Descendente de um dos cinco fundadores da cidade do Rio de Janeiro, o historiador Milton Teixeira ministrou uma palestra virtual sobre curiosidades memoráveis da capital fluminense e, logo no início, o professor provocou uma polêmica: ele tentou desconstruir a ideia de que os índios eram os únicos guardiões da natureza e os europeus foram os responsáveis pela destruição ambiental e da população nativa. Segundo ele, as aldeias tinham vida útil de 50 anos e, depois deste tempo, era necessário buscar uma área com mais recursos.
Organizada pelo Centro Loyola de Fé e Cultura, a aula foi uma homenagem ao Rio de Janeiro, fundado no dia 1º de março – o mesmo mês do aniversário da instituição. Milton Teixeira expôs, de maneira descontraída e bem-humorada, as diferentes fases de ocupação do território carioca ao longo dos séculos. O pesquisador apresentou os povos que habitaram a região em diversos momentos da História e, em um segundo momento, mostrou mapas, gravuras, ilustrações e fotos antigas da cidade.
Teixeira deu ênfase à Baía de Guanabara porque, segundo ele, a região costuma ser esquecida nos aniversários da cidade. O historiador disse que não há consenso entre os estudiosos quanto à data da ocupação inicial da baía, mas acredita na tese da arqueóloga Maria da Conceição Beltrão. A cientista acredita que os primeiros habitantes de lá viveram há cerca de dez mil anos e tinham uma cultura primitiva. No século VIII, povos da Amazônia migraram para o litoral, e a mistura entre os hábitos dos diferentes grupos resultou na formação da cultura tupi-guarani, indígenas “evoluídos em quaisquer aspectos”, nas palavras de Teixeira. Por outro lado, o professor destacou aspectos negativos, como a tendência a guerras entre tribos.
– Não pensem que o índio mantinha a natureza. Na verdade, ele também devastava tudo e acabava com a caça. É muito interessante lembrar que eram tribos guerreiras. Nada de ter uma visão idílica dos índios. Há historiadores que chegam a afirmar que quem mais matou índio foi o próprio índio. Eles viviam em uma guerra eterna. A população era limitada por um controle da natalidade muito prático: a mulher só podia ter dois filhos. Se tivesse mais um, ela tinha que dar para uma moça sem filhos, ou abandonava a criança na floresta.
Milton Teixeira destacou o trabalho do cosmógrafo Américo Vespúcio, o principal responsável pelo mapeamento do litoral brasileiro. O navegador esteve na América dez meses antes de Pedro Álvares Cabral, identificou e batizou os acidentes geográficos do novo continente. Em 1502, Vespúcio percorreu a costa da América e nomeou os lugares de acordo com o santo do dia em que as descobertas aconteciam. No dia 4 de outubro, encontrou um rio e o batizou de São Francisco; no dia 1º de novembro, avistou uma baía na região Nordeste e a intitulou de Baía de Todos os Santos. No caso do Rio de Janeiro, não havia na época um santo celebrado no primeiro dia do ano e, portanto, ele escolheu o mês para nomear a região. O professor refutou, ainda, a hipótese de que os europeus confundiram a Baía de Guanabara com a foz de um grande rio. Para ele, a dúvida ocorre por conta do vocabulário antigo ser diferente do atual.
– Vocês acham que os maiores navegadores do mundo, que navegaram pelos sete mares, vão fazer uma confusão tão chula? De jeito nenhum. Na verdade, Américo Vespúcio deu um nome certo. O termo usado na época para definir a entrada de baía era “ria”. Ria de Janeiro, que com o tempo acabou virando Rio de Janeiro.
Pão de Açúcar, baleias e igrejas
Na segunda parte da exposição, o historiador compartilhou cerca de cem imagens antigas da Baía de Guanabara e de diferentes pontos da cidade maravilhosa. Um dos principais contrastes entre os primeiros mapas e a região hoje em dia é o Pão de Açúcar. O atual ponto turístico formava a Ilha da Trindade, junto aos morros da Urca e Cara de Cão, e só foi acoplado ao continente no século XVII. Além disso, o historiador ressaltou a visão que os europeus tinham em relação às baleias. Eles superestimavam o perigo destes mamíferos, mas elas eram normalmente inofensivas. No entanto, foram caçadas para a obtenção de óleo, muito utilizado na construção civil e na iluminação pública.
Teixeira mostrou um desenho da Igreja de Santa Luzia, no centro da cidade, criado pelo artista francês Barthélemy Lauvergne. A ilustração de 1836 reproduz o templo de frente para o mar, já que a demolição do Morro do Castelo e o aterro da região, onde hoje está o Aeroporto Santos Dumont, ocorreram no século XX. A igreja foi erguida em 1592 por frades franciscanos e a praia a sua frente deu lugar à Avenida Presidente Antônio Carlos. Segundo o historiador, a Rua Santa Luzia só foi aberta em 1817, quando Dom João VI quis visitar o santuário para pagar uma promessa. Antes, o acesso à igreja era precário: os fiéis precisavam caminhar por dentro do prédio da Santa Casa da Misericórdia.
Outra gravura apresentada pelo professor foi a primeira fotografia da Baía de Guanabara, tirada por Henry Klumb do alto do Morro do Castelo, que registra a Igreja de São José em primeiro plano. À direita, está a Assembleia Legislativa (ALERJ); à esquerda, o Edifício Estácio de Sá. É possível ver ainda a Praça XV no meio da gravura e a Ilha das Cobras ao fundo, praticamente intacta. Hoje, ela abriga o Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro e outras construções da Defesa brasileira.
A palestra está disponível na íntegra no canal do Youtube do Centro Loyola. Para assistir, clique aqui.