Às vésperas da Paralimpíada, estudantes vivenciam esportes adaptados
27/07/2016 14:04
Carolina Ernst, Juliana Valente e Matheus Paulo Melgaço / Fotos: Gabriel Molon

Simulações de modalidades como o futebol de cinco integraram a programação do projeto Para Incluir, da PUC-Rio, na Rocinha

Projeto para incluir. Foto: Gabriel Molon


Cercados de números portentosos, desde a movimentação de R$ 75 bilhões até os 350 mil visitantes esperados, os Jogos Olímpicos do Rio carregam também a perspectiva de legar estímulos à prática esportiva, especialmente pelo amadurecimento de políticas públicas do gênero, articuladas com a iniciativa privada e instituições de ensino. Uma destas ações, voltadas ao desenvolvimento do esporte como ferramenta de inclusão social, ganhou o Complexo Esportivo da Rocinha no sábado 23 de julho. No Projeto Incluir, parceria entre a PUC-Rio e a fundação italiana Cardeal Paul Poupard, com apoio técnico do Comitê Paralímpico Brasileiro, cerca de 350 crianças, de sete escolas públicas municipais  (Desembargador Oscar Tenório; André Urani; Georg Pfisterer; Luiz Delfino; Paula Brito; Manoel Cícero e Christiano Hamann) e duas particulares (Colégio Teresiano e do Instituto Nossa Senhora de Lourdes – Inosel), vivenciaram práticas olímpicas e paraolímpicas. Embora as medalhas cultivassem o brilho nos olhos da criançada, foi nas simulações de modalidades praticadas por portadores de necessidades especiais que os meninos se confrontaram com o surpreendente.

Em meio às competições que se estenderam sábado afora, crianças e jovens entre 7 e 17 anos experimentaram, por exemplo, o futebol de cinco, adaptação do futebol regular para deficientes visuais e cegos.  Sob a supervisão de técnicos do Comitê Paralímpico Brasileiro, os estudantes foram vendados e posicionados de frente para o gol.  Depois de meia hora, só alguns conseguiram marcar, ainda assim na terceira tentativa. “Assim fica muito difícil jogar”, reconheciam, uníssonos, os boleiros mirins.

– Como jogo bola sempre, achei que fosse acertar (o gol) de primeira. Depois de chutar o ar várias vezes, comecei a pegar o jeito, tentando escutar o movimento da bola. Mas consegui mesmo só com a ajuda do tio – contava, animado, um garoto de 9 anos, referindo-se ao treinados do Comitê Paralímpico que coordenava a atividade.

O aluno da escola Francisco de Paula, Ricardo Silva, que tem 10 anos e é morador da Rocinha. Ele achou curioso poder experimentar modalidades como o futebol de 5, feito para cegos, e o revezamento de corrida.

– A tia me chamou para fazer uma coisa que não fazemos normalmente. Chutar a bola sem ver é muito difícil. Só consegui acertar na segunda vez. Eu tenho vontade de ser atleta, gosto de correr e, por isso, o esporte que mais gostei de fazer foi o revezamento.



Já o estudante Bernardo Carvalho, de 12 anos, do colégio Teresiano, destacou a integração com outras escolas. Jogador do Clube de Regatas do Flamengo, Bernardo joga bola desde os 5 anos e, no Projeto Para Incluir não deixou de ganhar medalha.

– No primeiro jogo perdemos de 1 a 0, no finalzinho, e, no segundo, empatamos em 0 a 0. A integração foi legal, todo mundo está tendo um espírito esportivo importante.

Coordenador de Educação Física da PUC-Rio, Renato Callado, acredita que a inclusão de modalidades paralímpicas foi importante para as crianças experimentaram as sensações de atletas com deficiência física. Segundo ele, desde o primeiro Festival de Escolas foi possível perceber uma mudança de comportamento das crianças.

– Com a proximidade da Olímpiada e da Paraolimpíada, resolvemos colocar um elemento novo, que é a demonstração e a experimentação de esportes paralímpicos. Um dos exemplos é o futebol de 5. Resumindo, é o Festival das Escolas que tínhamos antigamente. Um dos objetivos principais era quebrar essa barreira porque são alunos da mesma área, mas com realidades e mundos muito diferentes. Eles não se falavam nas ruas, passavam e até olhavam para o outro meio estranho. Hoje, conseguimos ver que esse objetivo foi alcançado.

Campeão do queimado feminino e futebol society masculino, o professor de Educação Física da Escola Municipal André Urani, Claudio Mello, observou para o papel da Educação Física na formação do indivíduo e não só como benefício físico. Ele ressaltou a metodologia pedagógica da escola.

– A importância é conscientizar a comunidade escolar da importância da inclusão sem qualquer exclusão, seja ela racial ou de caráter físico. Lá na escola procuramos enfatizar o respeito e a colaboração entre eles. E, se fomos campeões, foi graças ao esforço deles.

Os estudantes participaram, ao longo do sábado, de competições de futebol society, queimado, revezamento e até cabo de guerra, e de experimentações de esportes praticados por portadores de necessidades especiais. Foram organizadas também demonstrações de modalidades paralímpicas, uma espécie de aquecimento para os Jogos Paralímpicos do Rio, que serão disputados de 7 a 18 de setembro. O Brasil, aliás, é o maior vitorioso no futebol de cinco: ganhou três ouros consecutivos, desde que a modalidade foi incorporada à Paralimpíada, em Atenas 2004. As partidas seguem as regras da Federação Internacional de Futebol (Fifa), mas com algumas adaptações. O campo mede 40mx20m e é rodeado de placas de 1,20m, o que torna o jogo mais dinâmico, pois evita que a bola saia. Cada equipe tem cinco jogadores e três guias, que os orientam.

