Pedro Malan: "Fenômeno Trump não é trivial"
10/11/2016 20:09
Cecília Bueno, com fotos de Jorge Paulo

Ex-ministro da Economia de Fernando Henrique, economista fez análise do cenário global e nacional, avaliando papel do Brasil no cenário internacional, a PEC 55, Previdência e educação.

O economista Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda dos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, classificou o fenômeno Trump, assim como outros recentes eventos políticos, como resultado de uma crise de soberania, cujas implicações se desdobrarão por décadas na geopolítica mundial:

– O que está acontecendo agora é uma reação que se expressa no voto. De pessoas que acham que essa abdicação na soberania, tanto na área econômica quanto política, está indo longe demais. A campanha de Trump nos Estados Unidos “Make America Great Again” é resultado disso. Assim como o Brexit, que se desdobrou em uma onda de plebiscitos na França, na Dinamarca e na Holanda, em que esses países se questionaram se estariam abdicando de sua soberania ao integrar a União Europeia (UE). O problema é que esses fenômenos não são algo trivial. Já se avançou muito nesse processo, e as implicações disso se desdobrarão por décadas a frente na geopolítica mundial.

Malan fez as declarações na PUC-Rio na noite de terça-feira 8, durante a palestra “De que depende o futuro do Brasil na economia global? ”, a primeira da série Diálogos com Personalidades, promovida pela Associação dos Antigos Alunos da PUC-Rio, pelo IAG-PUC-Rio e pelo Departamento de Economia, no qual se graduou e lecionou. A poucas horas do resultado das eleições americanas, Malan apostava suas cartas na candidata democrata Hillary Clinton, que, contrariando as pesquisas, perdeu para o republicano Donald Trump.

Ao expressar o contexto de incerteza econômica e política no Brasil no mundo, Malan recorreu a uma frase do também economista e ex-aluno da PUC André Lara Resende: “Nunca a conjuntura foi tão pouco conjuntural”. Sobre o papel do Brasil no cenário internacional, ponderou que antes é necessário arrumar a casa, e que as batalhas realmente fundamentais para o desenvolvimento econômico, social, político e institucional do país devem ser resolvidas no front doméstico, não internacional:

– O Brasil é um país que acha que pode aumentar seu prestígio, sua voz e influência no contexto internacional. Mas, para ter protagonismo no cenário global, é preciso mostrar capacidade de equacionar os próprios problemas internos: políticos, econômicos, sociais, institucionais e ambientais, onde o país poderia ter um protagonismo maior.  O Brasil não tem o direito de desenvolver um discurso em que se considera vítima de eventos externos totalmente fora de seu controle. Por mais difícil que sejam as situações, a capacidade de resposta é ideal.

O ex-ministro ressalvou que vê a América Latina, hoje, voltando a ter condições melhores de negociação e diálogo, após um período de turbulência:

– Costumava dizer que a América Latina tinha grande potencial econômico, se comparada a outras regiões em desenvolvimento, porque era uma área desnuclearizada, sem conflitos de fronteira, sem conflitos étnicos-religiosos e sem a tradição de violência para resolução de problemas de natureza política. E que, de todas as regiões em desenvolvimento no mundo, era a que tinha mais afinidade com os países da Europa e dos Estados Unidos. Depois de certas ocorrências em alguns países próximos ao Brasil, eu parei de fazer esse discurso. Agora, acho que as coisas estão mudando aos poucos na região, e talvez eu possa voltar a fazê-lo de novo.

Explosão demográfica no Brasil urbano

Sobre o Brasil, Malan lembrou que o problema econômico principal do país tem a ver o rápido estirão demográfico e urbano que o país viveu nos últimos 65 anos. De 1950 a 2015, o número de pessoas vivendo em centros urbanos passou de 18 milhões para 180 milhões. Tal crescimento demanda investimentos em infraestrutura urbana e políticas sociais que visem acomodar essa população.

– No Brasil, essas demandas são vistas, historicamente, como sendo de responsabilidade do Estado. Simultaneamente, há uma expectativa de que esse mesmo Estado seja o grande promotor do desenvolvimento nacional, através do estímulo ao desenvolvimento. Isso significa colocar sobre o Estado um ônus excessivo. É um paradoxo: a sociedade que acha que o Estado não cumpre com suas obrigações em termos de quantidade e qualidade de serviços sociais e de infraestrutura é a mesma que continua demandando uma maior presença dele – disse o economista.

Produtividade

Para Malan, o futuro do Brasil no posicionamento da economia global depende da retomada do crescimento:

A razão pela qual temos, recorrentemente, problemas de inflação, problemas fiscais, desiquilíbrio de balança de pagamentos é derivado do fato de que esperamos que essas demandas de infraestrutura sejam respondidas pelo Estado, e não temos ideia de que o Estado não produz recurso, simplesmente redistribui e realoca recursos.

