Dos campinhos para a TV, Futebol 7 vira negócio
24/05/2016 14:35
Bárbara Tavares e Lucas Paes

Nascido de projeto social, time do qual participam funcionários da PUC-Rio embarca no processo, ainda gradual, de profissionalização da modalidade conhecida como soçaite

Arquivo Pessoal

O Futebol 7, tradicionalmente conhecido como soçaite, ganha contornos de negócio. Impulsionada por reformas nas Federações de Rio de Janeiro e São Paulo e por negociações para que jogos sejam transmitidos pela tevê fechada, a modalidade torna-se uma das bolas da vez no mercado esportivo brasileiro. Executivos por trás desta guinada planejam aliar, à forte identificação com os brasileiros, um banho de marketing e de profissionalismo administrativo. Assim pretendem transformar o esporte associado aos campinhos de pelada e aos times formados por amigos da vizinhança num sucesso comercial. O novo batismo – de soçaite para Fut7 (seis jogadores de linha e o goleiro) – faz parte das diversas estratégias para embrulhá-lo como produto de mídia. Terão de superar esgrimas políticas e a carência de campos ou arenas com padrão profissional.

– A televisão só não é mais participativa porque não há locais com estrutura para receber a produção. Há o interesse da TV, e foram feitas algumas transmissões. O problema é a falta de espaço suficiente nas arenas para o posicionamento de câmeras e para acolher um número grande de torcedores, o que seria atrativo em um produto televisivo – observa Davi Pereira, criador e administrador do Jornal F7, mídia online destinada exclusivamente à cobertura da modalidade no Brasil.

Pereira aponta também estágios diferentes acerca das estruturas político-administrativa e física da modalidade. Enquanto São Paulo investiu na construção de uma arena própria para o Futebol 7, preparada para a transmissão das partidas pela tevê, outros estados não dispõem da mesma capacidade. Até o Rio, principal polo do esporte no país, carece de condições profissionais. A Arena Akxe, onde são disputadas competições como a Copa Rio, é uma das poucas estruturadas para jogos oficiais. Ainda assim, não comporta transmissões de TV.

Desencontros políticos e investimentos ainda incipientes também dificultam a profissionalização da modalidade e a escalada como negócio esportivo. A maioria das equipes associadas a marcas tradicionais do futebol é desvinculada da direção central dos respectivos clubes. Não recebe, portanto, incentivos destinados a modalidades consideradas mais estratégicas, como as olímpicas e, sobretudo, o futebol de campo.

A corrida por patrocínios associa-se à visibilidade nas plataformas de mídia, que, segundo gestores da área, tende a crescer nos próximos anos. Para atrair os investidores, eles contam com a popularidade do Futebol 7. Mais conhecido como soçaite, está entre os esportes mais praticados pelos brasileiros. Até que a popularidade se converta em audiência e receita proporcionais, o Fut7 terá de tornar plenamente profissional.

– Não consigo me sustentar apenas com o Futebol 7. Estou trabalhando como empresário no escritório da minha mãe – conta o atacante Fábio Goudard, do Vasco, campeão da Copa Rio. – Mas a rotina desgastante, entre o trabalho no escritório e os treinos, vale a pena. Encontro no Fut7 uma forma de continuar jogando em alto nível – pondera o ex-jogador profissional de futsal.

Um dos principais desafios à profissionalização do Fut7 remete a nós políticos renitentes. A Confederação Brasileira de Futebol 7 (CBF7) estabelece regras e calendário nacional, enquanto as federações amparam a modalidade em cada estado. No Rio, gestores de clubes romperam com a Federação. Alegam falta de reconhecimento do esforço em buscar patrocínios. Neste contexto, Flamengo e Fluminense suspenderam as atividades. Uma nova organização foi montada e discute  soluções para retomar o crescimento das transmissões de TV, que caíram no ano passado. Em 2014, o Fut7 somou 32 jogos televisionados, principalmente pelo SporTV e pelo Esporte Interativo. Já em 2015, só duas partidas do Campeonato Carioca foram transmitidas, pelo globoesporte.com.

São Paulo também tenta superar instabilidades políticas. Clubes opositores à Federação Paulista partiram para competições autônomas, sem qualquer tipo de chancela oficial. As partidas são disputadas como se fizessem parte de uma liga independente. Os investimentos subiram e resultaram na construção de uma arena específica para o Futebol 7, estruturada para abrigar todo o aparato de uma transmissão televisiva.

