Quadrinhos surfam na onda transmidiática
23/05/2017 18:18
Paula Ferro Freitas

Para especialistas reunidos na PUC-Rio, diálogo com o cinema e ajustes às demandas emergentes das plataformas midiáticas ampliam o horizonte do gênero.

Na contramão da perda de espaço da mídia impressa decorrente do avanço digital no consumo de informação e entretenimento, as histórias em quadrinhos resistem por meio do diálogo com outras plataformas. As HQs renovam-se à medida que as narrativas se expandem na tevê, no cinema, na web. Para o professor de Comunicação Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Rodolfo Londero, um dos participantes de debate na PUC-Rio sobre os rumos deste pilar da cultura pop, o cinema revela-se “um termômetro do poder dos quadrinhos”.  A comparação faz sentido: das quinze maiores bilheterias mundiais, três referem-se a filmes derivados de HQs: Os vingadores, de 2012, em quinto lugar, com US$ 1,5 bilhão; Os vingadores: Era de Ultron, de 2015, em sétimo, com US$ 1,4 bilhão; Homem de Ferro 3, de 2013, em décimo primeiro, com US$ 1,2 bilhão; e Capitão América: Guerra Civil, de 2016, com US$ 1,1 bilhão.

Hoje não tem como dissociar o crescimento dos quadrinhos do cinema. Muito da potência que os quadrinhos voltaram a ser deve-se ao cinema, em especial da adaptação de personagens da Marvel e ao trabalho de um conceito que nós de comunicação conhecemos como narrativas transmidiáticas: um filme busca um pouco da história de outro, criando um imenso crossover – observa Londero.

A avaliação é acompanhada pelos demais participantes da palestra Quadrinhos: gosto, faço e pesquiso, que reuniu também o quadrinista Miguel Mendes, o Mig, e o jornalista Rodolfo Londero. Com a mediação do professor de Comunicação Gráfica da PUC-Rio Affonso Fernandes, eles lembraram que outro emblema recente do diálogo vigoroso entre HQs e cinema está fora do universo dos super-heróis. Remete ao livro Persépolis (2004, Companhia das Letras). A autobiografia em quadrinhos da escritora, ilustradora e cineasta franco-iraniana Marjane Satrapi, narrada durante a Revolução Iraniana, virou um filme animado em 2007. Aclamada pela crítica, a obra foi premiada no Festival de Cannes e indicada ao Oscar de melhor animação, naquele ano.

Reportagens de Joe Sacco e Persépolis de Marjane Satrapi. Foto: Mateus Aguiar

Para Londero, pesquisador do ramo cyberpunk, o ganho de visibilidade proporcionado por adapções cinematográficas ajuda o gênero a se tornar mais respeitado e assumir novos desdobramentos e formatos multiplataforma. Caso do subgênero de jornalismo em quadrinhos. O precursor foi o livro Maus - A História de Um Sobrevivente (2005, Companhia das Letras). Escrito por Art Spielgeman, retrata o sofrimento dos pais durante a Segunda Guerra. A popularização do subgênero só veio, entretanto, com os livros-reportagem de Joe Sacco sobre a Palestina.

Os quadrinhos também avançam no mundo acadêmico. Não só como objeto de pesquisa, mas como formato: em 2014, o cartunista, crítico de arte e professor americano Nick Sousanis inovou ao defender uma tese de doutorado feita inteiramente na linguagem dos gibis. O estudo, pela Universidade de Columbia (EUA), compara as linguagens visual e escrita, e mostra como se sobrepõem.

As articulações entre plataformas de mídia e as novas variações do gênero representam, para o quadrinista Miguel Mendes, mais conhecido como Mig, oportunidades profissionais emergentes. Ele acredita que o mundo virtual amplia os horizontes de mercado. Quadrinista do estúdio de Ziraldo desde 1989, antes mesmo de se formar em Comunicação Social na PUC-Rio, Mig aposta também nas ferramentas de financiamento coletivo e nos portais de escritores e ilustradores, pelos quais profissionais amadurecem, com o adubo da interatividade, contatos com potenciais leitores, consumidores:

A carreira de quadrinista é uma carreira artística. Se você é autoral, você vai ter que buscar criar seu trabalho como um amador, não vai ter um ganho financeiro de cara. Você vai criar sua obra e divulgar pelas plataformas de publicação. Escritores hoje começam publicando um capítulo ou fanfic na internet. Se estão mais ousados, fazem um e-book e buscam o contato com possíveis futuros leitores.

Mig reconhece, contudo, que a origem impressa ainda se reflete de forma significativa no processo de criação de um gibi. Ex-estagiário do Comunicar, braço de Comunicação da PUC-Rio, ele acredita que o DNA impresso influencia, por exemplo, as "funções bem divididas" associadas à produção dos quadrinhos. Embora os artistas independentes cumpram todas as etapas, "há lugar para diferentes especializações numa equipe":

Tudo começa com a autoria dos personagens, da sua filosofia e o estilo da narrativa. Depois, o roteirista faz um esboço do desenho para estabelecer o cenário, os personagens junto com partes da história. Em seguida, é papel do desenhista interpretar esse roteiro e fazer algumas adaptações que julgue necessárias. O arte-finalista faz pelo computador aquilo tradicionalmente feito com o nanquim, passando o traço forte e definitivo por cima dos desenhos – explica.

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