente. É difícil fazer o recorte, mas ela traz. Da construção da cidade, das pessoas, relatos fascinantes da história de pessoas que participaram da construção desta cidade e deste país. 

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