As federações estaduais, contudo, não são os únicos alvos das críticas de dirigentes. A CBF7 também sofre pressão pela falta de um calendário fixo de competições. A indeterminação leva as equipes – tanto as amadoras quanto as profissionais – a embarcar em agendas próprias, para se manterem competitivas e visíveis. Este calendário alternativo não necessariamente se articula com as conveniências da tevê. O ambiente favorece a manutenção de várias ligas, algumas dedicadas exclusivamente a equipes amadoras, como a Liga Fut7:

Arte: Mariana Salles/Freepik

– A Liga existe desde 2002 e realiza campeonatos de categorias de base, empresas, universidades, bairros. Procuramos atrair os times que querem disputar competições amadoras. Este tipo de iniciativa é importante para o crescimento do esporte no Brasil – acredita Gustavo Maranhão, um dos administradores da Liga Fut7.

Amadoras ou profissionais, as equipes brasileiras aguardam pelas mudanças que prometem ampliar o peso do Futebol 7 na cultura e na indústria esportiva do país. Com histórias, estruturas e pretensões bem distintas, esses times reproduzem a desigualdade observada no próprio tecido socioeconômico nacional. Por um lado, há os times que representam, mesmo sem relação visceral, tradicionais clubes do futebol de campo, como Vasco, Botafogo e Madureira. Amparados por uma facilidade maior na captação de receita, participam de grandes competições, remuneram os jogadores e dispõem de condições satisfatórias de treinamento. Por outro lado, as equipes menores lutam para captar patrocínios e para arcar com o custo. Muitas não conseguem escapar do amadorismo, mas mantêm aceso do sonho de condições e remunerações profissionais.

Um desses casos é o Projeto Cruzada, no Rio. Fundado com as raízes de um trabalho social desenvolvido na comunidade da Cruzada, no Leblon, o grupo participa de campeonatos maiores por meio da cessão da marca de outros times. Atualmente, a Cruzada joga com a camisa do Arraial do Cabo. (Leia abaixo um perfil do Vasco e do Projeto Cruzada)

Vasco: relação com a diretoria é ponto chave para o sucesso

Dono de conquistas recentes – quatro em 2015 e uma já em 2016 –, o Vasco é uma das principais referências no Futebol 7 brasileiro. Mesmo sem receber incentivos financeiros diretos, o time cruzmaltino se diferencia das demais equipes pelo auxílio injetado pela diretoria central do clube. Uniformes, material de treino e os produtos empregados em tratamentos médicos vêm de São Januário. Para o diretor de Marketing do Vasco Fut7, Rafael Santana, esta “relação estreita” facilita a gestão e a visibilidade:

– Por mais que não sejamos formalmente parte do Clube de Regatas Vasco da Gama, a relação que mantemos com a direção é saudável e nos ajuda em termos administrativos. Podemos usar a marca Vasco e, inclusive, temos acesso ao site principal da instituição. Algumas reportagens sobre nós são publicadas, e isso traz uma visibilidade maior para a equipe. Ainda temos toda a base estrutural oferecida para a realização do nosso trabalho.

Santana havia trabalhado como gestor do Fluminense. Ele aponta a necessidade de pagamento de royalties à diretoria tricolor como “motivo principal do insucesso da equipe”:

– No Fluminense, tínhamos uma empresa de marketing esportivo, e essa empresa pagava royalties para usar a marca do clube. Era uma relação custosa, que afasta investidores. Aqui no Vasco não tem isso, não tem contrato pré-estabelecido. O dono da Arena Akxe, inclusive, é amigo do (presidente do Vasco) Eurico Miranda e cede o espaço para treinarmos. Não temos uma relação financeira, mas a proximidade (com a direção do clube) nos ajuda bastante.

 

Thayana Pelluso

O Vasco treina na Akxe três vezes por semana, às segundas, quartas e sextas. O elenco é formado por nomes conhecidos no esporte, como Henrique Wruck e Igor Pereira, eleitos, respectivamente, o melhor jogador e o melhor goleiro do mundo em 2014. Igor já havia conquistado o título em 2013. A comissão técnica vascaína segue modelo do futebol de campo, composta por auxiliar, fisioterapeuta, massagista, preparador de goleiro e gerente de futebol.

Apesar dos pontos positivos, Rafael destaca que o Vasco ainda não deve ser tratado como uma equipe profissional do Futebol 7. Os jogadores recebem salários fixos, mas “não o suficiente para que vivam só disso”. Mesmo Wruck, que jogou futsal profissionalmente, precisa conciliar o esporte com a rotina de contador no escritório da família.

