Rio da Pedras, 23 anos depois
05/12/2023 15:44
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Pesquisa mostra que favela está mais conectada, desigualdade permanece

Há 23 anos, o professor Antonio Carlos Alkmim, do Departamento de Ciências Sociais, realizou uma pesquisa com um grupo de alunos na favela de Rio das Pedras, na Zona Oeste. Naquele momento, a comunidade vivia o crescimento de uma força que se tornaria dominante na disputa pelos territórios da cidade do Rio de Janeiro e que estava, naquele momento, à frente da associação de moradores.

Professor Antonio Carlos Alkmim iniciou a pesquisa no ano 2000. Foto: Mateus Monte

Os pesquisadores encontraram uma população com forte presença de migrantes nordestinos, moradores com escolaridade e renda baixas. O estudo se tornou referência e deu origem ao “Caderno de Sociologia, Política e Cultura – Favela e Questão Urbana” e ao livro “A Utopia da Comunidade: Rio das Pedras – uma favela carioca”, do professor Marcelo Burgos, atual diretor do Departamento de Ciências Sociais.

Este ano, com incentivo de dois ex-alunos que participaram do primeiro levantamento, João Áureo Lins e Afrânio Silva, o professor Alkmim refez o estudo na comunidade, com participação de antigos e novos alunos da disciplina Métodos e Técnicas de Pesquisa I. O resultado será apresentado nesta quarta-feira (6) em um evento que terá a presença de lideranças e de moradores de Rio das Pedras.

O novo estudo mostrou que alguns problemas, principalmente ligados ao meio ambiente, como ausência de esgotamento sanitário, contaminação do rio, poluição e acúmulo de lixo nas vias públicas, ainda persistem. A questão da violência ganhou novos contornos. Os níveis de escolaridade cresceram, mas ainda são baixos entre a população. Se em 2000, apenas 5% tinham computador em casa, agora mais de 90% possuem smartphone. Um dado surpreendente é que a TV aberta e o rádio ainda são meios de comunicação com boa penetração na favela, como conta o professor Alkmim em entrevista ao Jornal da PUC.

Este ano, Alkmim refez o estudo na comunidade, com participação de antigos e novos alunos. Foto: Mateus Monte

De 2000 para 2023, o que mudou na articulação para viabilizar a presença dos pesquisadores na comunidade?

Prof. Antonio Alckmin: Mudou porque a força hegemônica que controlava a associação não tem mais a força que teve em 2000. Hoje há uma disputa pelo controle da comunidade por diferentes segmentos. Foi necessário, como é comum em pesquisas deste tipo, uma conversa que envolveu as lideranças comunitárias, entidades e pessoas que lideram os segmentos apontados. Foi um processo diferente dada a maior complexidade hoje.

Quem compôs o grupo que fez o levantamento e quando ele foi feito?

Prof. Antonio Alckmin: O grupo foi composto por mim, pelo João Áureo e o Afrânio Silva, do Instituto Prover, que financiou a pesquisa junto com o Departamento de Ciências Sociais. Nós três coordenamos a pesquisa. Tivemos 11 alunos matriculados na matéria, e cerca de 30 pessoas da comunidade ou ex-alunos de 2000.

Em termos demográficos, o perfil da comunidade é o mesmo de 2000?

Prof. Antonio Alckmin: Não. Há diferenças significativas do ponto de vista demográfico, como o envelhecimento da população. Uma maior proporção de pessoas nascidas no Rio, provavelmente filhos de migrantes nordestinos. Uma maior proporção se declarou preta ou parda. Houve uma diminuição dos que se declararam católicos, embora não tenha ocorrido uma presença significativa de evangélicos. As pessoas, de uma forma geral, perderam  seus vínculos com a religiosidade institucionalizada, mas não se tornaram ateias ou agnósticas. Esta mudança está associada ao aumento dos que não têm religião, mas acreditam em Deus.

E quanto ao perfil socioeconômico dos moradores?

Prof. Antonio Alckmin: O nível de renda que medimos pela renda familiar per capita apresenta valores similares aos de 2000, atualizados pelo INPC do IBGE. Entretanto, o número médio de pessoas nas famílias caiu  de 3,9 para 2,7. O nível do índice de Gini foi de 0,64 para 2023. Para quem acha que a favela é um local onde não existe desigualdade, parece não estar correto. Os níveis de renda permanecem relativamente os mesmos. E a desigualdade interna é alta.

Uma das novidades deste estudo foi marcar pontos de poluição na região. Como isso foi possível e qual o objetivo?

Prof. Antonio Alckmin: Quarenta e seis por cento (46%) dos moradores apresentaram problemas de saúde (inclusive emocionais). Os problemas com ansiedade e depressão foram relatados por  16% dos entrevistados. O rio que  dá o nome à favela apresenta níveis de toxicidade e poluição desde a nascente até o seu término. Ficou visível que além do aumento da densidade populacional, há uma correlação com indicadores sociais. Este estudo foi feito pelo Instituto de Limnologia da UFRJ, parceira do projeto.

Foi possível levantar indicativos do impacto da violência na comunidade nas últimas duas décadas?

Prof. Antonio Alckmin: A violência interna na favela hoje é bem significativa, como não era em 2000, mas uma parcela diz que Rio das Pedras é uma favela tranquila e boa para viver. Os problemas sociais ganharam mais relevo com esta pesquisa. Principalmente a questão do saneamento, lixo, enchentes, alagamento. Por outro lado, quando perguntamos sobre violência na cidade do Rio, este foi o maior problema apontado.

Mesmo com o aumento da escolaridade, os níveis ainda são baixos? Como isso se reflete no perfil profissional dos moradores?

Prof. Antonio Alckmin: O nível mais alto de escolaridade efetivamente aumentou, Pessoas que alcançaram o ensino superior, mesmo que incompleto, subiu de 2% para 11% de 2000 para 2003. E há grande demanda por cursos de inglês, tecnologia e informática, assim como cursos de formação técnica mais específica.

Em termos de acesso à tecnologia e meios de comunicação, o que mudou entre os dois levantamentos?

Prof. Antonio Alckmin: As redes sociais estão presentes de forma muito intensa. Os moradores acessam essas mídias cerca de 7h por dia,e dedicam 3h para a televisão e 2h para o rádio. De certa forma, é outro universo de acesso às mídias. Em 2000, 3% tinham acesso à internet e 5% ao computador. Hoje, o WhatsApp é o meio mais importante e mais de 71% dos moradores utilizam o aplicativo. O Instagram e o Facebook aparecem em seguida. TikTok, X/Twitter, Telegram e LinkedIn têm bastante acesso. É importante ressaltar que 16% dos moradores ainda consideram a televisão como a mais importante mídia de acesso. E, como em 2000, a maior parte assiste ao noticiário, novelas, futebol, filmes e programas ao vivo.

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