Pensar de forma estratégica a Universidade
20/10/2023 15:00

Série Especial: Entrevista com os Vice-Reitores

A missão da VRDI é pensar estrategicamente a PUC-Rio e planejar o futuro. (Fotos de Kathleen Chelles)

Há pouco mais de um ano, o professor Marcelo Gattass assumiu a Vice-Reitoria de Desenvolvimento e Inovação com a missão de pensar estrategicamente a Universidade e planejar o futuro. Uma das frentes de trabalho é ampliar modelos de projetos bem-sucedidos da área de tecnologia para as áreas humanas, biomédicas e sociais. Essa expansão tem como carros-chefes o Gávea Carioca e o Amazonizar.

Engenheiro formado pela PUC, com Doutorado pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, Gattass tem ampla experiência no campo da Ciência da Computação e é Professor Titular do Departamento de Informática desde 1992. Em 2019, ganhou o prêmio Personalidade Inovação da ANP (Agência Nacional do Petróleo). Ele esteve à frente do agora Instituto Tecgraf durante 36 anos, desde a sua fundação, e acompanhou de perto o êxito de projetos patrocinados inovadores como o de estabilidade de plataformas após o afundamento da P36 e controle de exsudação dos campos da costa brasileira, além da criação da linguagem de programação Lua.

Na série de entrevistas do JORNAL DA PUC  com os Vice-Reitores, o professor Gattass afirma que “A Universidade pensa o futuro e, por isso, pode ter atividades que hoje não estão na pauta da sociedade”.

 

A partir da missão da Vice-Reitoria de Desenvolvimento e Inovação, que desafios se impõem neste momento para a Universidade?

Prof. MARCELO GATTASS - A estrutura da Reitoria da PUC-Rio foi redefinida nesta administração e a Vice-Reitoria de Desenvolvimento e Inovação, VRDI, que estou dirigindo, teve seu papel ampliado, não só para incluir inovação, mas, principalmente, para pensar estrategicamente a PUC-Rio, avaliar onde estamos, quais são as oportunidades e planejar um futuro. Entendo que os desafios, neste momento, são fazer um diagnóstico correto da situação atual e apontar onde se pode e se quer estar no futuro.

 Somos a PUC-Rio, uma organização plural em muitos sentidos. Pode-se dizer que constituímos uma rede solidária de unidades orquestradas que busca formar profissionais competentes, conscientes e capazes de se engajar numa reflexão permanente sobre as importantes questões da humanidade. É importante ter este objetivo em mente porque ele é mais amplo que as atividades de ensino, pesquisa, desenvolvimento, extensão e inovação. Na avaliação realizada da situação atual da Universidade, concluímos que é necessário melhorar a gestão dessas atividades para garantir o futuro. Este é o grande desafio de hoje.


Do ponto de vista estratégico, qual o papel dos projetos patrocinados para a PUC-Rio?

 Prof. GATTASS - Na década de 90, o subsídio governamental para pesquisa que a Universidade recebia foi interrompido. A receita obtida dos projetos patrocinados foi importante para manter a pesquisa na PUC-Rio, especialmente os laboratórios e a infraestrutura computacional. Com os projetos patrocinados, a pesquisa continuou e cresceu, a ponto de a PUC-Rio ser, hoje, a principal Universidade privada de pesquisa do país. Dois terços de nossos cursos de pós-graduação têm notas máximas na avaliação da CAPES/MEC.

Nos últimos anos, com o advento do ensino a distância, a procura pelo ensino presencial reduziu significativamente. Apesar de ter perdido menos que as entidades congêneres, a PUC-Rio teve reduzida cerca de 30% de sua receita com anuidades. A inexistência de uma crise financeira deve-se à busca incessante por novas fontes de financiamento. Aumentou-se muito o volume de projetos patrocinados por empresas e, hoje, a PUC-Rio é uma das universidades no mundo que tem mais parcerias.

Os projetos patrocinados permitem ainda relacionar atividades de ensino e pesquisa com os desafios que a sociedade enfrenta. Isso é, também, muito importante na missão da VRDI: estar conectada com os problemas atuais.


Quais são as parcerias e os projetos estratégicos que a PUC-Rio começa a desenvolver no momento?

Prof. GATTASS - A grande parceira da PUC-Rio, na área de desenvolvimento e inovação, tem sido a Petrobras. Com a chegada de outras petroleiras ao mercado brasileiro, foram acrescentados novos parceiros no setor de petróleo e gás. O papel da PUC-Rio sempre foi o de apoiar essas empresas a superar seus desafios tecnológicos, o que, na maioria das vezes, implica aumentar a segurança da operação e mitigar os riscos para as pessoas e o meio ambiente.

