Adesivos e flyers do partido. O chão sujo do Centro do Rio, na Praça Mario Lago. De pé numa caixa de madeira, não maior do que um banquinho, falava uma mulher de voz forte. Negra, carismática, gritava com orgulho uma frase de efeito que arrancava aplausos da plateia: “Lugar de mulher é onde ela quiser”. Trazia o discurso do partido de promover uma nova política, dar um novo olhar ao que estava velho, ao que já provoca impaciência em alguns eleitores há décadas. Era Marielle Franco, 36 anos, recém-eleita vereadora pelo Psol, eleita com 46.502 votos, sendo a quinta mais votada na cidade.
Marielle não esperava quantidade tão expressiva de apoio da sociedade logo na primeira eleição. O que começou como um trabalho de pessoas próximas se tornou algo muito mais amplo.
– Eu não apostaria nisso. Nossa conta era de superar cerca de 6.000 ou 6.500 votos. Até o último minuto no sábado à noite a gente estava fazendo campanha. Fiquei muito feliz com essa votação expressiva porque eu acho que é uma resposta da cidade nas urnas para o que querem nos tirar, que é o debate das mulheres, da negritude e das favelas.
Marielle não tinha planos de estar ali há alguns anos. Nascida e criada na Comunidade da Maré, na Zona Norte do Rio, formou-se em Ciências Sociais pela PUC-Rio, como aluna do Pré-Vestibular Comunitário da Maré, cursando a universidade com bolsa de 100%. Diz que, quando começou a faculdade, em 2002, pensou mais no próprio acesso à educação, que poderia mudar sua qualidade de vida com uma melhor qualificação profissional. E atribui à PUC a chance de ter vivido um capítulo importante no seu envolvimento em atividades políticas, principalmente ligadas às causas negra e da mulher.
– Eu sempre fui política, no sentido mais amplo que essa palavra possa ter. Quando eu entrei na PUC, em 2002, o meu lugar era de reivindicar direitos, naquele momento só para a minha comunidade e para mim, de maneira individual. Cheguei à PUC muito arredia, ainda tomada pela sensação de pertencimento à favela. Eu me distanciava muito das patricinhas, dos mauricinhos, porque afinal eram de outra classe e outra renda. Mas aprendi a lidar com a diversidade. Fiz amigos, amigas. Tenho lembranças muito boas – afirma.
A vereadora eleita se lembra também dos muitos cochilos nos banquinhos espalhados pelo campus, onde gostava de passar tempo e observar os pássaros, no bosque: "É muito bom. Segundo ela, estar num lugar da cidade em que, além da educação, se tem contato com as pessoas. Ela conta:
Entretanto, Marielle não se envolveu com nenhum tipo de movimento estudantil enquanto esteve na universidade. Atribui isso à pouca disponibilidade de tempo, que era divido entre seus estudos e os trabalhos que fazia para sustentar sua filha Luyara, nascida quando tinha 19 anos, e hoje com 17.
– Não vivi a PUC em sua completude. Eu já era mãe, então houve épocas em que eu trabalhei em dois horários. Não vivi o movimento estudantil, não vivi a Vila dos Diretórios. Só o campus que era impossível de não viver, porque sou apaixonada por ele, mas também era para sentar e resolver algum trabalho ou para estudar mesmo.
Com o diploma de socióloga, ela, que já tinha trabalhado como educadora infantil na Creche Albano Rosa, na Maré, se tornou professora e pesquisadora respeitada. Fez mestrado na Universidade Federal Fluminense (UFF) em Administração Pública e teve sua dissertação – uma análise da política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, estudando especificamente a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) – aprovada em 2014. Sua trajetória acadêmica e política lhe valeu a declaração pública de voto de 257 acadêmicos e professores, que declararam apoio a Marielle.
A experiência da maternidade tem papel de destaque em sua vida. Seus perfis oficiais nas redes sociais a apresentam como “Marielle Franco, candidata a vereadora do Rio de Janeiro, e mãe da Luyara”. Segundo a vereadora eleita, ter sido mãe aos 19 anos foi um baque. Mas só no primeiro momento:
– Imagine a perspectiva de uma mulher negra, favelada, mãe adolescente e casada, com uma relação que não era das melhores. O estigma era que eu iria ser mulher de bandido ou cometer delitos. Mas, no final, o que a Luyara me dá é uma estrutura, um sentido de que eu deveria ir estudar e conseguir sustentá-la e criá-la de uma maneira melhor.
Mais tarde, em 2006, ela integrou a equipe da Comunidade da Maré que faz a bem-sucedida campanha eleitoral de Marcelo Freixo para deputado estadual da cidade do Rio de Janeiro. Passou, então, a atuar na equipe, na área de Direitos Humanos, e numa atuação que relacionava movimentos sociais com as favelas.
Hoje candidato a prefeito do Rio de Janeiro, Freixo é considerado o padrinho político de Marielle. Quando perguntada sobre sua relação com o deputado, dá leves risadas e diz ser "de amor e ódio, mas mais de amor":
– O Marcelo é uma pessoa muito humana e a gente tem uma ótima relação. Aprendi muito nessa construção política partidária com ele. Não é só porque hoje eu estou fazendo campanha de um cara que eu acho que é um ótimo gestor para esta cidade, mas porque ele compõe e dialoga com as diversidades que podem existir no mandato, é um cara que dá as oportunidades. Tenho muito respeito e carinho por ele.
Segundo Marielle, as pessoas devem entrar na política desmitificando essa ideia dos heróis, das heroínas.
– Tendo críticas, tenho abertura e a possibilidade para falar com ele e propor uma forma diferente de fazer as coisas. Sem falsa modéstia. É claro, ele é turrão. Marcelo é uma pessoa pontualíssima. Ele sempre chega antes dos assessores. Aquela coisa dos 15 minutinhos de atraso ele não tem – entrega.
A vereador faz parte de um momento em que o Psol cresceu muito, sendo a segunda maior bancada na Câmara dos Vereadores com seis nomes. Seus colegas de partido serão Tarcísio Motta, Renato Cinco, Leonel Brizola Neto, Paulo Pinheiro e David Miranda. A expectativa é que eles sejam vereadores da situação do possível governo de Marcelo Freixo.
– A gente espera que possa compor um campo progressista e legislar para o conjunto da cidade. O jogo político te exige articulações, negociações, mas exige também um pulso firme. Não vou legislar só para o conjunto dos meus eleitores. Vejo esse crescimento como algo ímpar para o Psol, não só no Rio de Janeiro, mas como num cenário nacional. Nossa primeira eleição foi em 2006, só tem 10 anos.
De acordo com Marielle, sua trajetória lhe dá a experiência necessária para pautar o que é relevante na Câmara dos Vereadores em direção a algumas de suas causas: melhoria das condições das creches e escolas, garantindo a diversidade de perspectivas; do transporte público, marcado por envolvimentos com o setor privado; e da cultura.
Marielle não tem intenção de se candidatar para outro cargo. Hoje, está focada na campanha de Freixo para que possa legislar como vereadora de situação. Caso isso não aconteça, afirma, seu foco é exercer o mandato em nome dos 46 mil eleitores que fizeram dela a quinta vereadora mais votada da cidade.
Colaborou: Mariana Casagrande