Paulo Freire: uma conexão do tempo com a educação popular
21/04/2021 16:04
Núbia Trajano

Professor Emérito da UNICAMP, Carlos Rodrigues Brandão relembra memórias sobre Paulo Freire e aborda o tema educação popular em Aula Inaugural do Departamento de Educação

Professor emérito da UNICAMP, Carlos Brandão ministra Aula Inaugural do Departamento de Educação

Professor emérito da UNICAMP, Carlos Brandão ministrou, no dia 17 de março, a Aula Inaugural do Departamento de Educação. Durante o encontro, cujo tema foi Paulo Freire: Vida e Obra, Brandão, que é também consultor do Instituto Paulo Freire, afirmou que “a pior coisa” ao mencionar Freire é falar somente da pessoa dele, pois o educador era um homem que gostava de trabalhar em equipe. Um dos mais importantes pensadores da pedagogia brasileira e mundial, Freire completaria 100 anos em setembro.

Mestre em Antropologia pela Universidade de Brasília e doutor em Ciências Sociais pela USP, Brandão comentou que a participação na Aula Inaugural do Departamento de Educação foi uma “feliz sincronicidade”. Há 60 anos, em março de 1961, ele ingressou na PUC-Rio para cursar psicologia, época em que só havia um prédio de cinco andares no campus da Universidade. Brandão acrescentou que, após um mês do início das aulas, ele se engajou como militante na Juventude Universitária Católica (JUC). 

- Há uma curiosidade sobre mim. Eu era escalador de montanha, que funcionava na Associação dos Amigos e Moradores da Gávea (AZAGA), e esta associação ocupava uma casinha da vila (Vila dos Diretórios) que existe na PUC-Rio até hoje. Na verdade, eu entrei primeiro na Universidade como escalador de montanhas – brincou. 

Para o professor, é importante citar pessoas que acompanharam de perto o trabalho de Paulo Freire

Ele recordou o início da carreira de Paulo Freire como professor, momento em que o educador abandonou a profissão de advogado por ser um admirador da gramática da língua portuguesa. O período foi um pontapé inicial para a criação do método Paulo Freire. 

- Em 1960, Paulo Freire ingressa na vida universitária, como integrante, com a primeira equipe nordestina, do Serviço de Extensão Cultural (SER).  Uma espécie de precursora das extensões universitárias, na então Universidade do Recife. Lá, eles criam o método Paulo Freire. 

Para o professor, é importante citar pessoas que acompanharam de perto o trabalho de Paulo Freire. Segundo Brandão, o filósofo sempre foi uma pessoa de equipe, e é “injustiça” pensar no educador sem falar da esposa Elza Freire, que Brandão qualificou como a mentora pedagógica de Freire. Ele também lembrou a presença da filha do casal, Madalena, e dos amigos Augusto Boal e Hernani Maria Fiori, que estiveram no exílio no Chile com ele. 

- Paulo Freire nunca fez nada sem a equipe. Primeiro, a equipe do Serviço de Extensão Cultural (SER), primeira equipe nordestina. Depois, no Chile, com o político Jacques Chonchol, e, exilado em Genebra, fundou o Instituto de Ação Cultural (IDAC). Por último, o Instituto Paulo Freire, criado por amigos, lugar em que ele atuava antes dias antes de morrer. Era um homem conectivo, da conjunção “e”. E é só assim que eu consigo pensar nele.

Em janeiro de 1962, em Recife, foi realizado sob a coordenação da equipe Paulo Freire, o primeiro encontro brasileiro de Movimentos de Culturas Popular (CNCPS). Por meio de um conjunto mais amplo de atividades contestadoras e emancipadoras da Cultura Popular foi elaborado o sistema Paulo Freire de Educação. Neste mesmo ano, revelou Brandão, a PUC-Rio também fez história quando padre Henrique da Lima Vaz ditou um manifesto do DCE da Universidade.

- Preciso citar uma memória importante na PUC-Rio. Em 1962, o Diretor Central dos Estudantes da Universidade dita um manifesto do DCE da PUC-Rio, que, inclusive, naquele tempo, repercutiu mais do que o próprio Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire. Foi parar nos jornais da França, e o mentor deste manifesto era também o nosso mentor, o padre Henrique da Lima Vaz, jesuíta  e o nosso assessor de educação de base. Clandestinamente, não se podia saber que era o assessor da juventude universitária católica. 

Brandão afirmou que para compreender a obra de Paulo Freire é preciso de uma proposta de humanização por meio, também, da educação “quando se conecta com o tempo e o espaço à educação popular”. 

Brandão leu alguns trechos de cartas escritas por e destacou uma enviada para a prima do educador Nathercia Lacerda, apelidada de Nathercinha, na qual ele demonstra preocupação com o cuidado que deve ter com as crianças para que todas elas “possam rir” . 

Decano do CTCH, professor Júlio Diniz

A palestra foi mediada pelo Decano do CTCH, professor Júlio Diniz e o doutor em Ciências Humanas, professor Renato Costa, do Departamento de Educação. Diniz lembrou que o papel do educador é resistir, questionar, pesquisar e continuar a formar novas gerações. Segundo ele, mostrar o lugar da potência que as narrativas da memória apresentam. O Decano do CTCH ainda citou uma conhecida frase do músico Caetano Veloso, que diz que “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.

- O avanço da barbárie é tremendo. Estamos em um momento distópico, da incomunicabilidade e, o mesmo tempo, de um avanço da pandemia, que não é só sanitária, mas também moral, ética, política e econômica. A morte do educador é a morte do poeta. Antes de tudo, o educador é esse lugar da sensibilidade, da força da palavra, do afeto e, ao mesmo tempo, da pesquisa, do método, do compromisso social. 

Doutor em Ciências Humanas, professor Renato Costa, do Departamento de Educação

Para o professor Renato Costa, a juventude do JUC, retratada no período da Ditadura Militar, constituída pela militância, reflete firmemente como se desenvolveu a educação popular no Brasil nos dias atuais. Segundo ele, a educação que foi difundida durante a ditadura pôde ser reinventada nas décadas de 1970 e 1980. 

Carlos Brandão observou que o grande perigo está na “sutil ditadura”, que se apóia na informática, no pragmatismo e no produtivismo.  Segundo ele, deve-se estar atento como o mundo universitário está colonizado por esta ditadura. 

- A ditadura que estamos vivendo não é bolsonarista não, ela é fichinha. Inclusive como eles são muito burros, ela está sendo desenvolvida a um nível muito primário. Nós estamos debaixo de outra ditadura, esta, sim, planetária, globalizada e muito mais perversa. Como é que o mundo empresarial está se inserindo não só do mundo da experiência, da docência, mas inclusive, do mundo da pesquisa. Validando pesquisas, destinando verbas. Como é que de uma maneira sutil, silenciosa, às vezes até de uma propaganda muito bem feita.

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