– Infelizmente, o Futebol 7 é, por enquanto, uma espécie de hobby que levamos a sério – resume o atacante.

Projeto Cruzada: o sonho da profissionalização

O Projeto Futebol Cruzada joga, digamos, noutro time. Não tem a origem e a estrutura do Vasco, embora também seja feito de abnegação e sonho. Nasceu em 2012, por iniciativa de atletas da comunidade Cruzada de São Sebastião, no Leblon, Zona Sul carioca. A maioria deles passou pelas seleções brasileira e carioca de Futsal e por clubes de futebol do Brasil e da Europa. Inicialmente montado como instrumento de inclusão social para crianças, jovens e adultos, por meio do esporte, o Projeto Cruzada passou a incorporar um time que disputa algumas das principais competições nacionais do Futebol 7. A participação nesses torneios é propiciada graças também ao apoio de incentivadores como o ex-jogador Adílio.  No fim dos anos 1970, ele saiu da Cruzada para se consagrar, na década seguinte, como o “eterno Caminha Oito da Gávea”. Um dos artífices daquela equipe encantadora comandada por Zico, marcou um dos gols na conquista mundial do Flamengo, em 1981. Hoje a habilidade é aplicada em outros campos, não menos importantes. Além de cuidar da equipe máster rubro-negra, Adílio ajuda ações sociais na Cruzada, como o do Fut7. O ex-craque costura as parcerias que permitem ao time participar dos campeonatos.

– Na gestão do Projeto Cruzada Fut7, fico por trás, estabelecendo contatos. Foi o que aconteceu, por exemplo, quando conversei com o pessoal da Região dos Lagos para que o time vestisse a camisa do Arraial do Cabo. Não pagamos nada por isso. É apenas uma cessão da marca em troca de visibilidade – explica Adílio.

Arquivo Pessoal

Outra figura importante deste projeto é o goleiro Leandro Fanta, que por muitos anos defendeu a seleção brasileira de Futebol de Areia. Filho do ascensorista da PUC-Rio Paulo César Brito, o PC, que também ajuda a iniciativa, Fanta é um dos poucos a viver do que ganha como atleta. Fora as atividades como goleiro, ele participa da gestão e da captação de patrocínios, Integra o grupo de gestores formado por Pedro Pereira, que atuou no Flamengo e no CFZ, e Guilherme da Silva, o Cazuza, que jogou na Espanha. Segundo Pereira, o trabalho conjunto dos gestores ambiciona um crescimento “sensível” do projeto:

– Temos o objetivo de profissionalizar nossas atividades. Por isso, estamos correndo atrás do CNPJ, obrigatório para a disputa do Campeonato Carioca, e de outros documentos importantes. E, como projeto social, estamos em processo de abertura de uma ONG. Tudo isso nos ajudará a atrair novos patrocinadores e parceiros para a Cruzada – prevê o gestor.

Os jogadores do projeto, a maioria deles nascida na comunidade, recebem ajuda de custo. Como os treinos são realizados à noite, três vezes por semana, trabalham em outras áreas durante o dia. Apesar das ambições profissionais associadas ao crescimento previsto do Fut7 no país, o esporte ainda representa, para eles, um desafogo da rotina. Sandro Gomes, funcionário do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, é um dos jogadores mais antigos da Cruzada. Ele sintetiza o sentimento positivo compartilhado pelos colegas de time:

– Todos nós jogamos por amor. Muitos sonhavam em ser jogador profissional. Alguns chegaram a iniciar uma carreira. De qualquer forma, é algo muito prazeroso, nos dedicamos ao máximo para defender em campo a Cruzada. Podemos até não ganhar nada com isso, mas, fazendo um balanço, vale a pena.

O Projeto Cruzada é composto também por atletas de fora da comunidade, como Mauricinho, jogador da Seleção Brasileira de Futebol de Areia. Assim como os demais, não recebem salários, mas sonham com oportunidades profissionais no esporte. Pereira lembra o caso de Ramon Santiago, que migrou para as categorias de base do Fluminense.

Apesar de ser um projeto ainda modesto se comparado à estrutura do Vasco, a parceria com outros clubes já rendeu resultados representativos e prestígio à equipa da Cruzada. Na Copa O-Live/Akxe, há cerca de dois meses, ficou em quarto lugar, perdendo só para o Vasco e o  Botafogo.

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