Maior que a crise financeira, só a crise política fluminense
28/04/2017 13:00
Gustavo Côrtes

Para o cientista político da PUC-Rio Ricardo Ismael, fracasso dos governos do PMDB, afundados em corrupção, além do colapso fiscal e financeiro, tiram a sigla da disputa eleitoral no Rio em 2018.

Arte: Diogo Maduell

Em meio à maior crise econômica da história, o Estado do Rio vive crise política ainda maior. Um PMDB enfraquecido pelo envolvimento de líderes em escândalos de corrupção vem tentando articular a renegociação da dívida do estado com a União, e aprovar na Assembleia Legislativa medidas para viabilizar o socorro financeiro. Um dos principais interlocutores da negociação, o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio, Jorge Picciani (PMDB), está sendo investigado pela Polícia Federal, junto com cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE), porque teriam recebido propina para aprovar contratos públicos. O TCE é responsável por fiscalizar as contas do governo, julgadas pela Alerj. Ao mesmo tempo, a chapa do governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) e do vice, Francisco Dornelles (PP), foi cassada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio por abuso de poder econômico nas eleições de 2014, e ambos aguardam nos cargos o julgamento de recurso. Picciani seria o primeiro na linha sucessória do governo do estado. Enquanto isso, as propostas apresentadas para sanear as finanças do estado encontram resistência da oposição, liderada pelo PSOL, que protocolou o pedido de cassação da chapa, e também dos servidores públicos, que enfrentam meses de atraso salarial.

“O fracasso dos governos do PMDB, afundados em corrupção, além do colapso fiscal e financeiro, tiram a sigla da disputa eleitoral no Rio em 2018”, afirma o cientista político da PUC-Rio Ricardo Ismael, para quem a estratégia de sobrevivência política de Picciani – que foi alvo de um mandado de condução coercitiva ­da PF, e já está de volta à Assembleia – será a mesma de Pezão: pressionar ainda mais o governo federal para liberar recursos e sanear as contas do estado, buscando reduzir a pressão.

– Picciani parece ter conservado o apoio. É um político muito experiente e influente. Mas está na defensiva, pois a condução coercitiva o desgastou. E a tendência é que a situação se agrave, já que há investigações e haverá delações. Além de Picciani, a Alerj tem sua imagem manchada, porque a acusação que pesa contra ele é de oferecer propina a conselheiros do TCE em troca de aprovações de contas irregulares, e o tribunal é um órgão auxiliar da Assembleia, responsável por fiscalizar o governo e os parlamentares. Mas ele conserva sua influência. Os desdobramentos dependerão dos rumos que as investigações tomarem.

Para Ismael, a cassação da chapa e a investigação sobre Picciani fortalecem a oposição do PSOL, e aumentam as incertezas sobre o destino do Palácio da Guanabara: caso se confirme a cassação da chapa Pezão-Dornelles, o presidente da Alerj assumiria interinamente o governo, convocando eleições diretas para a escolha de novo governador, para concluir o atual mandato em até 31 de dezembro de 2018. Isso se antes não houver provas das supostas irregularidades de Picciani, que podem levar a seu afastamento.

– Com a cassação, Pezão terá que enfrentar mais uma frente: o processo jurídico. Isso consumirá mais energias de um governo que não estava sendo capaz de encontrar saídas para o colapso fiscal e financeiro do estado, nem de administrar a situação na qual o grupo político do governador se envolveu em virtude da prisão de Sérgio Cabral. Portanto, no curto prazo – e política é feita também no curto prazo –, o discurso dos servidores públicos e do PSOL se fortalece, porque o TRE chegou à mesma conclusão da denúncia protocolada pelo partido. O maior desafio do governador será sobreviver a uma delação premiada de Sérgio Cabral ou de outros envolvidos, pois há o questionamento de participação direta ou indireta de Pezão, como vice. Se isso ocorrer, a possibilidade de impeachment passa a rondar o governo.

