Pressões internas americanas devem impedir acordos entre Estados Unidos e Rússia
11/05/2017 18:27
Gustavo Côrtes

Em debate na PUC-Rio promovido pelo IRI, especialistas em relações internacionais descartam aproximação entre Trump e Putin, mas afastam também chance de reedição da Guerra Fria, por falta de componente ideológico.

Para especialistas em Relações Internacionais, pressões internas dos Estados Unidos impedirão acordos entre Donald Trump e Vladmir Putin, já que a anexação da Crimeia e o apoio ao ditador sírio, Bashar Al Assad, não são aceitos por americanos. Apesar de Trump e Putin terem trocado elogios durante a campanha eleitoral americana, o Kremlin e a Casa Branca tiveram um atrito depois de navios americanos lançarem mísseis contra a base aérea de Shayrat, na Síria. Segundo o governo dos Estados Unidos, a investida militar foi uma resposta a um ataque químico. A Rússia, principal aliada de Bashar Al Assad na guerra civil síria, alertou que pode haver “consequências sérias”. Contudo, descartam uma reedição da Guerra Fria, pois segundo eles, falta o componente ideológico.

É consenso entre os especialistas que, desde Bill Clinton, todos os presidentes americanos tentaram se aproximar dos russos, mas falharam. A postura anti-Rússia de Hillary Clinton enquanto secretária de Estado do governo Obama e a atuação da Fundação Clinton, dirigida por ela e o marido, Bill Clinton, também contribuíram para o esgarçamento das relações entre os dois países, de acordo com os analistas. A fundação do casal recebe doações de governos com interesses dissonantes aos da Rússia, como Ucrânia e Arábia Saudita.

Os os professores João Nogueira, Fabiano Mielniczuk, Márcio Scalércio e Paulo Wrobel. Foto: Fernanda Szuster

Em debate no auditório do RDC, na PUC-Rio, no dia 27 de abril, os professores do IRI João Nogueira e Márcio Scalércio e o professor de relações internacionais da ESPM Fabiano Mielniczuk, mediados pelo professor Paulo Wrobel, do IRI, ressaltaram ainda o processo de disputa armamentista na Europa que opõe a Rússia a Estados Unidos e Otan. Para Scalércio, a tomada da Crimeia pela Rússia acirrou rivalidades dentro da Europa, principalmente em países do entorno russo, que temem ações expansionistas de Putin:

– Desde o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos reduziram drasticamente o número de soldados na Europa. A partir dos problemas na Crimeia, foi preciso rever essa política, devido à pressão principalmente dos países da antiga União Soviética, localizados em volta da Rússia, que os dominava. Os Estados Unidos e a Otan têm superioridade militar no mundo, em números absolutos e em termos de posicionamento, mas não na Europa, onde a Rússia tem grande vantagem. Então, diante do tom agressivo de Putin, decidiu-se por atenuar a superioridade russa investindo em aparato militar na região.

Scalércio descarta a possibilidade de relações amistosas entre Estados Unidos e Rússia, pois, segundo ele, as atitudes de Putin diante da guerra civil na Síria e o desejo de retomada do controle sobre os países da velha União Soviética são considerados inaceitáveis pelo cidadão americano médio.

– É um delírio imaginar que a relação entre os dois países melhorará. As afirmações de que a relação de Putin com Trump será melhor do que foi com Obama pode ser facilmente contraditada se observarmos as pressões internas dos Estados Unidos, que questionam essa relação supostamente boa com os russos, em virtude dessas questões com a Síria, a tomada da Crimeia no peito e na raça, vista como inaceitável.

Em meio a essa tensão, o governo russo anunciou, em 2008, um programa de renovação do equipamento militar, com o qual seriam gastos U$ 700 bilhões ao longo de 10 anos. A medida foi considerada uma ameaça por muitos americanos, que cobraram uma resposta. Para Scalércio, não há motivo para os Estados Unidos temerem a modernização do aparato militar russo, pois o gasto militar americano é bem superior. 

