Professor da Universidade Autonoma de Barcelona: “A inovação surge de onde mais se necessita”
23/11/2016 15:35
Carolina Ernst



Especialista em estudos urbanos, geógrafo Oriol Nel-lo aponta disparidade social como desafio para o desenvolvimento urbano. Em entrevista ao Jornal da PUC Online, aponta o transporte público como desafio para o Rio.

Tendo Barcelona como ponto de partida para seus estudos sobre ordem e território urbano, o geógrafo Oriol Nel-lo usa a cidade onde leciona e sua história, principalmente o momento pré e pós-crise de 2008, período no qual acompanhou a evolução da região metropolitana da cidade. A seu ver, a Espanha constitui esse modelo de transformação por ter vivido uma ditadura fascista, enquanto “os outros países da Europa construíam seus estados de bem estar-social”. Observou que, durante estes anos, o que mais cresceu em Barcelona foi a desigualdade social. Em seu nível máximo desde a Crise de 1929, Nel-lo caracteriza a disparidade social como um crescente desafio para o desenvolvimento urbano, que se reflete na organização espacial da cidade:

– A segregação urbana é a concretização espacial da desigualdade. É um fenômeno estrutural de dimensão claramente metropolitana, que leva à polarização e à continuidade territorial – diagnostica o professor Oriol Nel-lo, convidado para ministrar a palestra Crise social e resposta cidadã: pode a inovação ser a solução?, no III Simpósio Internacional Metropolização do Espaço, Gestão Territorial e Relações Urbano-Rurais, na quinta-feira, 27 de outubro, apontou a relação entre desigualdade e inovação.

Essa segregação, “ao contrário do que todos pensam”, de acordo com Nel-lo, não é apenas prejudicial aos habitantes de áreas menos privilegiadas, mas também aos grupos que habitam áreas com maior investimento do estado:

– Essas diferenças entre as áreas influenciam tudo que está ali: preço e qualidade de serviços, por exemplo. Os indivíduos que vivem em áreas geográficas socialmente deprimidas têm principalmente um nível de atendimento de saúde pior do que nos outros bairros mais ricos. No caso de Barcelona, as diferenças são gritantes em um espaço tão pequeno – explica.

Durante e após a crise de 2008, diz ter acompanhado, em Barcelona, a criação de movimentos sociais com o intuito de diminuir os impactos de dita crise na população. A partir desse movimento da população barceloneta, enxergou a abertura de espaço para a elaboração de “formas alternativas de gestão da economia e da sociedade”.

Para Nel-lo, devem ser adotadas transformações econômicas, sociais, ambientais e políticas. Lamentando o curto tempo para discutir um assunto tão vasto, ele afirma que a aplicação dessas inovações culminaria em um impacto direto no bem-estar da população. Morador de Barcelona, seu posicionamento perante suas proposições é claro:

– Não me considerem somente um acadêmico, mas sim um participante que também observa. São inovações que dizem respeito a instrumentos e processos tanto da população quanto do poder público.

Na inovação econômica, dentro do cenário da cidade de Barcelona, Nel-lo apresenta a questão da economia colaborativa como uma possível saída para o boom do setor turístico barceloneta. Em 25 anos, Barcelona passou a ter 30 milhões de reservas anualmente, e nos últimos 5 anos plataformas de acesso a aluguel de apartamentos com o Airbnb só cresceram. Nel-lo defende que assim a cidade teria benefícios ambientais, sociais e econômicos significativos.

No entanto, ainda imatura, a economia colaborativa apresenta aspectos negativos, como a atividade irregular, a gentrificação, a concentração de propriedades nas mãos de poucos proprietários e a distribuição irregular na cidade.

– A economia colaborativa desregulada, que hoje representa 50% da oferta, impacta negativamente a economia e constrói uma péssima reputação – completa.

Por inovação social, Nel-lo parte do mesmo princípio: da coprodução de serviços estendidos entre instituições e cidadãos.

Considerando a contaminação do ar pelo uso de meios de transporte movidos a combustíveis fósseis como um dos principais problemas de Barcelona, Nel-lo apoia uma nova organização de mobilidade urbana como ato inovador ambiental. A proposta consiste em reduzir o tráfego e ganhar espaços públicos, com um sistema onde apenas nas avenidas centrais se tem a circulação de grandes meios de transporte e aumentar as áreas exclusivas a pedestres e ciclistas, atentando para a gentrificação verde: “Essas mudanças podem alterar o preço da área e ampliar ainda mais as disparidades sociais dentro da cidade”.

Na política, o professor ressalta as “infinitas” possibilidades de organização, gestão e interação entre governo e população através da tecnologia.

Essas transformações resultariam no que Nel-lo chama de governo das transformações, no qual o governo é capaz de governar essas transformações urbanas eficientemente e a coletividade tem benefícios disponíveis e a maior capacidade de reivindicar seus direitos.

Doutor em geografia pela Universidade Autônoma de Barcelona e mestre em Relações Internacionais pela John Hopkins University, foi diretor do Instituto de Estudos Metropolitanos de Barcelona, deputado no Parlamento da Catalunha e secretário de Planejamento Territorial do Governo Regional da Catalunha. Atualmente é professor titular do Departamento de Economia da Universidade Autônoma de Barcelona.

Oriol Nel-lo Foto: Fernanda Szuster

 

Em entrevista ao Jornal da PUC Online, o professor Oriol Nel-lo comparou Rio e Barcelona e projetou mudanças em ambas proporções.

Jornal da PUC: Barcelona sediou a edição dos Jogos Olímpicos de verão em 1992, e o Rio de Janeiro em julho último. Foram eventos que propiciaram essas inovações em suas respectivas cidades?

Oriol Nel-lo: Estudei o caso de Barcelona e, em certos aspectos, participei do processo. Desde o ponto de vista do escritório até a realização do evento em si, acho essencial afrontar os grandes eventos com a cidade. É conciliar a lógica e realização do projeto para que tudo transcorra bem, que tenha êxito midiático, comercial e econômico. Outro ponto importante é a possibilidade de combinar o evento a um projeto de cidade. Desse ponto de vista, o evento tem outros objetivos que são maiores e mais importantes do que a do evento individual. Eu diria que não temos grandes diferenças entre Rio e Barcelona, mas sim entre os jeitos de encarar o evento. Podemos ver isso em todos os grandes eventos e há sempre essa dicotomia de restringir o evento à oportunidade de realizar ações para o turista ou vinculá-lo a um projeto de cidade.

Barcelona tem uma área de 101,9 km², e o Rio de Janeiro de 1.255 km². Como projetar esse modelo de transformações para uma cidade de proporções maiores?

A primeira providência a ser tomada é potencializar o transporte público. Se a gestão de uma cidade não consegue que uma parte substantiva da mobilidade seja resolvida por transporte público, a necessidade de utilizar o automóvel próprio é inevitável e assim são mantidos os custos altíssimos de mobilidade. O segundo ponto que considero mais importante é que não pensamos há muito tempo no modo como organizamos a cidade. A necessidade por transporte é muito menor se você permite que o morador da cidade se locomova aos lugares em que trabalha, estuda, compra, etc. Assim você força as pessoas a morar ali. No caso de bairros multifuncionais, onde o morador pode fazer tudo isso a pé, faz muito mais sentido.

Na palestra, o professor elogiou a organização do evento pelo Departamento de Geografia, ressaltando a importância do diálogo entre profissionais de outras nacionalidades e os brasileiros:

– Assim podemos comparar os estudos urbanos dos dois países e constituir uma oportunidade de reflexão coletiva.

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