– A maioria dos brasileiros não tem ideia de que o Estado não produz recursos; simplesmente os redistribui e reloca. Os recursos do Estado são provenientes de tributação, ou de endividamento, ou de uso indevido de poupanças compulsórias ou inflação, que é o mecanismo tradicional da armadilha macroeconômica brasileira. A inflação surge como mecanismo de adequar essas demandas à real disponibilidade de recursos. Não temos percepção da extensão em que sobrecarregamos o Estado. E, nesse processo, nos endividamos, fazendo promessas que não temos condição de cumprir, dívidas que não dá para pagar, como estamos percebendo agora. A solução para isso, é claro, é a retomada do crescimento a taxas elevadas. Tem uma palavrinha que não se encontra no léxico brasileiro: chama-se produtividade.

PEC do corte de gastos

Sobre a PEC 241, 55 no Senado, defendeu que só terá efeito se conjugada com uma Reforma da Previdência para dar certo, e estabelecendo prioridades nacionais, a exemplo do que faziam os Estados Unidos:

– É como se faz distribuição de recurso de gasto no orçamento e definição de prioridade nos outros países do mundo. Cada vez que o Congresso americano aprovava um orçamento, publicavam um livro chamado “Estabelecendo as prioridades nacionais”. Porque o Congresso não decidia o tamanho do orçamento, mas sua composição, sua estrutura. E o Congresso tinha liberdade, se houvesse acordo entre a maioria, para mudar a locação de recursos. É perfeitamente razoável que isso seja possível aqui. Só que isso exige uma coisa que é difícil no Brasil: eu quero colocar mais recursos aqui nessa área, e para tal vou reduzir em outra área. A gente acha que vai somando, mas no final descobre que a soma não bate com os recursos públicos para financiar. E aí fica aquela lógica de recursos a definir, eficiência para arrecadação, cobrança da dívida ativa da União, questões que ficam para pensar depois em como equacionar.

Sobre a reforma da Previdência, lembrou que, apenas com o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, a fatia do Orçamento comprometida com o pagamento de aposentados se tornará um impedimento para outras rubricas também essenciais:

– Quem quer que se debruce sobre os gastos dessa área de Previdência e projeta para o futuro, ela tem que ir expulsando todas as outras rubricas do Orçamento e, portanto, essa percepção de que alguma coisa tem que ser feita e que o Brasil é uma exceção. A expectativa média de vida no Brasil hoje é 70 e poucos anos de idade. É duro dizer isso, mas, sem uma solução desse problema de previdência, não dá.  Tem países no mundo em que a idade de aposentadoria é 67 anos, em outros 70. Com essa idade média do Brasil de 54 anos, só tem dois ou três países no mundo: o Brasil e dois no Golfo, que são exportadores de petróleo. Então não dá.

Nós temos um sistema de repartição, daqueles que estão trabalhando e pagando a aposentadoria dos que já se aposentaram, na expectativa de quando chegar a vez dele, sua aposentadoria seja paga por aqueles que estão trabalhando. Nós estamos transferindo para as gerações futuras um enorme problema. Nós estamos transferindo para nossos filhos, netos e bisnetos uma carga tributária monumental. Se esse processo continuar do jeito que está, acaba expulsando outros gastos também importantes.

Educação como antídoto contra demagogia e populismo

Sem mencionar a Reforma do Ensino Médio adotada pelo governo Temer por meio de Medida Provisória e atualmente analisada no Congresso – que, ao lado da PEC 55, motivam protestos e ocupações de escolas por estudantes, greves de servidores públicos e professores em todo o país –, Malan defendeu investimentos na Educação Básica, como instrumento político contra a demagogia e o populismo.

– Tem que investir na pré-escola. Os primeiros anos são os mais importantes. O Ensino Médio é uma carnificina: 40% das pessoas que deveriam estar lá não estão. E 40% que começam e não terminam. E as que terminam saem despreparas para a vida moderna. Nos EUA, na Europa, quem não tem capacidade se sente deixado para trás, e esse sentimento poderoso se expressa nas urnas: não querer se integrar nesse mundo. É um terreno fértil para o aparecimento do demagogo, do político que promete o que não pode cumprir e que diz “quando eu chegar lá, eu sei como fazer”. Na verdade não sabe, mas é habilidoso ou tem marqueteiros suficientes para mostrar que sabe. É muito difícil imaginar o Brasil se posicionar na economia com o tipo de formação que damos para onde importa, que são os anos iniciais.

Malan encerrou sua fala com uma mensagem otimista, não em médio, mas em longo prazo:

– Certa esperança de um futuro que eu não verei, mas acho que há um entendimento da gravidade e da importância da sociedade procurar melhores formas de responder a esses desafios. Isso vale para a economia e para a educação. Dessas percepções da limitação do Estado, que não pode tudo: o mérito de uma despesa não traz consigo o germe de seu financiamento.

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