Especialistas dizem que ocupações estudantis foram respiro em 2016
15/12/2016 17:29
Cecília Bueno

Em colóquio na PUC-Rio, professores discutem conservadorismo na sociedade brasileira e viabilidade das ocupações estudantis

O governo de Michel Temer tem sido alvo de constantes críticas por parte da população, que o acusa de realizar uma série de retrocessos na recente democracia brasileira. O Programa Escola sem Partido, a Reforma do Ensino Médio e a aprovação da PEC 55 foram temas abordados por especialistas da área de Direito, Economia e Arquitetura na mesa redonda "Democracia na Encruzilhada: Entre retrocessos e ocupações", mediada pelo professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Cláudio Rezende Ribeiro. Segundo a professora de direito da UFRJ Sayonara Grillo “as ocupações foram uma pausa na passividade e na depressão coletiva que foi 2016”. Pedro Fiori Arantes, arquiteto urbanista e professor do Departamento de História da Arte, da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH) da UNIFESP, reforçou:

 – Estamos aprendendo a fazer luta social com os secundaristas. É um novo ciclo de pensar a resistência, sem estar sob nenhum guarda-chuva partidário.

A mesa fez parte do colóquio Direito à cidade em movimento: vulnerabilidades nas metrópoles, realizada pelo VI Colóquio LADU na PUC-Rio, que promoveu discussões sobre a aceleração de ações e pensamentos conservadores na sociedade brasileira e a viabilidade das ocupações estudantis.

– Está evidente que a luta de classes voltou ao Brasil. Com a entrada do Partido dos Trabalhadores (PT) no governo, parecia que havia uma conciliação do governo com o mercado. Mas, de fato, algo está certo: as lutas de classe não acabaram com o “lulismo” – disse Arantes. O professor se propôs ainda a pensar o histórico de retrocessos que acomete a sociedade brasileira:

– Os “petistas de carteirinha” dizem que o retrocesso começou com a entrada de Temer. Há quem diga que o retrocesso começou no segundo governo de Dilma, na escolha dos ministros. Ou em 2013, quando a esquerda perdeu as ruas para a direita. Outros dizem que começou no fim dos anos 80, com a chegada do neoliberalismo. Há quem diga que começou em 1964, quando as reformas de base estavam em pauta e o governo militar tomou o poder de Goulart; pode ter gente que ache que começou em 1500, com a chegada dos portugueses e do mercantilismo.

Para a professora do departamento de Economia da UFRJ Marta Skinner, as ocupações criaram um espaço de debate em um período em que "escutar o outro é uma dificuldade":

– Existe uma discussão presente desde o século 18: qual é papel do Estado e da política? Existem certos economistas com ideias massacrantes. Falam que não se pode consumir mais do que se gasta, e que o que deve prevalecer é o neoliberalismo. A mão invisível do mercado tem que aparar a grama que não cresce. Não precisa de Estado. Em vários momentos da história esse sistema caiu, em 1929, 1994, 1997, 1998, 2001 e 2008. Essa mão invisível devia estar acometida de artrose. Quer saber quem salvou todas essas crises econômicas? O Estado. Hoje a ideia de apartar a política da economia é uma discussão ideológica. Alguns economistas usam da matemática para criminalizar a política.

Sayonara refletiu sobre a singularidade do retrocesso atual. Para ela, é preciso encontrar maneiras de resistir no cotidiano:

– O neoliberalismo trouxe um movimento de ultraconservadorismo, que metodicamente vem desmantelando as intuições e as heranças da resistência. O impeachment provocou uma ruptura institucional. Tenho uma avaliação pouco otimista, os retrocessos estão só começando. Com desemprego e recessão alta, cada um deve ocupar ao seu modo.

Beatriz Lima Jordão, estudante da FAU e da UFRJ e ativista estudantil, concluiu que o Estado não é tão permeável para conquistas sociais:

–A esquerda desaprendeu a não depender do governo. As ocupações e as greves estão sendo retomadas. É uma recuperação de uma prática antiga de criação de espaços de autonomia e debate nas lutas de trabalhadores. Infelizmente, estamos em um período em que só conseguimos barrar retrocesso, não conseguimos avançar em nada – ressalta.

Todavia, pontua que a ocupação, como todo movimento social, deve se fazer autocrítica:

– Não dá para ocupar por tempo indeterminado, mas é preciso criar tempo e espaço de debate no cotidiano, nos locais de trabalho, em casa. Todavia, não devemos nos ater ao plano ideal, é preciso tirar ações práticas que tentem conquistar avanços concretos.

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