Diversos olhares, um único homem
10/04/2013 18:56
Felipe Marques / Flavia Espíndola

Cineasta vive momento especial e colhe homenagens

Considerado um dos precursores do que hoje se entende por linguagem de documentário, Sílvio Tendler vive momentos de prosperidade como cineasta e professor. O carioca de Copacabana, de 63 anos, tem a importância da obra reconhecida pela sociedade civil ao ser um dos escolhidos para receber, no dia 1º de abril, a Medalha Chico Mendes de Resistência. Esta é apenas uma das homenagens que integram o calendário de Tendler para este ano.
Concedida pelo Grupo Tortura Nunca Mais, em parceria com a Associação Brasileira de Impressa (ABI) e com diversas outras instituições presentes no âmbito dos direitos humanos, a Medalha Chico Mendes de Resistência é oferecida àqueles que atuam em lutas sociais. Tendler recebeu a medalha na sede da ABI, no Centro do Rio, e considera-se privilegiado.
– Não sei se outros cineastas já ganharam, mas, para mim, é uma honra, porque faz com que minha vida e meu trabalho transcendam tanto o mundo acadêmico quanto o mundo do cinema. Eu passo a ser reconhecido como alguém que é importante para a sociedade - comenta.
Professor do Departamento de Comunicação Social, o diretor de cinema está em um momento especial. Ele se recupera de uma complicação na medula que o deixou tetraplégico, em dezembro de 2011. Engajado em cinco grandes projetos cinematográficos e sua biografia, o cineasta realiza a colheita das sementes que plantou, com muito empenho e convicação, ao longo de uma vida. Prêmios e homenagens viraram rotina. No ano passado, a Universidade o agraciou com o Notório Saber, prêmio concedido àqueles que não têm título de doutorado, mas possuem conhecimento equivalente.
– Eu ganhei esse prêmio da PUC porque ela reconheceu que o conjunto da minha obra equivale a mais do que um doutorado – observa, orgulhoso.
Tendler também terá um de seus trabalhos exibido na edição 2013 do É Tudo Verdade, o maior festival de documentários da América Latina. Jango (1984), que narra a história do presidente brasileiro João Goulart, será exibido e discutido ao lado de obras do cineasta russo Dziga Vertov, artista homenageado.
– O meu colega que vai ser homenageado é o Vertov, que é o papa dos documentários na história do cinema. Só por eu ter sido escolhido para participar do É Tudo Verdade junto do Dziga Vertov já faz eu me sentir reconhecido. Tem também o Festival de Recife, este ano, no dia 1º de maio, que também vai me homenagear, o Festival de Anápolis, o Cidadão de Niterói... Então acho que por este ano, tá bom, não é? – brinca.

Para a editora cinematográfica Virgínia Flores, Sílvio Tendler é um dos poucos cineastas brasileiros que se posiciona em relação ao país. Para ela, os filmes do cineasta sempre propõem debates interessantes por inserirem temas relativos à cidadania, meio ambiente, política, ética, cultura, história.
– Seu cinema é vivo e atuante, coisa rara nos dias de hoje e tão necessária para que um povo, uma nação, tenha em suas mãos a condução do seu desenvolvimento – afirma.
Nascido em 12 de março de 1950 e filho de judeus imigrantes, Tendler morou em Copacabana, na Rua Raimundo Correia, ao lado de três grandes cinemas, o Copacabana, o Arte Palácio e o Metro. Sua família possuía um projetor Bell and Howell e toda sexta-feira o pai levava filmes em 16mm para assistirem durante o fim de semana.
– Eu vivi em um ambiente que pulsava cinema – relembra.
Quando jovem, entre festivais e cineclubes, Tendler começou a perceber que pessoas como ele também podiam fazer cinema. Na época, por causa dos protestos estudantis cada vez mais frequentes, o cineclubismo se tornou um instrumento de expressão política. Aos 19 anos, ele deixou o Brasil e foi para o Chile para ver de perto o que era um regime socialista. O candidato do Partido Socialista, Salvador Allende, havia vencido as eleições nacionais com maioria estreita dos votos. Enquanto estava fora do Brasil, a mãe de Tendler foi presa e torturada.
– Nunca me senti uma vítima feroz da ditadura. Sou, enquanto geração, minha mãe é enquanto pessoa – diz.
Em 1972, Tendler foi para a França, onde se formou em História pela Universidade de Paris VII. Lá, ele completou diversos cursos de cinema, além de agregar várias experiências profissionais ao currículo e à carreira, como um congresso de antipsiquiatria onde afirma que o menos louco era ele.
– Foi um período muito rico, muito intenso. Fui ao cinema ver um filme sobre Sartre, quando saí o Foucault estava passando na minha frente. Aí atravessando a rua estava o François Mitterrand, que seria candidato à presidência – lembra, rindo.
Seja amigo, colega ou conhecido, não há quem não admita o quanto Tendler contribuiu ao cinema brasileiro. Todos usam bons adjetivos para descrevê-lo, sempre destacando a relevância do papel social e inovador de sua obra.
– Os filmes de Tendler são resgates da memória do Brasil, para provocar seus espectadores a refletir sobre os rumos do nosso país. Não é possível falar do cinema documentário nacional sem lembrar o nome de Silvio Tendler. Ele faz do cinema uma arma de reflexão, um ponto de partida para discutir e pensar o mundo. A dedicação do cineasta a essa causa impressiona – comenta Sergio Mota, professor de Cinema Brasileiro do Departamento de Comunicação.
– Além de inovar a linguagem do documentário, Tendler criou um subgênero dentro deste: o documentário histórico-político – diz Denise Lopes, professora de Semiologia e Teoria Cinematográfica.

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