O impedimento ainda não está na pauta do parlamento estadual – o inquérito da Lava-Jato no qual o governador era investigado foi recentemente arquivado a pedido da Procuradoria Geral da República, por falta de provas do envolvimento em atos de corrupção. Mas a oposição já se prepara para essa possibilidade. O deputado estadual Waldeck Carneiro (PT-RJ) explica qual será a postura do partido:

– Caso a Alerj decida abrir um processo de impedimento, deveremos ser muito rigorosos no exame do dossiê. Se ficar claramente comprovado que Pezão cometeu crime de responsabilidade, nos termos da Constituição Estadual, durante o exercício do atual mandato, não restará aos deputados alternativa senão a cassação. De toda forma, mesmo na oposição, não me alegro nem comemoro situações dessa natureza, nem acho que devamos fazer de um instituto tão delicado e extremo como o impeachment um instrumento de luta política.

Ismael acredita que a prioridade de Pezão é terminar o mandato, mas lembra que até o fim do governo muita coisa pode acontecer.

– A vitória de Pezão será chegar a 2018 sem ter seu mandato cassado. O plano de voo de Pezão é modesto. Ele quer terminar o governo para voltar lá para a cidade dele (Barra do Piraí) e fechar a carreira sem a pecha de corrupto e mau gestor. O problema é que até 2018 tem muito tempo, então há sim risco de cassação da chapa ou de impeachment. É uma travessia longa em termos políticos, ainda mais para um governo tão impopular e desmoralizado.

Carneiro endossa a posição de Ismael quanto à incapacidade do PMDB em disputar a reeleição: “Com ou sem cassação, o povo fluminense buscará uma clara alternativa de mudança na eleição para governador em 2018, afastando o PMDB do comando do executivo estadual”. E destaca o aumento da fragilidade do governo, que terá mais dificuldades em negociações com o governo federal em razão da perda de credibilidade do presidente do legislativo fluminense: “Isso fragiliza ainda mais o governo. Imagino que as próximas semanas novas dificuldades apareçam, tendo em vista a dependência da aprovação de uma renegociação da dívida do estado com a União pela Câmara Federal”.

Pezão sancionou a lei que viabilizou a privatização da Cedae, uma das contrapartidas exigidas pela União num acordo de empréstimo de R$ 3,5 bilhões ao Rio, via BNDES, para pagar salários atrasados aos servidores. Manteve-se a tarifa social para o abastecimento de água e captação de esgoto nas “áreas de interesse social”. Os recursos obtidos a partir da venda da empresa deverão ser usados para quitar dívidas futuras e pagar parcelas das que já haviam sido contraídas.

Carneiro considera o negócio “perigosíssimo para o presente e o futuro do estado, que não devia se submeter às condições draconianas da União”. Ele alega a rentabilidade da Cedae, que teve um lucro líquido de R$ 248,8 milhões segundo último balanço, de 2015.

Waldeck Carneiro. Foto: Divulgação

Já para Ismael, o acordo era a única saída para lidar com os problemas emergenciais pelos quais o estado passa. Só a dívida com servidores públicos chega a R$ 2,058 bilhões:

 – Pezão é como alguém que está se afogando e precisa tirar a cabeça da água para respirar. A concretização da negociação com o governo federal é um respiro, pois dá condições de pagar os servidores em dia e tira o estado da situação de risco de greve da polícia e de servidores.

O orçamento do Rio já atingiu o limite de gastos estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Por isso, qualquer acréscimo na dívida precisaria de aprovação de mudanças na lei na Câmara Estadual, lembra Carneiro.

– Pezão pretende resolver o problema fiscal se endividando mais. E não se sabe até agora quais são as condições do empréstimo. Sabe-se apenas que as ações da Cedae seriam a garantia. Mas qual é a taxa de juros? E os encargos? Quando o estado terá que começar a pagar? Em quanto tempo terá que pagar? Nada disso foi definido. E o Rio já ultrapassou o limite fixado pela LRF em relação ao nível de endividamento. Só pode contrair novo empréstimo se o Congresso Nacional mudar a lei. Quando isso vai acontecer?   

As renúncias fiscais são apontadas como uma das principais causas da crise financeira do Rio. O estado deixou de arrecadar R$ 138,6 bilhões entre 2008 e 2013, em virtude do não pagamento de tributos de empresas, segundo relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE). O líder da oposição, Marcelo Freixo (PSOL-RJ), assumiu a presidência da CPI das Isenções Fiscais, que investigará supostas irregularidades na concessão de benefícios a empresas.

