O Brasil enfrentou. logo na abertura do ano, uma das maiores crises carcerárias. Só no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, primeiro presídio a deflagrar a série de rebeliões, as cenas de terror deixaram 56 mortos. Reflexo de precariedades crônicas do sistema prisional combinadas ao crescimento da população carcerária (quarta maior do mundo, com 622 mil atrás das grades), as chacinas na capital amazonense provavelmente teriam sido até mais extensas não fosse a mediação do juiz penitenciário Luiz Valois. "Quando cheguei lá (ao Compaj) levei um choque ao ver os corpos no chão, funcionários reféns, uma situação caótica. Mas não se pode dizer as proporões atingidas foram um acaso. Foram uma consequência do nosso modelo prisional", avaliou Valois, em meio aos estudantes que acompanhavam a aula inaugural do juiz para o curso noturno de Direito da PUC-Rio.
Problemas como superlotação, estrutura deficiente e domínio de facções criminosas assombram há décadas o sistema carcerário brasileiro. Alvo de críticas recorrentes da Organização das Nações Unidas, agurçam o risco de massacres, entre outros vilipêndios. O maior deles, no Carandiru, em São Paulo, há quase 25 anos, somou 111 presos mortos. Para Valois, priviatizar os presídios não é a solução. Ele, assim como outros especialistas da área, acredita que a virada de jogo exija, sobretudo, uma revisão do modelo prisional, inclusive na forma de distribuição dos presidiários:
– O cara está preso porque cometeu um crime. Ai a gente coloca o cara numa prisão que, de certa forma, também se manifesta contra a lei. Como determina a Constituição, os presos deveriam ser separados de acordo com seus crimes, idade. Deveria haver também um trabalho para reinserir o detento na sociedade. Se continuarmos a caminhar desse jeito, jamais resolveremos o problema do sistema carcerário brasileiro, que é antigo – alerta.
Para Valois, a privatização dos presídios de nada adiantaria enquanto não se melhorasse o modelo carcerário, articulado com uma política de ressocialização. Ele lembra que, há mais de um século, a adoção de presídios privatizados revelou-se fracassada:
– O modelo inicial da prisão era privatizado. Os “empresários” da época colocavam os criminosos em porões, ou lugares do tipo, e cobravam do governo por isso. Depois de algum tempo, percebeu-se que o modelo não estava funcionando e, assim, adotaram-se prisões admistradas pelo poder público. A privatização não vai mudar nada. Não é o modelo público que faz a cadeia não funcionar. O importante é reintegrar o preso na sociedade. Com o modelo atual, isso se torna uma missão quase impossível.
Especialistas são unânimes em apontar a incidência do poder paralelo em boa parte das prisões como um dos principais rastilhos de pólvora do sistema carcerário brasileiro. Constatada em relatórios como o que avaliou, para o Ministério da Justiça, quatro penitenciárias amazonenses em 2015, inclusive o Compaj, a influência de facções criminosas desdobra-se também no grande volume de armas e celulares sistematicamente encontrados com detentos. Agravado pela superlotação, o cenário faz desses presídios bombas-relógio, alertam analista de segurança público e levantamentos da ONU e da Organização dos Estados Americanos.
Não raramente qualificadas como usinas de violências – parte delas eclode em tragédias como a do Carandiru e a do Compaj –, penitenciárias brasileiras sacrificam, principalmente, negros e pobres, observa Valois. A concentração reproduz recorrência observada, por exemplo, no Mapa da Violência: de 2004 a 2015, o volume de homicídios contra negros cresceu 18,2%.