– Os Estados Unidos gastam U$ 880 bilhões por ano para manter o sistema de defesa deles, mais do que a Rússia terá gastado em 10 anos. Os russos têm muito equipamento antigo. A modernização bélica da Rússia não é um gesto de ameaça, é uma necessidade.

Os posicionamentos de Hillary Clinton em relação à Rússia foram algumas vezes duros e outras, conciliadores. Em 2008, quando era senadora, ela afirmou que Putin “não tinha alma”, pois havia integrado a KGB, órgão de repressão do regime soviético. A declaração foi uma resposta ao então presidente americano, George W. Bush, que disse ter visto a alma através dos olhos do líder russo. Mas, em 2009, Hillary levou um botão vermelho escrito reset (reestabelecer em inglês) a uma conferência em Genebra e o apertou junto com o ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov. O ato foi fotografado pela imprensa do mundo inteiro e considerado um gesto de boa vontade dos dois países para estabelecer boas relações. Para Mielnizuck, a atuação da fundação Clinton foi um dos principais entraves à consolidação de uma relação amistosa entre os dois países.

– De 1996 a 2016, a fundação recebeu cerca de US$ 25 milhões de fundos do governo da Arábia Saudita e mais US$ 25 milhões do genro do ex-presidente da Ucrânia Leonid Kutchma, Victor Pinchuk, por exemplo. Ucrânia e Arábia Saudita não são países simpáticos à Rússia. E também havia o Clinton Global Initiative, espécie de conferência global reunindo pessoas do mundo todo, entre as quais líderes de Estados doadores. Obama pediu para que esses encontros fora dos Estados Unidos parassem.

Mielniczuk lembra que houve sinalizações de melhora nas relações entre os dois governos. Em 2010, a Rússia votou na ONU a favor de sanções ao Irã, que foi forçado a interromper o programa nuclear ao qual os Estados unidos se opunham. Mas rapidamente o clima amistoso foi superado pela pressão interna de republicanos por uma tomada de posição mais dura do governo americano, diante de posturas de Putin consideradas autoritárias.

– Nesse contexto, o partido do Putin, Rússia Unida, perdeu força, em virtude de manifestações às vésperas de uma eleição parlamentar. Os protestos foram reprimidos violentamente. Hillary, então, adotou um palavreado muito forte em relação à democracia russa, dizendo que os cidadãos da Rússia tinham o direito de escolher seus representantes e que as eleições não haviam sido justas.

Enquanto o governo russo manteve a conduta considerada autoritária pelos americanos, a relação entre os países seguiu piorando. Ao fim do governo Obama, o democrata e Putin sequer conseguiam esconder a indisposição mútua. Em dezembro de 2016, depois das suspeitas de interferência russa em favor de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas, Obama impôs sanções a nove pessoas vinculadas às agências de espionagem. No dia 29, expulsou 35 diplomatas russos. Nogueira não se surpreende com a possibilidade de o Kremlin ter ajudado o candidato republicano. Segundo ele, a prática não é nova.

– A política internacional hoje é jogada muito mais no ciberespaço, joga-se internamente nos grandes partidos políticos do mundo, principalmente nos países desenvolvidos. Na eleição disputada entre Bush e Al Gore já se falava da influência da China através de lobby. Ao falar de Estados Unidos e Rússia, nós talvez não estejamos abrangendo a questão na sua complexidade total.

Para Nogueira, os atritos entre as duas nações se devem às transformações pelas quais a Rússia passou desde o fim da União Soviética, em 1991. Contudo, a narrativa de potência declinante ganha força nos Estados Unidos e, junto com ela, o “nacionalismo exclusivista que sempre existiu, mas que agora toma parte do establishment republicano”, lembrou o professor.

– É preciso entender as relações entre Estados Unidos e Rússia no contexto do declínio desse ordenamento liberal do mundo, que contava com a globalização como um de seus pilares. O estilo centralizador de Putin desperta admiração de Trump, já que ambos se opõem à globalização.

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