Armínio Fraga observa 'infecção generalizada' na economia
30/03/2017 18:04
Reportagem de Gustavo Côrtes, com fotos de Dóris Duque

Na PUC-Rio, ex-presidente do Banco Central, formado na Universidade, cobra restrição de financiamentos de bancos públicos apenas a áreas “genuinamente sociais", para acabar com o "Bolsa Empresário", e inclusão de déficits de estatais no Orçamento. Economista defendeu ainda a flexibilização de jornada de trabalho, para "adequação das leis trabalhistas brasileiras à economia do século 21".

O ex-ministro Armínio Fraga com Laura Marques e João Caetano, representantes do Caeco

O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga propôs mudanças no quadro que classificou como “infecção generalizada e de difícil cura da economia brasileira”. Em pouco mais de uma hora de palestra no Auditório do RDC, na segunda-feira, 20, a convite do Centro Acadêmico de Economia (Caeco), o economista formado na PUC-Rio afirmou que o Orçamento anual precisa contemplar os déficits deixados pelas estatais e que os bancos públicos deveriam concentrar os financiamentos em áreas “genuinamente sociais”. Cotado para ministro da Fazenda pelo candidato tucano Aécio Neves nas eleições presidenciais de 2014, Fraga também pediu aos alunos que “dediquem parte da carreira ao debate público”. Segundo ele, “o Brasil não vai se livrar desta situação de caos econômico e de um certo grau de subdesenvolvimento sem a participação de pessoas como nós, que têm uma formação e uma vocação para pensar o Brasil”.

 “A legislação trabalhista brasileira desestimula o emprego”

Para Armínio Fraga, a legislação trabalhista vigente no país “é um entrave à produtividade”, por onerar as relações de trabalho. Ele propõe maior autonomia de negociação entre sindicatos e organizações patronais, além da possibilidade de o empregado fragmentar as horas de trabalho diárias.

– Eu sou um entusiasta da proposta de dar maior autonomia aos sindicatos para negociarem como eles acharem melhor com seus associados. O nosso sistema é pouco flexível em diversos setores. O caso do bancário, que provavelmente é o com mais processos na Justiça do Trabalho, é clássico, porque é um regime de seis horas, então é quase impossível não haver processos. Esse tipo de flexibilização casa com a economia do século 21. Precisamos cair na real. Eu acho que todas as reformas têm que conversar entre si. Elas estão muito interligadas, principalmente a trabalhista e a previdenciária, que dizem respeito ao custo do trabalho. O Brasil é um país que de fato onera a relação trabalhista, o que desestimula o emprego. As flexibilizações devem atender às demandas do nosso tempo. As pessoas devem poder trabalhar em horário parcial. Isso é bom para o perfil de trabalho feminino, por exemplo.

“É possível manter políticas públicas de assistência social, como construção de moradia popular, sem bancos públicos”

“Liberal com coração”, Fraga defendeu a substituição dos financiamentos com juros reduzido, dados a empresas por bancos públicos, por licitações em que o governo firme contrato sem conceder empréstimo. Segundo ele, a oferta de crédito subsidiado em abundância faz com que empresários recorram ao BNDES em busca de “dinheiro de graça”, em vez de tentar financiamento no sistema bancário convencional. O economista defendeu a privatização de bancos públicos.

– Antigamente se dizia que o BNDES era necessário porque o Brasil não tinha mercado de longo prazo, e não tinha mesmo. Mas hoje esse mercado se enfraquece justamente por causa dos desequilíbrios que o BNDES provoca ao dar dinheiro de graça a grandes empresários. Eu não vejo razão para manter um banco público funcionando dessa forma. Faria mais sentido um BNDES muito menor, que cuidasse de questões genuinamente sociais, nas quais estão envolvidos os bens públicos, dos quais todos precisam, mas nem todos querem pagar: saneamento e segurança, por exemplo. Eu até questiono se precisamos de bancos públicos para fazer isso. Mesmo que se parta do princípio de que certas políticas públicas, como financiamento de habitação para famílias de baixa renda, são importantes, a conservação de bancos públicos pode não ser necessária. É possível executar esses programas fazendo leilões e contratando empresas que oferecerem as melhores condições. Essa é uma postura liberal com coração, que é o que o país precisa. Enquanto existir o BNDES para dar dinheiro de graça, os empresários vão procurá-lo. As empresas sempre buscam o financiamento mais barato.

Em um cenário ideal, na visão do ex-presidente do BC, os bancos públicos diminuiriam gradativamente sua participação na economia, conforme os problemas sociais fossem sanados. Fraga citou o Bolsa Família como bom exemplo de programa em que o governo provê em vez de produzir, o que, segundo ele, dinamizaria as relações econômicas e daria mais eficiência às políticas públicas.  

– Um país bem-sucedido deveria ter, daqui a 20 anos, pouquíssima participação do BNDES. E a pouca que tivesse deveria ser voltada a esse tipo de investimento: infraestrutura, desenvolvimento regional. Existe uma diferença enorme entre o Estado prover e o Estado produzir. Nem tudo demanda uma estrutura administrativa. O Bolsa Família é um exemplo bom de como o governo contribui no campo social sem prestar serviços diretamente. É um fantástico programa liberal, porque, em vez de fornecer diretamente o que as pessoas precisam, o Estado dá o dinheiro e as pessoas consomem livremente. Um pais bem-sucedido deveria, daqui a cerca de 50 anos, ter um gasto irrisório com o Bolsa Família, que seria o piso do piso salarial. A população deveria ser educada para produzir mais e ganhar mais.

