Corrida para 2018: Alckmin larga na frente, e atrofia do PT obriga esquerda a se reinventar, observam analistas
03/10/2016 10:42

Sob respingos da Lava-Jato, urnas impõe derrota ao PMDB de Temer em São Paulo, Minas e no Rio. Arrancada de Freixo pode aglutinar centro-esquerda em torno do PSOL

Foto: Agência Brasil

O PSDB de Geraldo Alckmin sai fortalecido do pleito municipal e pula à frente na disputa interna com Aécio Neves e José Serra rumo às eleições de 2018, enquanto a consumada atrofia nacional do PT – reflexo da crise política instalada há dois anos e das supostas irregularidades investigadas pela Operação Lava-Jato – obriga a esquerda se reinventar em busca da competitividade perdida. Um desses caminhos, ainda de acordo com os especialistas, insinua-se o PSOL de Marcelo Freixo, cuja arrancada para enfrentar Marcelo Crivella no segundo turno carioca traz recados menos evidentes do que o enfraquecimento do PMDB local, minado pela penúria dos cofres estaduais, pelo vácuo de liderança e pela incapacidade de o prefeito Eduardo Paes transferir o capital político dourado nos Jogos Olímpicos a um candidato sem expressividade e chamuscado com a acusação, mesmo já arquivada, de ter agredido a ex-mulher.

Se em São Paulo a inédita fatura liquidada no primeiro turno por João Dória rende a Alckmin vitória expressiva no Fla-Flu contra Aécio e Serra pelo protagonismo no ninho tucano, a igualmente histórica passagem do PSOL ao segundo turno no Rio representa também um cacife nada desprezível pela aglutinação de forças de centro-esquerda fragmentadas com a atrofia petista país afora. Caso confirme a ascensão, a legenda pode receber os chamados náufragos do PT, grupos que já desembarcaram (ou se inclinam a fazê-lo) do partido em torno do qual têm orbitado, desde os anos 1990, as correntes de centro-esquerda. Assim avaliam analistas como o cientista político Cesar Romero Jacob, coautor do estudo A geografia do voto nas eleições para prefeito e presidente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo 1996-2000 (Editora PUC-Rio), para os quais o vácuo de poder decorrente da fragilização do PT cobre a esquerda com uma grande interrogação. Talvez o resultado final da eleição carioca comece a apontar algumas respostas.

Marcelo Freixo. Foto: Mídia Ninja

– Freixo pode reproduzir 1992, quando Brizola passou por cima da máquina (política) chaguista. Se isso acontecer, pode haver uma migração para o Rio do núcleo centro-esquerda, concentrado em São Paulo. O avanço de Freixo ao segundo turno expõe também um vácuo de centro-direita, com o enfraquecimento local do PMDB, às voltas com a crise nas finanças estaduais e a submersão de algumas lideranças.

Para o também cientista político da PUC-Rio Ricardo Ismael, o resultado do segundo turno no Rio é imprevisível, pois o realinhamento das forças é uma equação muito complexa. Segundo ele, há um eleitorado órfão. A maior parte dos eleitores de Carlos Osório (PSDB), Indio da Costa (PSD), Flavio Bolsonaro (PSC) e até mesmo Pedro Paulo (PMDB) não gosta muito da candidatura de Freixo nem da de Crivella:

– O desafio do Freixo vai ser falar para as comunidades, sair um pouco do discurso dos formadores de opinião, que já estão com ele. Ele precisa mostrar que fará uma gestão importante na vida dessas pessoas. Entretanto, Crivella também tem o seu desafio: convencer a classe média carioca e a população da Zona Sul de que não vai patrocinar o retorno de Anthony Garotinho nem entregar a prefeitura à Igreja Universal.

Marcelo Crivella. Foto: Agência Senado

Para o pesquisador do grupo Comunicação e Política da PUC-Rio Vinicius Wu, os votos da esquerda irão para Freixo enquanto os da direita, para Crivella:

– O segredo é captar votos do centro. Crivella terá de se livrar do estigma que o relaciona à Igreja Universal. Ele já reduziu significativamente sua rejeição em relação a disputas anteriores. A pergunta que fica é: a rejeição dele vai voltar no segundo turno? Outra questão que terá de enfrentar é sua política de alianças. Afinal, ele é o candidato da família Garotinho, que enfrenta grande rejeição no Rio. Já Freixo terá que ampliar sua aceitação nas zonas Norte e Oeste, onde a eleição será decidida.

Para Romero Jacob, a derrota do PMDB no Rio é consequência do desgaste do PT, mais especificamente das figuras dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, e evidenciam o vácuo político da capital fluminense.

