Lázaro Ramos: “Quero ser um operário que abre caminho"
04/05/2017 19:03
Camila Gouvea

Convidado pelo Coletivo Nuvem Negra, ator conversou com estudantes sobre protagonismo negro nas artes e na educação.

Entrar em uma universidade não costuma ser uma sensação confortável para Lázaro Ramos, que se emocionou ao chegar à PUC-Rio, na noite de terça-feira, e encontrou os Pilotis do Prédio Kennedy tomados de jovens negros: “Estou com uma vontade enorme de chorar”. O ator e diretor se lembrou da vez em que, quando jovem, procurou a biblioteca da Universidade Federal da Bahia (UFBA), para ler alguns livros, recebeu olhares que diziam que aquele não era o seu lugar. Repetiu a experiência três vezes, e depois de tanto desconforto em todas elas, desistiu. E lamenta tanto tempo e informação perdida. “Sei que talvez essa vontade de chorar e esse nervoso que está me dando é uma coisa que todo mundo aqui vai entender, porque esse nó na garganta, essa vontade de chorar passa por nós, negros, todos os dias” disse, abrindo o encontro Lázaro Ramos: Educação e Arte Negra, promovido pelo Coletivo Nuvem Negra da PUC-Rio.

Motivado por perguntas da plateia, Lázaro contou ter enfrentado muito “olhar torto” nas artes até chegar aonde chegou. Ele vem de um grupo de teatro formado por atores negros, o Bando de Teatro Olodum, de Salvador, que surgiu em 1990. Os atores vinham de grupos de bairro, de igreja, alguns sem muita experiência. Para o ator, esta nova voz no teatro baiano e brasileiro foi mal interpretada. “A percepção que tiveram desses atores quando eles estavam no palco foi compreendida como se Marcio Meirelles, diretor do grupo, tivesse recuperado prostitutas e marginais. Foi assim que o Bando, aquele grupo que fez o filme Ó Paí, ó, foi interpretado, através de um pré-conceito”, relatou Lázaro.

Sobre representatividade negra no mercado de trabalho, Lázaro trouxe dados de pesquisa de Harvard, feita com mais de 1.800 profissionais e funcionários de empresas cujos líderes eram diversos. “Já que vivemos em uma sociedade capitalista, eu trouxe alguns números para nos ajudar a entender o que significa ter uma maior diversidade nas empresas para além da reparação social”.

Segundo a pesquisa, empresas que tinham diversidade ampliaram a participação no mercado em que atuam em 45%, e 70% dessas organizações conquistaram novos mercados. E quando uma equipe de funcionários de uma empresa tem pelo menos uma pessoa da mesma etnia do cliente, o time tem 152% mais chances de compreendê-lo melhor. É uma regra de mercado que ainda não é compreendida completamente, observou o ator: “Parece uma coisa óbvia, mas não é. Tive conversas com algumas pessoas, patrocinadores, profissionais do meio do entretenimento que trabalham comigo que se surpreenderam com esses números”.

Em seus trabalhos, Lázaro tenta sempre transmitir sua ideologia. Em Mister Brau, série da Rede Globo, todo o elenco busca, a partir da comédia, falar da importância da conscientização e educação da sociedade.

– São coisas importantes que devem ser transmitidas. Este ano conseguimos trazer não só o preconceito racial, mas também outras temáticas, como o machismo, o bullying, e acho que é um momento propício para experimentações. Nós temos que ser contaminados pela nossa verdade quando vamos construir as nossas obras.

Ser apontado como uma referência na indústria cinematográfica brasileira virou um motivo de angústia para Lázaro durante um tempo, mas ele contou ter transformado essa angústia em motivação para usar sua visibilidade para abrir outras portas e movimentar a inserção de diversidade nas empresas e na mídia.

– Não sou mito nenhum. Eu preciso me dizer isso e dizer para as pessoas, porque é mais útil e mais importante eu ser um operário. Acho que representar alguém serve se for para utilizar esse mercado para trazer mais gente. Então não quero ser um mito, quero ser um operário que abre caminho.

Foto: JP

Sonhador e ao mesmo tempo realista, Lázaro reconheceu ser uma exceção, lembrou que a inserção dos atores negros no teatro, na televisão e no cinema é muito limitada, e agradeceu a oportunidade e a proteção que teve do Bando Olodum. Mas incentivou quem quer seguir os mesmos passos, mesmo em um momento em que produzir cultura é um grande desafio, e em que muitos se questionam para que serve a cultura, o que é cultura, porque se deve financiar cultura:

– Fico apreensivo quando os jovens vêm saber do meu percurso, porque eu sei que sou uma exceção e eles podem não ter as mesmas oportunidades que tive. Mas uma frase que eu digo muito é “Seu lugar é onde você sonhar estar”. Falo isso como um mantra para dar força a várias pessoas que olham para mim e me veem como referência. Acho que a busca da sua própria essência como profissional das artes é um ponto interessante e talvez isso te leve a algum lugar. Mas não tem fórmula.

Ator e diretor da peça O topo da montanha, na qual divide o palco com sua mulher, a atriz Taís Araújo, pôde trazer seu lado militante, que cria rupturas a partir da narrativa, e seu lado lúdico, que traz encantamento e atrai as pessoas pela poesia. A peça aborda assuntos atuais como protagonismo da mulher na sociedade e o assassinato de jovens negros, através da narrativa do último dia de vida de Martin Luther King. No Hotel Lorraine, Luther King, interpretado por Lázaro, conhece a camareira Camae, interpretada por Taís, e através de deboche e provocação, ela o faz lembrar que ele também é humano e tem defeitos.

O roteiro da americana Katori Hall, de 25 anos, não foi um grande sucesso nos Estados Unidos – pessoas questionaram o fato de Martin Luther King ser representado como um homem imperfeito, o que foi visto como um desrespeito. Lázaro discorda: “Quando a gente pensa nos nossos mitos, temos que ter certa generosidade e uma compreensão das humanidades dele. É isso que eu gosto nessa peça, poder falar do Luther King nesse lugar ‘humanizado’.”

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