Mais de um mês depois do início da guerra Rússia-Ucrânia, a disputa no tabuleiro de xadrez continua incerta, não há ainda um xeque-mate. A questão principal em jogo é o maior isolamento da Rússia diante o mundo. O presidente e fundador da Eurásia, principal consultoria de risco político dos Estados Unidos, Ian Bremmer, alertou que o país será desvinculado do Ocidente para sempre. O professor Márcio Scalercio, do Instituto de Relações Internacionais (IRI) considera que a declaração foi um pouco exagerada e até drástica diante do cenário atual.
- Eu fiquei chocado com o discurso de Bremmer, para sempre é muito tempo. Esta é uma declaração dada no meio das labaredas de uma guerra em andamento, de uma pessoa que tem lado na guerra. Na guerra não há informação, o que há é contra-informação. No final das contas, só teremos noção do que aconteceu quando a guerra acabar. Todas as declarações propagadas por lideranças são tomadas por lados da guerra. Eu não entendo a própria noção do que significa ‘para sempre’ em uma declaração política. Creio que ele está tentando aumentar a dramaticidade dessa relação como objetivo político.
Com estudos em história militar, o professor do IRI relata que existe a possibilidade de novas linhas de demarcação, pois, de acordo com ele, isto acontece em todas as guerras. Mesmo que a Rússia e Ucrânia entrassem em acordo, isto significaria uma nova ordem mundial. Para especialistas, esta nova demarcação encapsularia as nações que não estabeleceram sanções à Rússia.
A China é um dos países que não assinou a resolução na Assembleia Geral da ONU, que deplora os ataques russos contra a Ucrânia. Para alguns especialistas do assunto isto representa uma união com a Rússia. Scalercio e o professor Maurício Parada, do Departamento de História, são unânimes com relação ao modus operandi da China: “A China é a melhor amiga da China”. Eles refutam a ideia de que os chineses tenham alguma aliança com a Rússia e segundo Parada, o país fará o que for possível para manter o que lhe é conveniente.
- O chinês cuida muito claramente de seus próprios interesses e eles vão mudar na medida do possível. Eles não têm pudor em relação a isso. Nesse sentido, os chineses têm um papel importante, mesmo não estando diretamente envolvidos no conflito.
A União Europeia é um bloco historicamente lento em tomar decisões unificadas, mas desta vez, foi mais ágil ao desestabilizar os ataques russos. Parada lembra que, muitas vezes, a OTAN demora a agir por ser multilateral, que precisa de uma anuência de todos os países envolvidos para poder organizar as suas intervenções. Para ele, este é um confronto de “desgaste”, que ultrapassa a questão de uma guerra fronteira-militar.
- Quando se alonga o tempo, quando se desgasta, coloca-se em questão a decisão de cada um, mas não necessariamente amanhã de manhã e nem daqui a uma semana as sanções econômicas farão efeito.
Scalercio considera que a OTAN sairá desta crise politicamente fortalecida, mas aponta que algumas questões que estavam adormecidas desde a Segundo Guerra Mundial vieram à tona com o conflito.
- O temor russo voltou a aquecer os corações apavorados dos europeus ocidentais, especialmente dos alemães e dos poloneses. E acho que isso pode levar a um reposicionamento de recursos militares americanos, aumentando novamente a presença americana na Europa. A Alemanha já disse que vai aumentar muito os gastos de defesa dela. Para o mundo, isto é preocupante, pois ela não fazia isso desde 1945, muitos terão recordações ruins sobre o assunto.
A Rússia é grande exportadora de commodities - gás natural, petróleo, armas e grãos - dos quais o mundo depende, como por exemplo, o caso da Alemanha, que há quase 50 anos necessita do gás russo. No dia 29 de março, o presidente Vladmir Putin anunciou que a versão mais nova do gasoduto Nord Stream 2 já está pronta para ser utilizada. Mas, observa Scalercio, as chances de os alemães e de outros países europeus manterem as sanções por muito tempo são poucas, pois o gás natural que vem da Arábia Saudita e dos Estados Unidos é difícil de ser transportado e, consequentemente, mais caro do que o gasoduto russo. Mesmo que a Alemanha tenha declarado um plano de energias sustentáveis, o professor Marcio Scalercio questiona a escolha do país.
- Eles vão usar energias alternativas, não estou falando de vento e energia solar, estou falando de usina nuclear. Os defensores da energia nuclear apontam que ela é limpa, sim quando não causa acidentes, porque, quando malfeita, a catástrofe pode durar muitos anos. As opções não russas para Ucrânia são péssimas. Não sei por quanto tempo os alemães vão conseguir se proteger do frio pagando caro, sem ter gás russo. Não sei esse patriotismo alemão e a solidariedade a Ucrânia dura por tanto tempo.