Apenas em 2022, a Justiça Eleitoral brasileira recebeu 15 mil denúncias relacionadas a notícias inverídicas sobre as eleições. Com as informações circulando de maneira cada vez mais veloz, é necessário que o usuário reconheça e pesquise o que é verdadeiro e falso. Como tentativa de frear o avanço da desinformação on-line, em 2020, um projeto de lei foi aprovado pelo Senado Federal instituindo a transparência nas redes sociais e nos serviços de mensagens privadas, responsabilizando os provedores pelo combate à disseminação de notícias falsas no ambiente digital.
Nos dias 27 e 28 de novembro, a PUC-Rio recebeu pesquisadores de seis países ao redor do globo para conversar sobre as diferentes maneiras que as respectivas nações lidaram com a desinformação durante os períodos eleitorais passados. O encontro foi organizado pelo professor Marcelo Alves, do Departamento de Comunicação da Universidade, em parceria com os professores Jonathan Ong e José Mari Lanuza, da Universidade de Massachusetts Amherst, e Caroline Pecoraro, doutoranda em Comunicação pela PUC-Rio.
O professor Marcelo Alves destacou que a preocupação em combater a desinformação nas redes sociais aumentou nos últimos anos, e a principal estratégia utilizada para conter as notícias falsas foi o alinhamento dos órgãos públicos e a atuação da imprensa na checagem de fatos.
– A questão de 2024 é tentar construir ou replicar a mesma estrutura institucional que tivemos no nível nacional para os estados e municípios. Nosso objetivo com esses debates é construir redes globais, coalizões de solidariedade e aprendizado mútuo em que consigamos dizer os acertos e os erros da experiência brasileira e também aprender com contextos relativamente parecidos.
Além de Marcelo, os professores e pesquisadores envolvidos nos debates, como Rafael Grohmann, Raquel Recuero e Camilla Tavares, são autores do relatório "Desinformação e Eleições de 2022 no Brasil: lições aprendidas em um contexto Sul-Sul", lançado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberanias Informacionais (INCT-DSI). A pesquisa foi o ponto de partida da primeira mesa de discussões.
Para promover uma troca de experiências entre países do Sul Global, professores de universidades brasileiras e filipinas discutiram as diferenças de fenômenos que ocorreram durante o processo eleitoral. O professor José Mari Lanuza, da Universidade de Massachusetts Amherst, é um dos autores do estudo comparativo sobre o processo eleitoral do Brasil e das Filipinas.
O docente refletiu sobre o passado autocrático que ambas as nações tiveram, avaliando a influência desse período na memória da população local, o que reflete no processo eleitoral. De acordo com José Maria, a fragilidade democrática desses países aponta para a lembrança de um passado autoritário.
O professor da universidade americana e que também atua na área de ciência política na Universidade das Filipinas Manila, destacou o avanço brasileiro em relação ao combate à desinformação. Para ele, a diversificação nas maneiras de lidar com as notícias falsas, como a checagem de fatos e ações jurídicas, foram aspectos importantes para o sucesso desse processo, o que não ocorreu da mesma maneira no país asiático.
A fim de entender as diferenças entre os períodos eleitorais que ocorreram recentemente no mundo, o professor Ethan Zuckerman, da Universidade de Massachusetts, comparou as maneiras que os governos brasileiro e norte-americano lidam com a desinformação on-line. De acordo com ele, a principal contraposição é que, no país sul-americano, as autoridades utilizam seu poder para tirar conteúdos não verídicos do ambiente digital, o que não costuma acontecer nos Estados Unidos.
– A ideia de fake news gera controvérsias nos Estados Unidos. Não existe nenhuma medida similar à atitude das autoridades eleitorais brasileiras de tirar materiais falsos do ar. Em alguns estados, existem movimentos que pedem a proibição da retirada de conteúdos políticos, mesmo que sejam desinformativos, muitas vezes justificando-se pela liberdade de expressão. Nas eleições americanas do ano que vem, é possível que as plataformas midiáticas criem medidas para lidar com o problema, mas acho difícil que o governo tome uma posição específica, por isso a imprensa também vai desempenhar papel fundamental – revelou Ethan Zuckerman, pesquisador em políticas públicas e comunicação.