Fraga brincou ao falar dos ataques que sofreu de grupos políticos por defender a redução da participação dos bancos públicos na economia. Apesar disso, o economista afirma que “tem boa relação com integrantes desses grupos, como Heloísa Helena (PSOL-AL), apesar da distância”. Além da política, a ex-senadora mora em Alagoas e Fraga, no Rio.

– Esse é um tema muito quente e que estava no debate público há pouco tempo atrás, até o escândalo da Petrobras. Hoje mais do que nunca é quase um crime de lesa-pátria falar em soluções mais ousadas para as estatais. Antes de ir para o Banco Central (BC), eu escrevi um artigo no qual defendi a privatização dos antigos bancos públicos estaduais, que quebraram sucessivas vezes. Depois de terminar, percebi que todos os argumentos também se aplicavam aos bancos federais. Então eu tenho uma visão bem radical nessa área. Até hoje, quando vou ao Congresso, sou cobrado por isso. Eu ouço reclamações de que eu defendi a privatização dos bancos públicos. Antigamente era só o PT que me atacava, agora tem o PSOL também (risos).

“Não é democrático que o gasto das estatais não esteja no Orçamento” 

O economista criticou o fato de o prejuízo das estatais não constar do Orçamento, o que "impede um debate mais franco, na medida em que a população não percebe a perda da capacidade de investimento em setores socialmente importantes, ocasionada pelo gasto excessivo com empresas públicas. Ele citou, por exemplo, que os Correios registraram um rombo de R$ 2 bilhões ano passado. 

– A grande questão é que os déficits deixados pelas empresas do governo não são contabilizados no Orçamento, e isso não é democrático. Numa democracia, todo gasto deve constar do Orçamento, senão criam-se cantinhos onde não se pode mexer porque há uma “verbinha” prometida a alguém. Se uma entidade do governo pode dar crédito mais barato, oferecer salários mais altos e comprar maquinário acima do preço de mercado, seu gasto tem que fazer parte do planejamento anual da economia do país, junto com o da educação, da saúde, do saneamento e de todas essas áreas nas quais o Brasil é deficiente há tantos anos. Dessa forma, tudo fica mais transparente, e a sociedade decide se quer gastar o dinheiro dessa forma. A Petrobras, por exemplo, é mais ou menos uma empresa, porque ela não tem objetivos estritamente econômicos. Quer funcionar assim? Tudo bem, então discuta democraticamente e coloque no Orçamento. Quer dar dinheiro a empresário? Dê, mas coloque no Orçamento.

Fraga citou a Petrobras como exemplo de gestão deficitária. A empresa registrou um prejuízo nominal de R$ 14,8 bilhões no ano passado, o sexto maior já registrado pela Bovespa. Ele também propôs redução gradativa da participação do BNDES na economia:

– Como pode ter acontecido na Petrobras uma roubalheira desse tamanho se tudo lá é organizado, registrado, documentado? A minha conclusão é: se aconteceu na Petrobras, está acontecendo em todas as outras estatais. A gente vive um caso de infecção generalizada. É um problema institucional, cultural e de cura difícil, mas acho que estamos num momento de questionar tudo. Se não há razão objetiva para a existência dessas empresas, é melhor não as ter, mas também é preciso cuidado para privatizar. Eu não gostaria de vender a Petrobras, por exemplo, para um investidor monopolista ou para um fundo soberano de um país antidemocrático. Não tem a menor graça (risos). O BNDES tem que ir, aos poucos, dando chance ao mercado. Eu questionaria tudo, com rigor e com lógica, porque, se eu tenho um paciente entubado, eu não posso cortar o tubo, mas é possível pensar numa mudança gradual.

“A Independência do Banco Central daria mais previsibilidade à economia e estabilidade às regras do jogo”

– O Banco Central era independente quando nasceu, na ditadura militar, mas a própria ditadura se encarregou de subordiná-lo ao Poder Executivo. Ao longo da nossa história fez-se muita bobagem usando o BC numa lógica de curto prazo, que criou a inflação e até hiperinflação. É preciso ter diretrizes, como controle da inflação, estabilidade financeira e suavização de ciclo econômico. Não se trata de criar um quarto poder, e sim dar autonomia para cumprir certos objetivos. Para isso, vários países do mundo adotaram esse método de gestão, inclusive em agências reguladoras, para dar mais estabilidade às regras e previsibilidade à economia. Eu gosto da ideia, mas ela precisa ser entendida como autonomia operacional. O BC teria como função gerir o dia a dia da economia. Sob o controle do Poder Executivo, é muito fácil um presidente cair na tentação de negligenciar em anos de eleição, por exemplo. Isso pode gerar muitos problemas, como no nosso caso. Seria bom se as agências do governo fossem geridas por pessoas competentes, que atuassem dentro de objetivos definidos por lei. 

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