Saúde Pública: um modelo além da medicina
22/11/2019 19:09
Juan Pablo Rey

Em debate, políticos e pesquisadores discutem problemas do Sistema Único de Saúde

Debatedores falam sobre a violência do Estado na saúde pública. Foto: Amanda Dutra

A violência do Estado na saúde pública foi tema de debate durante mesa realizada no primeiro dia do Festival de Primavera. No encontro, ocorrido no dia 4 de novembro, estiveram presentes o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL), o vereador do Rio de Janeiro Paulo Pinheiro (PSOL), a pesquisadora da Fiocruz Mariana Nogueira, e Felipe Bagatoli, pesquisador da Fiocruz e aluno de doutorado do Departamento de Geografia.

Bagatoli deu início às discussões e detalhou a pesquisa de doutorado que desenvolve sobre a vigilância popular em saúde como uma proposta de emancipação humana. Contemporâneo de Marielle durante a graduação, como fez questão de frisar, questionou o porquê de doenças específicas, que já têm cura, aparecem em espaços de extrema pobreza.

- Expandimos um pouco a ideia da doença apenas como um componente biológico, sem deixar de discuti-lo. Estamos no tempo em que as relações de produção nos adoecem. Agricultoras que moravam em Quatis, município próximo de Volta Redonda, por exemplo, me relataram que lá existe uma ferrovia que quando passa o minério nos trens, e venta, o minério vai todo para cima das casas delas. Como ter soberania do corpo se você tem uma ferrovia construída pelo Estado, uma atividade econômica permitida e não fiscalizada?

O vereador Paulo Pinheiro defendeu o Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil e disse que, na teoria, ele é um dos mais avançados do mundo. Ex-diretor do Hospital Municipal Miguel Couto, Pinheiro lembrou que o SUS tem o maior trabalho de vacinação do mundo, além de programas vitoriosos de transplante e combate a AIDS. Para ele, entretanto, o problema é que, na prática, a saúde pública se difere da proposta inicial, discutida na Constituição de 1988.

- A determinação constitucional é que cada ente do governo tenha uma responsabilidade. Qual o perfil do Governo Federal no SUS? O tratamento da alta complexidade, as doenças mais graves. Os estados têm a obrigação de tratar dos institutos, como o de cardiologia Aloysio de Castro, no Humaitá. As prefeituras, o atendimento básico, postos de saúde, clínicas da família. Além disso, a prefeitura é responsável pelas urgências e emergências. Todos os hospitais de emergência deveriam ser municipais, e aí já começa a confusão. Aqui no Rio também temos hospitais do estado e federais que fazem emergência. Portanto, o sistema é confuso.

Vereador Paulo Pinheiro elogia a essência do SUS. Foto: Amanda Dutra

O deputado federal Marcelo Freixo também elogiou o SUS em sua essência: segundo ele, o Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes que tem a garantia da saúde pública. Ele, porém, vê a falta de investimento como a principal causa dos problemas do Sistema Único de Saúde brasileiro.

- O investimento no SUS, hoje, é 3,8% do PIB. Os países desenvolvidos são 6,5%. E mais do que isso: o SUS tem um problema grave, que é a questão social brasileira. Somos o nono país mais desigual do mundo. A Rocinha tem um índice de tuberculose de 372 casos para cada 100 mil habitantes. A média brasileira é de 33 casos para o mesmo número populacional. No Rio de Janeiro, é de 68 para cada 100 mil habitantes. A Rocinha, que está aqui ao lado da PUC, tem 372. Esse é um problema grave para o SUS.

Marcelo Freixo aborda o Sistema Único de Saúde além do aspecto biológico. Foto: Amanda Dutra

Freixo deu ênfase aos aspectos sociais que levam à piora da condição de saúde pública. Segundo ele, o debate deve fugir apenas do aspecto da medicina para se tornar um debate de “modelo de sociedade”. O deputado, que obteve 342.234 votos na última eleição, citou o transporte público e as recentes liberações de agrotóxicos como um agravante da condição da saúde pública.

- Quando falamos de saúde não falamos apenas de doença, mas de qualidade de vida e de modelo de sociedade. Em uma cidade em que as pessoas chegam a levar cinco horas por dia no transporte público, a saúde pública é afetada. Isso provoca uma série de problemas e acaba com a qualidade de vida de muita gente. Precisamos ter um debate de saúde mais amplo do que cabe aos médicos, enfermeiras e profissionais do hospital. A liberação criminosa e assassina da utilização de agrotóxicos hoje na produção de alimentos é um debate da agricultura, apenas, ou de saúde pública?

A pesquisadora da Fiocruz e doutora em políticas públicas, Mariana Nogueira, também abordou o Sistema Único de Saúde. Ela valorizou o fato de o SUS ser, segundo ela, produto de processo histórico e de luta popular. Mariana lembrou, ainda, que nas décadas de 1970 e 1980, os trabalhadores brasileiros não tinham acesso a serviços públicos de saúde.

- O sistema de saúde, apesar de ser garantido como universal, como direito de todos e dever do estado, é vivenciado desigualmente porque vivemos numa sociedade de classes. Foi com muita luta que conseguimos pautar a Oitava Conferência Nacional de Saúde e lá garantir que o Sistema Único de Saúde deveria ser universal, popular, direito de todos e dever do estado. A grande questão é que ele se institui no modo de produção capitalista. E sofre tensões do neoliberalismo.

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