Todos juntos pela cultura da paz
02/10/2015 17:14
Matheus Paulo Melgaço / Ilustração: Diogo Maduell

Professores destacam desigualdade social como elemento para conflitos. Debate e reflexão sobre como superar a violência indicam caminhos para construção de mundo mais justo.


Intelectuais, instituições civis e profissionais de diversas áreas pelo menos uma vez já se perguntaram até onde pode ir a violência. Guerras civis em diversos países da África, as atrocidades cometidas pelo Estado Islâmico no Oriente Médio, o extermínio de milhares de judeus nos campos de concentração na II Guerra Mundial, os ataques do 11 de setembro às Torres Gêmeas ou mesmo barbáries de menores proporções, mas tão cruéis e aterrorizantes, como estupros coletivos e as chacinas em diversas cidades brasileiras. Diante dessa realidade, refletir como pode ser possível superar as diversas formas de violência e promover a cultura da paz na Casa Comum – como o Papa Francisco se referiu ao planeta – mostram-se cada vez mais urgentes.

A origem da violência e as possíveis situações para superá- la foram alguns dos temas debatidos no Simpósio Internacional de Teologia da PUC- -Rio, entre os dias 8 e 10 de setembro. Nele, houve um consenso entre os palestrantes: a cultura da paz começa em cada um, a iniciativa para transformar o mundo em um lugar melhor deve partir de cada indivíduo, independente do credo.

As religiões sempre foram vistas como instituições capazes de promover iniciativas em vista da paz e do bem comum. O que destoa, atualmente, com os conflitos gerados pela intolerância, fanatismo ou extremismo de certos grupos religiosos, que dificultam a construção da paz no mundo. Diretor do Departamento de Teologia, padre Leonardo Agostini, destaca que é uma missão da Igreja evangelizar e buscar conciliar conflitos que emergem frequentemente na sociedade. O professor relembra que no Concílio do Vaticano II foi elaborado a Gaudium et Spes (Alegria e Esperança) – a quarta das constituições do Concílio – que no século XX promoveu encontros e debates sobre diversas questões acerca da sociedade moderna e a postura da Igreja perante ela

– A presença da Igreja no mundo é levar uma mensagem de reconciliação que transforme as culturas a partir de dentro. Durante o Concílio do Vaticano II, a Igreja enfrentou corajosamente o tema dos conflitos e da guerra não apenas dirigindo um apelo de paz e de reconciliação entre as superpotências de então, mas realizando uma verdadeira análise das raízes que geram os conflitos no mundo.

Padre Agostini afirma ainda que a base da promoção da cultura da paz deveria estar em um exercício diário de construção e preservação pelo qual cada novo ser humano pudesse encontrar esforços transformadores capazes de garantir a vida em todas as etapas.

– Se a vida for protegida e considerada o valor mais sublime, e se cada pessoa aceitar ser responsável, não apenas pelo seu bem mas também corresponsável pelo bem do próximo, estará, em última análise, respondendo, com altruísmo e alteridade, aos próprios anseios de vida, de felicidade e de paz. Este é um apelo que o Papa Francisco assumiu como prioridade na Exortação Evangelii Gaudium e, mais recentemente, na Encíclica Laudato Si.

Na televisão, na rádio, nas capas dos jornais, revistas, e na internet. Cotidianamente, a sociedade recebe centenas de informações sobre a violência urbana. O professor Miguel Serpa Pereira, do Departamento de Comunicação Social, acredita que a repercussão da violência nos meios de comunicação amplia o significado da notícia e gera um medo na população. Segundo Pereira, ao produzirem uma notícia, os jornalistas devem contextualizar o fato para gerar uma reflexão sobre as informações.

– A exposição excessiva da violência gera um pensamento de que a violência ocorre em todo lugar e a qualquer momento. É necessário contextualizar as notícias, vê-las na sua visão mais complexa e não apenas no simples fato de que se está noticiando uma violência. O ato não pode ser apenas uma exposição, ele tem de ser entendido como tal. Se não há uma reflexão sobre, cria-se uma dicotomia entre o bem e o mal. Assim, em vez de dialogar, cria- -se mais violência – explica.

Para o professor, o jornalismo sensacionalista não contribui para a formação do público.

– O cidadão percebe que esse jornalismo não acrescenta. Não leva a satisfazer a própria necessidade de informação das pessoas. Ele está mais na manchete do que nos fatos. Quando elas leem o jornal, veem que o fato não é o que leram na manchete. As pessoas percebem e são críticas a isso. O sensacionalismo é um desserviço à população, não tem função social alguma. Trabalha pelo negócio. É um erro, um equívoco – afirma.