Nas últimas décadas, a humanidade acordou para a necessidade urgente de cuidar do planeta. Ressaltando que o Papa Francisco tem sido uma das vozes mais insistentes neste sentido, a PUC-Rio, naturalmente, abraçou também os novos projetos de transição energética com alegria.

Hoje, o portfólio de projetos com a indústria de óleo e gás inclui projetos de energias renováveis, mobilidade e descarbonização. Desenvolver novas formas de gerar energia, de gerenciar sua distribuição, de sequestrar gases de efeito estufa estão nas metas de muitos dos nossos projetos atuais. Mesmo no Brasil, que possui uma matriz de geração de energia elétrica das mais limpas do planeta, há problemas de geração de gases de efeito estufa no transporte e na indústria. Existe muito o que pesquisar e realizar nesta área.

Nos projetos citados até agora, predomina o lado tecnológico da Universidade. A missão da VRDI nos impulsiona a ampliar esse modelo para as áreas humanas, biomédicas e sociais. Essa expansão tem sido pensada com dois novos projetos estruturantes: Gávea Carioca e Amazonizar.


O Gávea Carioca pensa no que é a PUC-Rio para a cidade do Rio de Janeiro. Localizada entre o Leblon e a Rocinha, dois bairros muito diferentes, que podem ser unidos em cultura, esporte, inovação, empreendedorismo e gastronomia. A PUC-Rio pode e vai ajudar o Rio a se tornar uma cidade mais humana, mais integrada e criativa, com geração de riqueza, pois tem conhecimento e equipamentos para isso. Estamos trabalhando para viabilizar a construção de um auditório e de um novo centro esportivo para apoiar melhor esses projetos. Acreditamos que projetos transformadores da sociedade atraiam doadores e beneméritos. Por exemplo, ex-alunos podem e querem colaborar mais do que colaboram hoje, nas palavras deles. Já existe um trabalho conjunto com eles para institucionalizar o processo de doações.

Enquanto o projeto Gávea Carioca pensa o Rio, o Amazonizar pensa o planeta. É uma rede articulada pela PUC-Rio, envolvendo instituições científicas, Missões da Igreja, empresas, organizações e sociedades para estudar e propor soluções sustentáveis para Amazônia, preservando o meio ambiente e valorizando os povos originários. O objetivo do metaprojeto Amazonizar é contribuir com ações estratégicas que reverberem globalmente, criando uma rede de instituições e projetos apoiada por entidades do mundo todo.

Finalmente, devemos mencionar mais um projeto importante: a Medicina. As áreas tecnológicas e humanas da PUC-Rio nos dão condições para formar um médico diferenciado para a sociedade brasileira: um médico humanista que entenda das tecnologias hoje utilizadas na medicina. Mais ainda, nosso potencial de pesquisa que hoje está dedicado à transição energética, pode produzir excelentes resultados na área biomédica. É um futuro que estamos trabalhando para criar.

 'A PUC-Rio pode e vai ajudar o Rio a se tornar uma cidade mais humana, mais integrada e criativa, com geração de riqueza'

Qual é a importância dos institutos da Universidade que interagem com a sociedade e que buscam modelos sustentáveis?

Prof. GATTASS -  A importância dos institutos, no conceito da VRDI, é garantir governança e com ela poder priorizar as ações da PUC-Rio e o uso de seus espaços. Os institutos da VRDI são unidades complementares autossustentadas da PUC-Rio que têm objetivos alinhados com as demandas da sociedade e que agem para apoiar nossa missão. Eles são uma estrutura ágil, focada e eficiente de fazer desenvolvimento maximizando os benefícios e mitigando os riscos para a Universidade.


Hoje, no organograma da Vice-Reitoria de Desenvolvimento e Inovação existem quatro institutos, todos autossustentados: Tecgraf, Gênesis, ECOA e IMES. A PUC-Rio tem laboratórios e outros institutos. Alguns apoiam a Universidade, como os citados acima, outros ocupam espaço e absorvem recursos, sem atividades produtivas. Quando todos atuarem como os quatros nomeados, a PUC-Rio vai ter uma infraestrutura moderna, com uma mensalidade menor, com mais bolsas de estudo e fazendo um volume maior de projetos sociais. 

 Como construir ou alimentar uma cultura de inovação dentro da Universidade? E como esse tema pode ser trabalhado nas diferentes áreas de conhecimento?