José Fernando Chuy, da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e Samara Castro, diretora do Departamento de Promoção da Liberdade de Expressão, pertencente à Secretaria de Comunicação, se uniram a representantes de agências de notícias e organizações de fact checking para discutir as medidas efetivas e as que não deram certo no combate à desinformação nas eleições brasileiras de 2022.
Com a criação do Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação no Âmbito da Justiça Eleitoral, foi possível estabelecer planos estratégicos para lidar com as questões. A partir da divulgação massiva de informações verídicas e oficiais sobre as eleições, campanhas de conscientização sobre desinformação e a criação de uma coalizão permanente para a checagem dos fatos, a Justiça Eleitoral, junto ao TSE, combateu ativamente o avanço da disseminação de notícias falsas.
A mídia tradicional, no contexto das eleições de 2022, colocou a desinformação como centro de debate. Em 2018, a propagação de notícias falsas já era mencionada, mas no ano passado se tornou protagonista das discussões. Para além, o papel da imprensa somado às medidas propostas pelo TSE desempenharam papel importante para conscientizar a população.
De maneira geral, os debates buscaram fugir de falsas simetrias e analisar cada caso de forma particular. Isso porque a desinformação como arma política é moldada pelos contextos históricos e culturais, que afetam o acesso a notícias e o impacto delas.
As eleições gerais da África do Sul, em 1994, representaram o fim do apartheid. A data é considerada símbolo da nação, liberdade e civilidade. Na primeira votação após o regime de segregação racial, o número de eleitores correspondeu a 80% da população. Apenas 45% da população participaram do último período eleitoral.
Sherylle Dass é diretora do Legal Resources Centre, uma organização de direitos humanos sediada na África do Sul, e atribui como principal causa da diminuição de votos o aumento da desigualdade social. O retorno da democracia significou para muitos a conquista da liberdade e segundo a defensora, aqueles que já nasceram livres perderam o interesse pela política.
De acordo com Sherylle Dass, a juventude do país é apática aos assuntos públicos por ter as redes sociais como fonte de informação e com isso estar exposta às notícias falsas. Para ela, a liberdade democrática não deve ser tomada como garantia e ninguém está imune às consequências da desinformação.
O diretor do Media Monitoring Africa (MMA), William Bird, afirmou que também foi responsável por retratar os desafios enfrentados pelo país no encontro. A partir da experiência no MMA - organização que monitora canais de comunicação e de propaganda política - ele ressaltou a importância da regulação das mídias digitais. Bird acredita que o perfil da sociedade é um fator essencial para que a desinformação como arma política tenha êxito. No caso da sul-africana os extremismos tornam o ambiente suscetível às falsas notícias.
— Na sociedade podemos ser horríveis e brutais, mas também podemos alcançar e fazer coisas incríveis. É uma sociedade de extremos e todos devem jogar sob as mesmas regras, inclusive as mídias digitais.
A professora Rose Marie Santini, da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Eco/UFRJ), analisou como a campanha eleitoral foi feita pelos candidatos. Nas redes sociais, onde grande parte da propaganda política ocorre, toda publicação que tenha esse objetivo deve ser sinalizada. De acordo com o DataSenado, as redes sociais influenciam o voto de 45% da população.
– O Brasil tem uma articulação política parecida com a dos Estados Unidos, e as eleições americanas têm sido uma referência para o que vai acontecer no Brasil. Isso aconteceu em 2020 e provavelmente vai acontecer nas próximas eleições, em 2024. Ano passado fizemos um estudo onde descobrimos que 70% da publicidade que circulavam no Google, por exemplo, era irregular, sem respeitar a lei eleitoral, e isso só explicita que a gente precisa ter mecanismos de transparência para que a prestação de contas seja feita de forma mais adequada – afirmou a pesquisadora.
Tai Nalon é criadora e diretora executiva do site Aos Fatos, uma organização voltada para a checagem de informações. A jornalista relatou que a plataforma possui um radar que utiliza linguística, por meio de inteligência artificial não generativa para encontrar potenciais tópicos de desinformação das principais plataformas de redes sociais. “O algoritmo é treinado para encontrar padrões que podem elencar peças de desinformação que, em escala, podem configurar campanhas de desinformação”, concluiu.