Na segunda experimentação do dia, a da bocha adaptada, as crianças foram orientadas por três atletas da Associação de Equoterapia do Estado do Rio de Janeiro (Aeterj): Alex, Tiago e Otávio, seus treinadores, e árbitros. Após jogarem uma partida, os estudantes foram convidados a participar. Os garotos jogaram sentados, lado a lado com o trio de atletas e treinadores. “Já tinha experimentado vôlei sentado na escola. É estranho não poder usar as pernas. Fiquei impressionada com a destreza dos paratletas, apesar das limitações. Parece até fácil, mas é bem difícil”, comentou uma aluna de 11 anos da escola municipal Oscar Tenório. Ali perto, a mãe de Otávio, Mara Rosana Barbosa, acompanhava satisfeita a atividade:

– As crianças estavam muito curiosas. Expliquei como funcionava e eles começaram a experimentar. Daí talvez se interessem e busquem mais informações sobre o esporte.

A diretora da escola, Denise Vieira, acrescenta:

– Este tipo de experimentação é muito válida. Ao passar por esta simulação, a criança entende na prática o esporte paraolímpico.

Na versão adaptada, os jogadores têm o mesmo objetivo da bocha regular: lançar as bolas coloridas (bochas) o mais perto possível da esfera branca (bola-alvo). Aquele que acumular mais bolas próximas ao alvo vence a partida. De acordo com as limitações físicas, os atletas recebem ajuda dos treinadores ou de equipamentos específicos, como calhas e capacetes. É um dos poucos esportes nos quais homens e mulheres podem jogar lado a lado.

A bocha estreou nos Jogos Paralímpicos de Nova York, em 1984. Desde os Jogos de Pequim, em 2008, o Brasil tornou-se também um dos maiores destaques na bocha. Conquistou, só em 2008 e em 2012, oito medalhas: cinco de ouro, uma de prata e duas de bronze. Dirceu Pinto e Eliseu dos Santos são os maiores nomes da modalidade. Nos Jogos Paralímpicos do Rio serão disputadas sete provas, entre disputas individuais, em duplas e por equipes.

Projeto para incluir. Foto: Gabriel Molon


O golbol também fez parte do repertório de experimentações. Na breve simulação, as crianças foram vendadas, como havia sido feito no futebol cinco. Semelhante ao handbol, o golbol é disputada por atletas com deficiências visuais. Buscam marcar gols, com as mãos. Como a bocha, o golbol mantém-se uma modalidade exclusivamente paraolímpica.

Nas Paralimpíadas do Rio, dez seleções masculinas e 10 femininas buscam o pódio da modalidade disputada desde os Jogos de Toronto, em 1976.  O Brasil estreou no golball em Pequim-2008. Na Paralimpíada seguinte, em Londres-2012, obteve já a primeira medalha, de prata, depois de perder a decisão para a Finlândia.

O Brasil participou pela primeira vez dos Jogos Paralímpicos na edição de 1972, em Heidelberg, na Alemanha. Dos 984 competidores, apenas 20 homens eram brasileiros. Participaram de quatro modalidades, sem vitórias. A primeira medalha foi conquistada na edição de Toronto, em 1976, por Robson Sampaio de Almeida, prata no lawn bowls, uma espécie de bocha na grama.

Nos primeiros Jogos Paralímpicos realizados na América do Sul, mais de 4 mil atletas competem pelos 170 países integrantes do Comitê Paralímpico Internacional (IPC). Serão 11 dias de competição, 528 provas de 23 modalidades: 225 femininas, 265 masculinas e 38 mistas.

Tradição de inclusão e integração

Para  o vice-reitor Comunitário da PUC-Rio, Augusto Sampaio, as experimentações e demais práticas esportivas do Para Incluir convergem à percepção de que “todos somos capazes de fazer tudo”.  Assim ressaltou o professor, ao abrir as atividades no Complexo Esportivo da Rocinha.

Na mesma linha, o decano do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio, Luiz Roberto Cunha, lembrou que o esporte pode se converter não só num instrumento potente de inclusão social, mas também de acesso ao mundo universitário. Cunha lembrou que a iniciativa é mais um exemplo da prática da PUC de integrar o entorno à Universidade.

– Quando surgiu a ideia de usarmos a Paraolimpíada, que é um evento internacional, buscamos um formato para integrar esses alunos à sociedade. Somos uma instituição que busca a inclusão.

O decano do CCS, Luiz Roberto Cunha, e o Vice-Reitor Comunitário, Augusto Sampaio


De acordo com o Vice-Reitor Comunitário, professor Augusto Sampaio, o projeto é importante por ser uma iniciativa da pesquisa. Ele ressaltou o pioneirismo da PUC-Rio em ações inclusivas.

– Muito antes do ProUni, que é uma louvável iniciativa do governo, a PUC já tinha bolsa de assistência social, que permitia que jovens carentes viessem de todos os lugares do Rio de Janeiro para estudar. Os alunos participantes do Para Incluir vão ter a oportunidade de descobrir qual é a percepção de um atleta paralímpico. O que dá visibilidade para a inclusão em todos os seus aspectos. Não só no ensino, mas ao esporte, enfim, a vida como o todo.

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