– As vitórias anteriores do PMDB no Rio foram resultado da aliança com o PT quando Lula e Dilma gozavam de alta popularidade. Com a derrocada dessas duas figuras e da crise econômica pela qual passa o estado, que sequer consegue pagar os servidores em dia, o poste escolhido por Eduardo Paes não se elegeu. Pedro Paulo (PMDB) foi uma escolha individual de Paes. É um candidato sem potencial, pois tem problemas relacionados ao caso de agressão à mulher, que, embora tenha sido resolvido na Justiça, ainda é um problema político.

O cientista político alerta ainda para a possível reordenação da esquerda em torno do PSOL, caso Marcelo Freixo ganhe o segundo turno, e lembra a campanha de Brizola em 1982:

– Os resultados do Rio demonstram que não há grupo hegemônico na cidade. Se Freixo ganhar no segundo turno, derrotando o PMDB e a Igreja Universal, ele reeditará a vitória de Brizola em 1982, quando a esquerda carioca derrotou o candidato que controlava a máquina. Se isso acontecer, a esquerda possivelmente se aglutinará em torno do PSOL, pois o PT pode se dividir depois das eleições. Ao contrário do PSOL, que recusa o PMDB, o PT criou a ilusão de que é possível fazer um governo de esquerda se aliando ao centrão.

Já para a cientista política Ingrid Sarti, a escolha de Freixo para o segundo turno foi a expressão do ‘Fora Temer’ nas urnas:

– A consolidação de sua candidatura no segundo turno estará condicionada a uma união das forças progressistas que supere as fronteiras das identidades e disputas partidárias.

Wu acredita que os candidatos situados à esquerda no espectro político local, como Jandira Feghali (PT) e Alessandro Molon (Rede), devem apoiar Freixo. Os candidatos mais à direita, como Flavio Bolsonaro e Carlos Osório, devem apoiar Crivella:

– Resta saber como se comportarão os partidos centristas como o PMDB. Pode ser que liberem o voto, até porque suas bases não seguirão, necessariamente, a orientação das direções partidárias.

 

São Paulo

João Dória com Aécio Neves. Foto: George Gianni

Com a vitória de João Dória em São Paulo, ainda no primeiro turno, com 53,29% dos votos, o PSDB do governador Geraldo Alckmin é visto como o grande vitorioso do processo eleitoral. Para o cientista político Cesar Romero Jacob, da PUC-Rio, o governador de São Paulo “pavimenta o caminho da candidatura em 2018”, contrariando correligionários como José Serra e Aécio Neves. Romero enfatiza:

– O grande vitorioso destas eleições é o PSDB de Geraldo Alckmin. Não só pelo êxito histórico de João Dória na capital paulista, mas também em várias prefeituras do interior. Já Serra, Marta (Suplicy) e (Michel) Temer saem derrotados das urnas, pois PMDB e PT fracassaram ainda no Rio e em Minas. Essas derrotas têm um peso tanto simbólico como efetivo: afinal, São Paulo, Rio e Minas detêm 40% do eleitorado brasileiro. Essa vantagem pode ser reduzida caso João Leite, candidato de Aécio Neves em Belo Horizonte, ganhe no segundo turno – completa o professor da PUC-Rio.

Ainda com relação à capital paulista, Celso Russomano (PRB) ficou em terceiro, com 13,64% dos votos válidos. Romero ressalta a derrota do atual prefeito, o petista Marcelo Haddad, e de Marta Suplicy, que obtiveram 16,7% e 10,14% dos votos válidos:

– Saem enfraquecidos Haddad, Marta e o presidente Michel Temer. O PMDB pretendia encerrar a polarização entre PT e PSDB na capital paulista, o que não ocorreu, porque Marta perdeu a identidade, por isso perdeu até para o candidato do PT, desgastado com os escândalos do partido. 

Já para o cientista político Valter Duarte Ferreira Filho (UFRJ/Uerj), não há por enquanto substitutos do PT. Diz ainda que levará tempo para que algum partido ocupe esse espaço:

A expressiva queda do PT, arrasadora em algumas capitais, não vem acompanhada de nenhuma ascensão significativa de qualquer outro partido de esquerda. Isso é indicativo de uma desmoralização sem precedentes desses partidos, o que impõe aos que pretenderem recuperá-los uma paciente renovação com recomposição teórica e prática com prazo provavelmente longo.

A expressiva queda do PT, arrasadora em algumas capitais, não vem acompanhada de nenhuma ascensão significativa de qualquer outro partido de esquerda. Isso é indicativo de uma desmoralização sem precedentes desses partidos, o que impõe aos que pretenderem recuperá-los uma paciente renovação com recomposição teórica e prática com prazo provavelmente longo, acredita o professor Valter Duarte Ferreira Filho.

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