Jogos Olímpicos potencializam desigualdade social
01/06/2016 12:05
Mariana Casagrande

Rio 2016 é apontado por especialistas como pretexto para gentrificação e elitização da cidade.

Evento esportivo que promete trazer para o Brasil 1 milhão de turistas, provocando aumento de 85% do setor hoteleiro na cidade do Rio nos últimos seis anos, as Olimpíadas são vistas por sociólogos e ativistas como fortalecimento das classes mais ricas em detrimento das mais pobres. Na palestra Megaeventos: processos globais, impactos locais, realizada dia 30, no auditório RDC da PUC-Rio, Sandra Maria de Souza, uma das mais ativas defensoras da Vila Autódromo, afirmou que a comunidade em que vive há 25 anos “sofreu um processo de remoção para apropriação do setor imobiliário”. De acordo com Sandra, o governo da cidade demonstra interesse em ocupar a região há, aproximadamente, 30 anos, desde que a Barra da Tijuca começou a se estruturar como bairro de classe média:

– Nos últimos 50 anos, a comunidade foi desenvolvida por pescadores que respeitavam a natureza local e por moradores que não se envolviam com tráfico de drogas ou milícias. A prefeitura transformou nossa favela em um “deserto cinza”, desmatando 500 árvores e afastando espécies como capivaras, garças e peixes. No entanto, tenho muito orgulho das famílias da Vila Autódromo, a primeira favela carioca que resistiu ao processo de remoção.

Foto: Mariana Casagrande


Convidada para o debate pelo Centro Acadêmico de Relações Internacionais (Cari) em parceria com o Instituto de Relações Internacionais (IRI), Sandra lembrou que 700 casas foram desapropriadas desde 2009 – a maior remoção da história da cidade –, e se emociona ao destacar que a favela foi a primeira do Rio a propor um acordo com o governo, que permitiu a permanência de 20 famílias que se recusaram a deixar o local – entre as quais a própria, que trabalha como acupunturista. Os moradores foram realocados no subúrbio, com auxílio do programa Minha Casa, Minha Vida:

– Houve violência física durante as remoções. As Olimpíadas, que na origem eram um evento para união dos povos, hoje é exemplo de abuso de poder ao usarem capital privado para alavancar a especulação imobiliária e promoverem “higienização social” onde há interesse empresarial – lamentou.

A moradora da Vila Autódromo criticou o fato de a população vítima dessas remoções não poder participar dos Jogos, que oferecem ingressos a até R$ 1.200, e as prisões de quem tenta trabalhar ao redor, por não terem autorização. Entretanto, o mais triste, para ela, é “a inocência dos pobres que, para participarem desse evento na própria cidade, de forma alienada, se voluntariam”.

Também convidado para o debate, o sociólogo Orlando Santos Jr., professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em Planejamento Urbano e Regional, definiu a reurbanização como efeito de “um movimento moderno mercantilista”:

– O neoliberalismo estimula as trocas do mercado livre e a destruição criativa das instituições e estruturas físicas. Contudo, mais importante do que definir o processo carioca como gentrificação ou outro termo é entendê-lo na dimensão espacial de classes e estratégias políticas.

Analisando as propostas do governo, o sociólogo prevê o fortalecimento da Zona Sul e a criação de nova centralidade na Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade. Para isso, segundo ele, a prefeitura “enfrenta as classes populares” com remoções e com a reestruturação dos transportes:

– O BRT foi criado para conduzir a classe trabalhadora do subúrbio para a Zona Oeste. Mais uma vez, essa não foi uma medida para melhorar a qualidade de vida deles, mas para permitir novas construções na Barra – criticou.

Em relação à Zona Portuária, Santos Jr. observou que, dos 5 milhões de metros quadrados da região, incluindo morros e favelas, “apenas subsetores foram reurbanizados e oferecidos para os acionistas”, comprovando o quadro de “cidade segregada em que vivemos”.
Morador do Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, e membro do coletivo Papo Reto, de comunicação e mídias, Tainã Medeiros criticou a invisibilidade dos moradores de comunidade diante do poder público, citando como exemplo o Teleférico, inaugurado em 2011 pela presidente Dilma Rousseff:

– O teleférico do Alemão não foi construído para a mobilidade dos moradores, e sim para servir aos turistas que querem conhecer a favela sem pisar nela.

Tainã acusou ainda a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), assim como outras instituições públicas, de “abusar do poder de segurança, assumindo vigilância excessiva”:
– Não temos nenhuma liberdade. Qualquer acontecimento social que organizamos requer a aprovação dos policiais. É claro que não somos a favor do tráfico, mas não queremos xerife algum nos vigiando.

Leonardo Fontes, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), lembrou que o processo de gentrificação é cada vez mais global. O termo nasceu, em 1964, no Reino Unido, para classificar a volta da classe média aos bairros dos centros urbanos, em detrimento dos subúrbios, visando à vida mais ativa:

– É importante ressaltar que a estruturação dos subúrbios na Europa e nos EUA não se assemelha à nossa periferia, mas a bairros de classe média e alta com ótima qualidade de vida – explicou.
De acordo com o professor, hoje há duas linhas que explicam esse processo. A primeira se baseia na oferta de moradia, em que há reinvestimento das áreas pouco valorizadas dos centros urbanos, e a segunda avalia a importância do consumo para a empatia com as grandes metrópoles – nessa, a vida ativa em grandes condomínios e vias expressas é idealizada em distinção à “vida pacata dos subúrbios”.

Fontes destacou a importância do debate sobre a gentrificação e o desenvolvimento da cidade sede das Olimpíadas, pondo em primeiro plano as consequências para a população. E questiona: “Desenvolvimento para quem?”.

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