Desafios para a educação dos pequenos
24/09/2021 12:21
Rafael Serfaty

Como a chegada da pandemia afeta o desenvolvimento na primeira infância

Desde março de 2020, a vida de milhões de pessoas foi afetada pela presença da covid-19. No entanto, pouco se fala do impacto sofrido pelas crianças, principalmente as da primeira infância (0 a 6 anos), período crucial para o desenvolvimento dos pequenos. A pandemia exigiu deles habilidades para se adaptar a uma situação nova, que vai desde o confinamento às aulas on-line. E isto prejudica o aprendizado, ainda mais numa fase em que as experiências concretas são importantes.

Professora da CCE/PUC-Rio e especializada em delineamento de intervenções na primeira infância, a psicóloga Mariana Braido afirma que a situação foi um desafio para todas as famílias. Segundo a profissional, os pais precisavm lidar com os horários de trabalho e as tarefas escolares das crianças, além de controlar o uso indiscriminado dos eletrônicos – o limite recomendável é uma hora por dia. Mariana observa que isto não substitui a interação social e impacta o desenvolvimento neurológico ao gerar hiperatividade e restringir os interesses dos pequenos àqueles jogos. Nesta conjuntura, a ação de uma psicóloga infantil ajuda a reverter o quadro.

– Quem trabalha na primeira infância faz uma entrevista com os pais para encontrar as queixas que eles têm a respeito do humor da criança. Depois disto, marcamos uma sessão com a criança, e é feita uma checagem entre aquilo que é queixa e aquilo que a criança mostra para você. Às vezes, essas coisas não coincidem. Você busca as estratégias comportamentais para fazer o manejo daquilo que os pais trazem como queixa. Os pais assistem, veem que aquilo funciona, e aí fazemos sessões para orientá-los sobre como conduzir isto dentro de casa ou em outros contextos.

Mariana também comenta que o isolamento social provoca mudanças de comportamento nas crianças, como ansiedade – graças à indefinição de quando a rotina vai voltar ao normal. Isto pode gerar estresse nos pequenos, e há dificuldade para dormir e se organizar para as tarefas. Mas à medida que a vida for retomada, os efeitos tendem a diminuir a médio/longo prazo. Para a psicóloga, os pais podem acelerar a recuperação dos filhos se tomarem algumas atitudes.

– Eu sugeriria procurar lugares abertos, levar a criança para parques, praias, procurar horários alternativos, às vezes bem cedo, quando está mais vazio. Conversar com pais ou pessoas de famílias que se cuidem, colocar crianças para brincar em ambientes com outras duas ou três, nem que seja a cada 15 dias, para passar do período de incubação do vírus. Variar nas atividades que faz em casa, brincar de faz de conta, fazer pipoca, uma festa do pijama só com quem vive junto. As crianças aprendem a se cuidar, quanto mais jovem mais fácil de treinar os hábitos. Através de alguns recursos lúdicos você gera prevenção.

Mariana Braido

Pressão de todos os lados

A economista Ariane Oliveira é a prova viva de que encarar este cenário, como mãe, não é nada fácil. Ariane relata que a filha de 4 anos, Olivia Crespo, saiu de uma rotina em que ficava cerca de oito horas por dia na creche para, desde o começo da pandemia, ficar confinada em casa enquanto os pais trabalham. Olivia também sentiu saudade dos avós, com quem tinha muito contato e precisou manter distância para não pôr a saúde em risco. Segundo a economista, a filha é agitada, e a rotina de não sair a fez sofrer bastante. A válvula de escape foi propiciar mais tempo de tela, com iPad, celular e televisão.

Em 2021, Olivia flexibilizou um pouco a rotina: retornou à escola, mas de máscara e sem poder trocar brinquedos com os amigos. Sentiu falta de abraçar colegas e professores. Para Ariane, isto é péssimo, já que é uma idade que as crianças aprendem a dividir, e o distanciamento social atrapalha a socialização. Não por acaso, revela contragosto ao ensino a distância.

– Para a educação infantil, acho que não faz sentido ter on-line. Só tem matéria, a criança precisa mesmo é de convívio social. Mas de uma maneira geral, a educação infantil teve um bom retorno. As escolas estão mais abertas para que a decisão seja dos pais, as instituições tentaram se adaptar e, de alguma forma, deu certo. Minha filha não botava a máscara de jeito algum antes de ir à escola, aí ela viu outras crianças, fizeram uma coisa lúdica para usar máscara e agora ela coloca numa boa. Entendo que o papel das escolas não foi fácil, pressão de todos os lados.

Ariane Oliveira e Olivia Crespo

A posição de Ariane não está muito distante da legislação brasileira. De acordo com a professora Alexandra Pena, do Departamento de Educação, o ensino a distância não é previsto para a educação infantil, visto que as diretrizes curriculares nacionais têm dois eixos estruturais: as interações e as brincadeiras. Mas como garantir isto em um formato on-line?

Coordenadora do Curso de Especialização em Educação Infantil da PUC-Rio,  Alexandra afirma que este cenário gerou muita discussão entre profissionais da área no começo da pandemia. Conforme o distanciamento social se estendeu para além do imaginado, algumas redes públicas de educação, assim como escolas privadas, encontraram caminhos para fazer o contato com as crianças, manter um vínculo com elas e dialogar com as famílias. E, segundo a educadora, esse processo evidenciou que o currículo da educação infantil ainda tem muito a ser questionado.

– No segmento da educação infantil, falamos em direito de aprendizagem e campos de experiência. Observamos nas páginas oficiais das secretarias (do Rio de Janeiro), ou em páginas de Facebook e Instagram, exercícios em folhas mimeografadas, propostas de atividades ultrapassadas, com uma ideia de escolarização muito precoce. É uma prontidão que tentamos combater ao longo de anos de estudo, e militância no campo da educação infantil. De alguma maneira, isto voltou com muita força, associado a uma cobrança de que as famílias assumissem o lugar do professor, o que sabemos ser  impossível. Ainda existe uma tensão em torno do que é o trabalho desse segmento da educação básica.

Alexandra também aponta que, após a pandemia, será necessário brincar muito com as crianças para compensar este período de enclausuramento. Alguns pequenos chegarão pela primeira vez à escola, ou vão ter passado um período enorme fora dela. Possivelmente, vão ter encarado experiências muito difíceis, como perda de parentes e o medo vivenciado diariamente pela presença do vírus. Vai ser preciso um período de acolhimento com a brincadeira, pois é por meio dela que as crianças se expressam. Para a professora, esta transição será uma oportunidade para revisar a metodologia da educação.

– Os documentos legais voltados para a educação infantil são muito avançados, mas nem sempre a prática anda no mesmo compasso que as leis. Apesar de já termos avançado muito, ainda vemos uma educação infantil marcada por ações assistencialistas sem uma intencionalidade pedagógica, ou a concepção de que deve preparar para o ensino fundamental. Precisava acontecer (repensar métodos e prática) independente de pandemia. Falar de educação infantil é falar de um projeto de sociedade, tudo começa lá na infância.

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