Reforma Tributária busca simplificação e neutralização
06/12/2023 18:28
Eduarda Farias

Professores da PUC-Rio esclarecem e opinam sobre as expectativas da proposta

Reforma Tributária promete simplificar sistema de impostos brasileiros. Foto: Freepik

Após mais de 30 anos de debate e espera de diferentes setores da economia, a Reforma Tributária passou no Senado Federal, ainda que com alterações. Considerada um dos principais desafios e objetivos do governo Lula, a proposta volta à Câmara dos Deputados com um lema central: simplificação e neutralidade, segundo Carlos Henrique Tranjan Bechara. Professor de Direito Financeiro e Tributário do Departamento de Direito da PUC-Rio, Carlos Bechara afirma que apesar de ter diversos aspectos indefinidos, a reforma propõe ser um facilitador da tributação do consumo brasileiro. Para ele, há maturidade no país para discutir a mudança na legislação, o cenário político é adequado e a oportunidade não deve ser perdida.

Com o objetivo de extinguir a variedade de impostos no país, a proposta busca criar o Imposto de Valor Agregado (IVA Dual) para substituir as cinco principais arrecadações atuais. O IVA Dual, como diz o nome, é dividido em dois: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). O IBS substitui o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços (ISS), de nível estadual e municipal, respectivamente. O ICMS está presente no dia a dia do consumidor e é cobrado, por exemplo, na circulação de mercadorias, nas telecomunicações, no transporte e na energia elétrica. Já o ISS possui uma lei complementar para definir quais serviços são taxados e qual o percentual que recai no preço final do consumidor.

A Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) inclui a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e o Programa de Integração Social (PIS), de nível federal. As duas são contribuições sociais similares que incidem sobre a receita bruta das empresas.

Com as alterações, a estrutura de tributação passa a ter um único imposto no lugar de quatro. De acordo com Carlos Bechara, por terem diferentes controles (federal, municipal e estadual), os impostos anteriores causavam brigas judiciais homéricas. Ele explicou como, por exemplo, o serviço de telecomunicações se encaixa nos “Serviços” tanto do ICMS, quanto do ISS, que são recolhidos de formas distintas. A reforma dos tributos de consumo resolveria as discussões criadas para alcançar um acordo na justiça. A simplificação, para o professor de Economia do Departamento de Economia Juan Rios, ainda facilita a vida do consumidor, visto que o governo deixa mais claro o que é cobrado no imposto.

O equilíbrio da conta

Uma especificação da proposta é a incidência no destino, ou seja, quem comprou paga. Anteriormente, as cobranças poderiam ser na origem, no destino ou até parciais, e variavam com o acordo. O texto da reforma ainda não definiu a alíquota - o valor percentual que o imposto cobrará do consumidor, seja ele físico ou jurídico. Mas, para esclarecer o funcionamento das possíveis novas regras, o professor Juan Rios criou uma situação hipotética em que a alíquota é de 28%. Diga-se que uma fábrica de cerveja compre alumínio para fazer a lata a um custo de R$ 100. O supermercado paga à fábrica 200. Por fim, o estabelecimento adicionará a sua taxa de lucro, custos e outros fatores que resultarão em uma bebida de R$ 300 ao consumidor. Com a alíquota a 28%, a cada 100 reais, R$ 28 da compra são recolhidos pelos governos por meio do IVA.

No entanto, de acordo com os dois professores, a indefinição impede que especialistas digam como a reforma afetará o bolso da população. Carlos Bechara, também Mestre em Direito Tributário, adverte que a mistura dos impostos municipais, estaduais e federais demandará um cálculo da tributação que não diminua a arrecadação dos governos. O professor mencionou que já ouviu 25%, 28% e 30% referentes ao IBS, o que o preocupa é o equilíbrio dessa conta.

— Ouvi em um seminário que para reduzir a alíquota do consumo, tem que aumentar a da renda. O que significa atingir os mais ricos e preservar os mais pobres. Quando isso vai acontecer, é impossível saber. O IVA é um tributo injusto por repassar no produto. Pobre e rico pagam a mesma coisa, diferentemente do imposto de renda que depende do que se ganha. O que isso quer dizer? Se a carga tributária de um celular de mil reais aumentar para tentar manter a arrecadação que se tinha antes, o aparelho pode alcançar R$ 1.500 ou R$ 2.000 para todos. Deveria ser uma simplificação com redução da carga, mas isso não me parece que está sendo feito. Meu medo é o pior: aumentar o consumo e a renda. Dessa forma, bateremos recorde mundial, como sempre, de carga tributária.

Professor Carlos Bechara faz balanço da reforma tributária. Foto: Acervo Pessoal

Bem ou serviço

Além da simplificação, a neutralização é característica principal da proposta. O professor Bechara explica que, para um imposto ser neutro, ele não pode impactar os setores produtivos e a indústria. Além disso, deve ser amplo e igualitário independente da atividade realizada por uma empresa. A segunda grande alteração da reforma do consumo é a criação do Imposto Seletivo (IS) para substituir o Imposto de Produtos Industrializados (IPI). O IS é uma tributação que incide sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Para definir o que exatamente é um bem ou serviço com tal impacto negativo, será necessário uma lei complementar.

No entanto, o professor Carlos Bechara expressou apreensão quanto à criação de legislações paralelas aos impostos. Para ele, a decisão do que é bom ou ruim para a saúde o meio ambiente é subjetivo e pode mudar de pessoa para pessoa.

— Há segmentos da indústria preocupados. Telecomunicações, por exemplo: algumas pessoas defendem que celular faz mal e ficar com o aparelho na cabeça tem radiação… Elas podem pôr a indústria de telecomunicação para pagar um imposto a mais? É um absurdo. E pior, inventaram na Câmara uma contribuição estadual extra para determinadas operações, o que é uma excrescência! Queríamos simplificar os cinco impostos e, se contar, agora são quatro (IBS, CBS, IS e a suposta contribuição estadual). Tem setores que começaram a fazer força política para ter tratamento diferenciado no Congresso e alguns dão para entender o motivo, mas outros não. Se começar a criar exceções, o céu é o limite e todos podem pedir.

Carlos Bechara, para concluir, apontou que a implementação integral da reforma tributária é um processo que pode levar cerca de sete a dez anos. No futuro, além dos benefícios da simplificação e neutralização para pessoas físicas e jurídicas, a economia brasileira pode ser beneficiada.

Mais Recentes
Alunos terão desconto em moradia universitária
PUC-Rio fechou parceria com Uliving, maior rede deste tipo de serviço no país
Discriminação algorítmica, efeito das IAs
Etarismo, racismo e homofobia são pautas no desenvolvimento de novas tecnologias digitais.
PUC-Rio sedia Conferência Nacional de CT&I
Evento traz contribuições para encontro no Brasil, em junho