 Prof. GATTASS -  Desenvolver projeto é uma atividade que envolve captação de recursos e gestão. Apesar da atividade de desenvolver projetos ser forte na área técnico-científica, ela não é totalmente madura nela. Ainda existem laboratórios que fazem bem a captura de projetos, mas não os gerenciam da melhor forma para PUC-Rio.

 A Vice-Reitoria de Desenvolvimento e Inovação está estruturada em Coordenações Centrais para atuar junto com os pesquisadores e ajudá-los a desenvolver projetos. A Coordenação Central de Parcerias e Inovação, CCPIN, a cargo do Gustavo Robichez, apoia os pesquisadores com a visão 360 graus das oportunidades e com o desenvolvimento de relacionamentos institucionais com a sociedade.

Quando o pesquisador tem um cliente e uma ideia de projeto, deve procurar a Coordenação Central de Projetos Patrocinados, CCPP, a cargo do Carlos Cassino. A CCPP ajuda na negociação, recomenda o projeto para o Reitor assinar, acompanha a execução e a prestação de contas, de forma a garantir a sua sustentabilidade e conformidade.

Se o projeto envolver uso de área da Universidade ou aquisição de equipamentos, a CCPP aciona a Coordenação Central do Parque Tecnológico, CCPAR, a cargo do Luiz Silva Mello. A Coordenação tem como missão organizar e otimizar o uso de todos os espaços e equipamentos da Universidade. Cabe a ela garantir que os laboratórios estejam sempre ativos e instalados, de forma a atender às exigências atuais de segurança e conformidade. O professor que conduz a pesquisa e traz o equipamento deve trabalhar com a CCPAR para alinhar seu laboratório com essas metas.


Se houver uma questão de propriedade intelectual, a CCPP contata a Agência de Inovação da PUC-Rio, AGI/PUC-Rio, a cargo do Bruno Feijó. Da mesma forma, se o projeto envolver empreendedorismo e a criação de startups, a VRDI pode apoiar através do Instituto Gênesis, a cargo do Leonardo Lima.

 Pode parecer complicado, mas não é. Quem quiser desenvolver um projeto e não tiver um cliente deve procurar a CCPIN. Quem já tiver um projeto em mente procure a CCPP. O Robichez e o Cassino vão orientar o restante. Estamos no processo para ajudar. Vamos promover encontros, palestras e cursos para despertar a comunidade PUC-Rio para a inovação.

 'A Universidade tem, também, no seu quadro, professores e pesquisadores experientes, com muita visibilidade externa e que podem ajudá-la, independentemente da idade'


Como a Vice-Reitoria pretende trabalhar o protagonismo dos professores/pesquisadores que ajudam a construir a instituição como referência acadêmica?

Prof. GATTASS - O Doutorado não forma, necessariamente, pesquisadores capazes de desenvolver projetos patrocinados. A PUC-Rio possui um quadro de pesquisadores bastante competentes, mas nem todos são competentes em inovação. A cultura criada nas décadas de financiamento da FINEP para nossa pesquisa ainda permanece. Existem laboratórios e institutos que operam com recursos da Universidade para pagar funcionários e insumos. Infelizmente, isso é economicamente inviável. Precisamos buscar recursos externos para todas as atividades que tenham possibilidade de serem financiadas.

A Universidade tem, também, no seu quadro, professores e pesquisadores experientes, com muita visibilidade externa e que podem ajudá-la, independentemente da idade. Segundo o regulamento, os professores, por exemplo, obrigatoriamente, se aposentam de suas atividades acadêmicas por volta dos 70 anos. Se quiserem continuar no quadro de pesquisa, desenvolvendo projetos, são muito bem-vindos. Não se pode desperdiçar talentos. Talentos que são necessários para a sustentabilidade financeira, para que substitutos sejam treinados e para ajudar a criar novos institutos. A VRDI vai trabalhar para perenizar o legado desses professores na PUC-Rio.

Em que medida o desenvolvimento da Universidade deve ser norteado pelo impacto de suas pesquisas sobre a sociedade?

Prof. GATTASS -  A PUC-Rio é uma rede solidária de competências e saberes. Nem todo saber consegue ser medido pelo seu impacto na sociedade atual. A Universidade pensa o futuro e, por isso, pode ter atividades que hoje não estão na pauta da sociedade. Essas atividades, entretanto, devem ser limitadas a nossa capacidade de financiá-las. A decisão de que atividades merecem subsídios deve ser objeto de uma reflexão que envolve necessariamente a Reitoria. 

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