Para Carneiro, “se cobrarmos os impostos devidos, já será grande coisa”. O deputado defende a revisão da política de renúncia fiscal, a reivindicação por um ganho maior sobre royalties de petróleo e a cobrança das dívidas ativas – nas quais o Rio é credor – como solução para a discrepância entre gasto e arrecadação.

Mais do que enxugar a máquina, o Rio precisa cobrar a sua dívida ativa: ir no encalço dos grandes devedores e reexaminar a política de renúncia fiscal que transformou isenção em favor. Virou uma farra. Não podemos mais abrir mão de receitas, exceto em situações criteriosamente avaliadas como de potencial de geração de emprego e de aumento progressivo da base arrecadatória. Mas, para ter essa avaliação, o governo do Estado precisará adotar uma metodologia de acompanhamento. O Rio precisa intensificar a pressão sobre a Agência Nacional do Petróleo e o Poder Judiciário para que recebamos royalties e participações especiais relativas à exploração de petróleo e gás no patamar que nos é devido.

Professor Ricardo Ismael. Foto: Fernanda Szuster

Embora reconheça e critique a “ingerência dos governos do PMDB”, Ismael classifica como “populista” a postura da oposição fluminense, que se juntou aos servidores públicos na resistência a reformas de redução de gastos. Para o cientista político, “só sairemos desse beco sem saída se houver uma reforma fiscal na coluna da despesa”.

– A oposição no Rio diz: me elejam que eu não faço ajuste. Esse é um discurso populista fácil, segundo o qual todos os problemas do estado se devem unicamente ao governo atual, e qualquer proposta de reforma é neoliberal. A oposição diz que vai resolver tudo sem fazer cortes ou aumentar impostos e que vai aumentar os salários, mas essa solução não existe. Há um descompasso entre a realidade e a percepção das pessoas. Os estados estão quebrados, sem dinheiro para pagar em dia a folha de pagamento dos funcionários e manter serviços públicos. Nós estamos num momento decisivo. A conta é simples: o governo estadual tem uma despesa maior do que a receita. Há três maneiras de enfrentar isso: aumento de impostos, redução de benefícios com congelamento de salários ou aumento da dívida do estado. Na primeira, quem paga é a sociedade; na segunda, o setor público; e na terceira, as futuras gerações. Os servidores do Rio tentam pressionar o governador para não mexer nos salários e nos benefícios. Ou seja, querem passar a conta para a sociedade, com aumento de impostos e para as futuras gerações, com aumento da dívida.

Ismael alerta para o risco de resistência dos servidores a reformas fiscais nos estados desmantelar o início de reforma fiscal do governo federal, com a PEC do teto de gastos.  “O ajuste fiscal não depende só do governo federal, depende dos estados também”, lembra o cientista político.

– Se em 2017 o governo do Rio não enfrentar as corporações, jogando a conta para o governo federal, não haverá ajuste fiscal, porque todas vão pensar que, se fizerem pressão, o governo cede, e todo o esforço da PEC do Teto vai pelos ares. Nós estamos num momento decisivo. É preciso passar por uma experiência pedagógica para explicar às pessoas a necessidade de corte de despesas na máquina pública. O caminho dos impostos, num país que já está em recessão, sem dinheiro para pagar as contas em dia e para consumir, provocará mais quebra de empresas, mais queda no consumo e agravamento da recessão. Por isso, se tenta reduzir os gastos da máquina, congelando salários e cortando benefícios e cargos comissionados.

Embora também rejeite aumento de impostos, Carneiro se mantêm firme na defesa da manutenção de prerrogativas às quais funcionários públicos do estado têm acesso, e ressalta a defesa dos serviços públicos: “A luta dos servidores estaduais não é meramente corporativa, é para salvar vários serviços e equipamentos públicos estaduais do sucateamento e do fechamento”. Para ele, é preciso uma solução sem “retirada de direitos”, mas que também não sacrifique os contribuintes.

– Não acredito na melhora da economia do Estado tributando mais as atividades econômicas e os contribuintes em geral. Mas não acho justo vender a Cedae, sucatear os serviços públicos, retirar direitos dos servidores e os submeter a parcelamentos intermináveis de salários, pensões e aposentadorias. O mais importante agora é contribuir para a superação da crise e tentar encontrar saídas para melhorar a receita do estado, evitando que a fatura seja cobrada do servidor estadual e às parcelas da população que mais precisam dos serviços públicos.

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