A polícia cidadã e pacífica é um caminho para a cultura da paz. A afirmativa é da professora do Departamento de Ciências Sociais Sarah Silva Telles. No entanto, ela ressalta que há um longo caminho pela frente, uma conclusão evidenciada por números. De acordo com o relatório Você matou meu filho!, da Anistia Internacional, das 1.275 vítimas de homicídio decorrente de intervenção policial, entre 2010 e 2013 na cidade do Rio de Janeiro, 99,5% eram homens, 79% eram negros e 75% de 15 a 29 anos idade. Uma polícia militarizada, herança da ditatura militar, e ainda mal remunerada, despreparada e embarcada de preconceitos, traz consequências graves à sociedade, aponta a professora. Ela destaca que, enquanto a elite brasileira optar por ter uma polícia truculenta, a cultura da paz não será algo concreto.

– O Brasil tem um índice de homicídios típico de um país em guerra. É uma polícia preparada para matar e, ao matar, também morre. Além disso, há uma concentração de homicídios de jovens negros. É uma polícia que quer proteger o rico “branco” do pobre “negro”. Assim, há uma criminalização da pobreza e o racismo latente se expõe no tratamento da polícia. Enquanto que nos condomínios da Zona Sul há todo um processo judicial, nas favelas existe truculência e desrespeito. A polícia brasileira que nós temos é a polícia que a elite brasileira quer – afirma.

Sarah ainda observa que os termos auto de resistência ou homicídio decorrente de intervenção policial, que nasceram na ditadura militar, são amplamente usados pela polícia para justificar, sob legítima defesa, as mortes de cidadãos em incursões policiais nas favelas brasileiras. Para a professora, o caminho para a cultura da paz é uma polícia sem a herança da ditadura, uma polícia cidadã valorizada.

– Há uma herança da polícia da ditadura que precisa ser mudada. É uma polícia que não tem limite para o uso da força. Tortura, barbárie, criminalização da pobreza. Os autos de resistência são uma invenção da ditadura civil militar que permanece até hoje. Quando tivermos uma polícia menos corrupta e mais cidadã, valorizada no exercício da profissão, estaremos a caminho da cultura da paz.

A segregação entre as classes sociais produzida pela desigualdade social também é um fator que impede a criação de uma cultura da paz. Para a professora, a diferenciação de territórios entre pobres e ricos e os lugares destinados a cada classe legitima a ideia da construção de muros em vez de pontes. E ainda expõe a aversão ao outro como ser humano em decorrência da classe a que pertence. Ela destaca que, nesses últimos anos, o que diminuiu foi a desigualdade de renda familiar, mas não de riqueza.

– O contato e a proximidade tendem a produzir uma cultura da paz. A segregação, o afastamento e o apartheid tendem a produzir uma cultura de guerra, de confronto. Quando se propõe uma cultura da paz, se propõe pensar a desigualdade social. Não há igualdade de oportunidades, de escolhas. Enquanto a cidade operar na lógica da segregação, do condomínio fechado, da cidade de muros e cercas, será difícil ter uma cultura da paz. Um meio para desfazer é uma polícia valorizada e cidadã. A mesma polícia para todos – conclui.

No livro Atlas das Condições de Vida no Rio de Janeiro, escrito pelos professores Dora Rodrigues Hees, Cesar Romero Jacob, da PUC-Rio, e Phillippe Waniez, da Universidade de Bourdeuax, na França, publicado pela Editora PUC-Rio, há uma vasta pesquisa sobre diversas questões estratégicas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro que apontam fragilidades e estigmas do Estado para se chegar a uma cultura da paz. Como, por exemplo, a nítida diferença de escolaridade entre as zonas mais ricas da cidade e as periferias, a renda, a criminalidade e as condições de moradia. Professor do Departamento de Comunicação Social, Cesar Romero observa que o primeiro passo para se construir uma cultura da paz é a tomada de consciência sobre as várias desigualdades da cidade. Ele ressalta que espaços de convivência típicos do Rio, como Sambódromo e o Maracanã, mostram uma falsa integração.

– A cidade é extremamente desigual e a população não tem consciência do grau dessa desigualdade. Quando se reúne as informações com base nos dados do censo e se analisa o quanto a cidade é segregada, desmistifica-se uma série de questões acerca de uma convivência social, que é superficial.

Romero destaca, ainda, que por meio da ação política e do pleno exercício da cidadania, o governo do estado será pressionado a adotar políticas públicas que ajudem a amenizar a desigualdade. Para ele, a diminuição desse desequilíbrio social será benéfica a todos os moradores da cidade, embora haja grupos que não têm interesse em tornar a cidade mais igualitária.

– Por meio da cidadania e da ação política podemos pressionar governos para que mudem o quadro que estamos vivendo. Afinal, eles sofrem pressões de diversos grupos que não têm interesse de tornar a cidade melhor para todos. Quanto menor a miséria, há uma convivência social mais harmônica, uma interação maior e, portanto, uma cultura da paz – conclui.

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